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Os cavaleiros podiam ter respondido a Flint considerando os comentários deste como táticas de duende destituídas de imaginação e sutileza. A Torre do Sumo Sacerdócio era, na realidade, uma obra-prima de concepção hábil. Os seis portões abriam para pátios exíguos — campos de extermínio onde o inimigo podia ser dizimado pelo fogo cerrado dos cavaleiros postados no alto das muralhas. E os que, conseguindo escapar, subiam as escadas que desembocavam na torre central, ficavam presos em armadilhas ocultas.

Os que estavam familiarizados com a história da Guerra da Lança, sabiam que as três portas que davam para a planície solâmnica eram, na realidade, armadilhas para dragões. Um globo mágico de dragão, colocado no centro dos corredores convergentes, chamava os dragões do Mal, impelindo-os a voar até o interior da torre e não a atacá-la do exterior. Os dragões eram então chacinados pelos Cavaleiros da Solamnia, que investiam contra os animais encurralados, protegidos por defesas de pedra. Daí o outro nome, agora esquecido, que atribuíam à torre: a Morte do Dragão. Assim tinham perecido, durante a Guerra da Lança, inúmeros dragões do Mal.

Muitos anos se passaram desde que Sturm Montante Luzente permanecera sozinho nas ameias, aguardando a morte certa. Durante a Guerra da Lança, ficou se sabendo que os globos de dragão se achavam perdidos para o mundo, pelo menos era o que muita gente desejava do fundo do coração. Os dragões do Mal, agora ao par do segredo das defesas da torre, já não podiam ser atraídos para esta cilada mortal, e dado tais animais serem incrivelmente longevos, era provável que as recordações que guardavam daqueles corredores, empapados de sangue de dragão, os impedisse de cometer duas vezes o mesmo erro.

Após a guerra, a torre fora reconstruída, renovada e modernizada. Com a perda dos globos de dragão, a defesa contra dragões da torre central deixara de ser eficaz, e os três portões que serviam de armadilha passaram a funcionar mais como ornamento do que como engenho ativo. Os Cavaleiros da Solamnia entenderam a verdade contida na afirmação do duende a respeito das três portas de aço: “Podem muito bem servir para convidar o inimigo para o chá!”, resmungara Flint. Tomaram precauções no sentido de fechá-las com três “bujões” de granito branco, esculpidos de modo a parecerem-se com os portões originais.

Depois da guerra, a Torre do Sumo Sacerdócio converteu-se num centro principal e fervilhante de atividade. As estradas fervilhavam, nos dois sentidos, de viajantes. Acorriam cidadãos a solicitar aconselhamento, opiniões, justiça ou ajuda para a defesa das suas cidades contra os saqueadores. Mensageiros incumbidos de missões importantes dirigiam-se, a galope, para os portões. À noite, os kenders eram detidos, os seus alforjes revistados, e na manhã seguinte os soltavam, com ordens rigorosas de “darem o fora”, às quais os kenders obedeciam alegremente, apenas para serem substituídos por nova leva de irmãos.

No Verão, os viajantes montavam tendas ao longo da estrada que corria desde as planícies, ao fundo, até o portão principal da torre. Vendiam de tudo, desde fitas e lenços de seda (para as damas bonitas concederem, como favores, aos seus cavaleiros prediletos) a comida, cerveja, vinho elfo e (por baixo do balcão) bebidas alcoólicas feitas por duendes.

Regularmente, efetuavam-se torneios, que encenavam justas, concursos de tiro ao alvo, batalhas, paradas militares e exibições de alta-escola na arte de montar cavalos e dragões, que serviam para treinar os jovens cavaleiros, manter o espírito beligerante dos mais velhos em forma, e para regozijo do público.

Tempos bons para os cavaleiros... até àquele Verão.

A medida que o calor do Sol ia causticando as estradas empoeiradas, o fluxo através de Krynn foi diminuindo, até morrer como as colheitas nos campos. O homem cuja única colheita se resume a poeira e a terra seca, não pode pagar ao latoeiro para lhe remendar a chaleira. O latoeiro não pode pagar as contas na estalagem. O estalajadeiro não tem dinheiro para comprar comida para os hóspedes.

