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Uma mulher esbelta, com trinta e tantos anos, entrava no edifício da administração de Argus. Os seus olhos, grandes e afastados um do outro, suavizavam-lhe a estrutura óssea angulosa do rosto. Uma bandelette de tartaruga prendia-lhe, sem apertar, o cabelo comprido e escuro na base do pescoço. Envergando com despreocupação uma T-shirt de malha e uma saia de caqui, seguiu por um corredor do primeiro andar e transpôs uma porta onde se lia: E. Arroway — diretora. Quando retirou o polegar do fecho acionado por pressão digital, um observador poderia ter reparado num anel que usava na mão direita, com uma pedra vermelha singularmente leitosa que não parecia encastoada por um profissional. A mulher acendeu um candeeiro, procurou numa gaveta e finalmente tirou uns auscultadores. Momentaneamente iluminada na parede ao lado da secretária estava uma citação das Parábolas de Franz Kafka:

Agora as Sereias têm uma arma ainda mais fatal do que o seu canto, ou seja, o seu silêncio… Talvez alguém pudesse ter escapado ao seu cantar; mas ao seu silêncio, certamente nunca.

A mulher apagou a luz com um gesto da mão e dirigiu-se para a porta, na semiobscuridade.

Na sala de controle certificou-se rapidamente de que estava tudo em ordem. Através da janela podia ver alguns dos cento e trinta e um radiotelescópios que se estendiam por dezenas de quilômetros através do deserto restolhoso do Novo México, qual estranha espécie de flor mecânica esticando-se na direção do céu. A tarde estava no princípio e ela estivera levantada até tarde na noite anterior. A radioastronomia pode fazer-se durante o dia, porque o ar não dispersa as ondas de rádio do Sol como dispersa a luz visível normal. Para um radiotelescópio apontando para qualquer lado menos para muito perto do Sol, o céu é negro como breu. Exceto para as ondas de rádio.

Para além da atmosfera da Terra, do outro lado do céu, há um universo fervilhante de radiemissão. Estudando ondas de rádio podemos aprender coisas a respeito de planetas, estrelas e galáxias, acerca da composição de grandes nuvens de moléculas orgânicas que pairam entre as estrelas, acerca da origem, da evolução e do destino do universo. Mas todas estas radiemissões são naturais — causadas por processos físicos, elétrons espiralando no campo magnético galáctico, ou moléculas interestelares colidindo umas com as outras, ou os ecos distantes do vermelho do Big Bang passando dos raios gama na origem do universo para as domesticadas e frias ondas de rádio que enchem todo o espaço da nossa época.

Nas escassas poucas décadas em que os seres humanos se dedicaram ao estudo da radioastronomia nunca houve um verdadeiro sinal vindo dos abismos do espaço, qualquer coisa fabricada, qualquer coisa artificial, qualquer coisa engendrada por uma mente alienígena. Houve falsos alarmes. A variação regular de tempo da radiemissão de quasars e, especialmente, pulsars, tinha ao princípio sido considerada, hesitantemente, tremulamente, uma espécie de sinal anunciador de outro alguém, ou talvez um farol de radionavegação para naves exóticas que cruzassem os espaços entre as estrelas. Mas verificara-se que se tratava de outra coisa — tão exótica, talvez, como um sinal de seres no céu noturno. Os quasars pareciam espantosas fontes de energia, porventura relacionados com buracos negros maciços nos centros de galáxias, alguns deles observados havia já mais de meio caminho, no tempo, em relação à origem do universo. Os pulsars são núcleos atômicos com um movimento giratório rápido e do tamanho de uma cidade. E houvera outras mensagens ricas e misteriosas que tinham acabado por se revelar de certo modo inteligentes, mas não muito extraterrestres. O firmamento estava agora polvilhado de sistemas de radar militares secretos e satélites de radiocomunicação que se encontravam fora do alcance das súplicas de alguns radioastrônomos civis. Algumas vezes eram autênticos foras-da-lei que ignoravam os acordos internacionais de telecomunicações. Não havia nem apelo, nem agravo. Ocasionalmente, todas as nações negavam a responsabilidade. Mas nunca houvera um sinal alienígena inequívoco.

E, no entanto, a origem da vida parecia agora ser tão fácil — e havia tantos sistemas planetários, tantos mundos e tantos milhares de milhões de anos disponíveis para evolução biológica que custava a crer que a Galáxia não estivesse fervilhante de vida e inteligência. O Projeto Argus era a maior instituição do mundo dedicada à busca pela rádio de inteligência extraterrestre. Ondas de rádio viajavam à velocidade da luz, mais rapidamente do que a qual, parecia, nada podia avançar. Eram fáceis de gerar e fáceis de detectar. Até mesmo civilizações tecnológicas muito atrasadas, como a da Terra, descobriram a rádio no princípio da sua exploração do mundo físico. Até mesmo com a rudimentar radiotecnologia disponível — agora, apenas algumas décadas após a invenção do radiotelescópio — é quase possível comunicar com uma civilização idêntica no centro da Galáxia. Mas havia tantos lugares no céu para explorar e tantas freqüências nas quais uma civilização alienígena podia transmitir, que se impunha um programa de observação sistemático e freqüente, paciente. Argus funcionava em pleno havia mais de quatro anos. Houvera glitches, boggeys, indícios, alarmes falsos. Mas nenhuma mensagem.

— Boa tarde, doutora Arroway.

O engenheiro solitário sorriu-lhe agradavelmente e ela retribuiu com um aceno de cabeça. Todos os cento e trinta e um telescópios do Projeto Argus eram controlados por computadores. O sistema varria lentamente o céu, sozinho, certificando-se de que não havia avarias mecânicas ou eletrônicas e comparando os dados de diferentes elementos do exército de telescópios. Ela lançou uma vista de olhos ao analisador de mil milhões de canais, uma bancada eletrônica que cobria uma parede inteira, e à exposição visual do espectrômetro.

Não restava, na realidade, muito para os astrônomos e os técnicos fazerem enquanto o dispositivo de telescópios varria lentamente o céu, ao longo dos anos. Se detectava alguma coisa de interesse, fazia soar automaticamente um alarme que alertava os cientistas do projeto, se necessário fosse na cama, à noite. Depois, a Dra. Arroway começava a funcionar em pleno para determinar se, no caso em questão, se tratava de uma falha instrumental ou de algum boggey espacial americano ou soviético. Juntamente com o pessoal de engenharia, estudava meios de melhorar a sensibilidade do equipamento. Havia algum padrão, alguma regularidade na emissão? Destinava alguns dos radiotelescópios ao exame de objetos astronômicos exóticos que tinham sido recentemente detectados por outros observatórios. Ajudava membros do pessoal e visitantes em projetos sem relação com a SETI. Voava para Washington a fim de manter vivo o interesse da agência de financiamento, a National Science Foundation. Proferia algumas conferências públicas sobre o Projeto Argus — no Rotary Club, em Socorro, ou na Universidade do Novo México, em Albuquerque — e, ocasionalmente, saudava um repórter empreendedor que chegava, por vezes sem ser anunciado, ao mais remoto Novo México.

Ellie tinha de se acautelar para que o tédio não se apoderasse dela. Os seus colegas de trabalho eram simpáticos, mas — mesmo independentemente da impropriedade de um relacionamento pessoal estreito com um subordinado nominal — ela não se sentia tentada a quaisquer verdadeiras intimidades. Houvera alguns relacionamentos breves, escaldantes, mas fundamentalmente casuais, com homens locais sem qualquer ligação com o Projeto Argus. Também nessa área, a sua vida descera sobre ela um tédio, uma lassidão.