Os mensageiros ainda afluíam, agora mais do que o usual, e eram portadores de notícias pavorosas de fome e incêndios. Uns poucos viajantes ainda perambulavam por ali, meio mortos pelo Sol inclemente. Os comerciantes fecharam as tendas e mudaram-se para Palanthas. Já não se efetuavam torneios ali. Um número elevado de cavaleiros, comprimidos nas pesadas armaduras, haviam desmaiado sob o efeito do calor. Só os kenders, que sofriam da doença nacional conhecida por Luxúria do Errante, continuavam a freqüentar a cidade a intervalos regulares. Chegavam queimados do sol e cobertos de poeira, e alegremente comentavam a mudança surpreendente que se registrava nas condições atmosféricas.

Na noite em que Tanis Meio Elfo chegou, um grupo de kenders estava sendo enxotado. O cavaleiro de serviço soltara-os e ordenara-lhes que se afastassem dos portões. Depois de fazer um cálculo rápido, o guarda desapareceu precipitadamente, para voltar com mais dois kenders, que tinham se separado do grupo e se encontravam no salão de jantar. O cavaleiro aliviou-os de várias peças de cutelaria, seis travessas de estanho, enfeitadas com a chancela dos cavaleiros, dois guardanapos de linho e um pimenteiro.

Normalmente, os kenders vagueariam pelo lado de fora da torre, à espera de uma oportunidade para entrar de novo. Nessa manhã, porém, a chegada de Tanis, montado num grifo[2] distraiu-os.

Mal o grifo pousou do lado de fora do portão da frente, na estrada principal que desembocava na torre, viu-se rodeado por um enxame de kenders, que se puseram a admirar o exemplar com ar interessado e amistoso. O animal feroz — que não apreciava kenders — mirou-os com os seus olhinhos pretos e faiscantes. Quando algum chegava mais perto, o grifo, irritado, eriçava as penas e fazia ranger o bico com ar ameaçador, para grande regozijo dos kenders.

Receando que um ou outro acabasse servindo de desjejum ao grifo, Tanis, com múltiplas expressões de gratidão, despachou o bicho de volta a Palanthas. Este, aliviado e célere, levantou vôo. Os kenders soltaram um gemido de desapontamento, e de imediato viraram a sua atenção para Tanis.

Segurando a espada numa das mãos e a bolsa com o dinheiro na outra, o meio elfo pôs-se a atravessar penosamente aquele mar de kenders, esforçando-se para chegar à torre, mas sem grande êxito. Felizmente, o som de cascos, que galopavam à distância, levaram-nos a deixar Tanis em paz e virar-se para este recém-chegado. Tanis encaminhou-se rapidamente para a entrada.

O cavaleiro de serviço dirigiu-lhe uma saudação, pois Tanis visitava a torre com freqüência.

— Bem-vindo, meu senhor. Vou mandar alguém acompanhá-lo ao salão dos hóspedes, onde poderá repousar da tua longa...

— Não há tempo — interrompeu-o Tanis com modos bruscos. — Tenho de ver Sir Thomas imediatamente!

O Senhor de Gunthar uth Wistan, velho amigo de Tanis e o chefe anterior dos Cavaleiros, aposentara-se no ano anterior. Thomas de Thalgaard, o Senhor Cavaleiro da Rosa, era agora o Comandante da Torre do Sumo Sacerdócio. Homem na casa dos 40, Sir Thomas gozava da reputação de ser um comandante apto e inflexível. Possuía uma longa linhagem na cavalaria. O avô de Thomas fora Cavaleiro da Solamnia, mas durante os anos obscuros que procederam o Cataclismo, uma seita de falsos padres roubara-lhe as herdades. Engolindo o orgulho, o pai de Thomas fizera um contrato com os padres no sentido de trabalhar como assalariado nas terras que outrora constituíram patrimônia da família. Assim, a primeira montada do jovem Thomas fora um cavalo de tiro, e lutara as primeiras batalhas contra as lagartas e os gorgulhos. Observara o pai a trabalhar até à morte, vira-o morrer como um escravo e jurara que se tornaria cavaleiro.