— Não se esqueçam de baixar a cabeça assim que atacarmos! — Ollowain encorajou o bando de elfos. — Nossas partes mais vulneráveis são as fendas da viseira dos elmos. Os humanos sabem disso. Por isso, baixem a cabeça!
— Eles têm uma cavalaria? — perguntou um elfo à esquerda de Farodin. Sua voz soava metálica dentro da viseira fechada.
— Quero ser sincero com vocês. Desde ontem à tarde que nenhum dos nossos espiões retorna. Estamos lutando contra eles há muito tempo. Eles conhecem nossas manhas de guerra. — Estendeu o braço e apontou para o céu, onde se viam as silhuetas de três aves de rapina, voando em círculos com as asas bem abertas. — Eles adestraram falcões para caçar as fadas das flores. Nossas espiãs sabiam do risco; ainda assim não fugiram da sua missão. Tomem os corações corajosos de nossas pequenas irmãs como exemplo para vocês.
Farodin mal acreditava no que ouvia. Até que ponto a situação na Terra dos Albos tinha chegado, se até as fadas das flores estavam sendo mandadas para a guerra!
— Atentem-se para sempre manter ao menos dois passos de distância entre si — recomendou Ollowain. — Afinal, nós não queremos partir o crânio uns dos outros.
Orgrim veio pelo caminho em direção a eles.
— Eles estão avançando! — berrou ele. — Estão prontos?
Ollowain ergueu sua imensa espada de duas mãos.
— Sim! — gritou ele, voltando-se mais uma vez para os elfos com armaduras. — Esqueçam tudo que vocês já aprenderam sobre lutas honradas. Nosso inimigo não conhece a misericórdia. Eles não farão prisioneiros. Então matem tantos deles quanto forem capazes. E protejam-se dos alabardeiros.
Farodin apanhou a imponente espada de duas mãos, recostada diante dele no muro de pedra, e fechou a viseira de seu elmo. Não queria que o rei dos trolls o reconhecesse. Não podia trocar nenhuma palavra sequer com o assassino de Aileen renascido, ainda mais no lugar em que sua amada um dia morrera!
A pequena tropa de elfos marchou o último trecho da trilha de subida pelo penhasco, e passou pelos restos queimados de torres de observação de madeira. Havia só dois dias que os filhos dos albos haviam tomado de volta dos cavaleiros da ordem a posição à borda do penhasco. E tinham pago com rios de sangue por isso.
O grupo de defensores de que eles ainda dispunham para manter o sinuoso e íngreme declive até Shalyn Falah era ridiculamente pequeno. Setecentos trolls armados com clavas e escudos gigantescos, quatrocentos elfos arqueiros e cerca de trezentos gnomos com bestas. A fortaleza do outro lado da ponte estava ocupada somente por feridos e duendes pequenos demais para partir para um campo de batalha contra humanos. Aquele era o último contingente disponível!
— Os humanos ficarão surpresos a valer quando os atacarmos — disse Ollowain, bem-humorado.
Havia diminuído a marcha e agora caminhava ao lado de Farodin.
— Mas eu mesmo também estou surpreso que avançarei com um bando de vinte malucos contra uma linha de combate de milhares de humanos. Será que você colocou alguma coisa no meu vinho ontem à noite, quando fiquei totalmente entusiasmado com a sua ideia?
Ollowain ergueu a viseira do elmo e deu um sorriso largo para Farodin.
— Eu até que pensei sobre isso com o vinho, Farodin. Mas então disse para mim mesmo: alguém que é louco o suficiente para atacar um castelo de trolls somente com um humano ao seu lado vai se entusiasmar com o plano de batalha de hoje.
Nas fileiras de trolls, abriu-se uma brecha para os elfos com suas armaduras. Na frente dos gigantes, os arqueiros tinham assumido formação. O acesso à descida estava protegido por um amplo semicírculo com estacas pontudas, fincadas verticalmente no chão. Esse obstáculo oferecia uma boa proteção contra a cavalaria. Um ataque de soldados de infantaria, contudo, ele não seria capaz de conter.
Atrás da fraca linha de defesa havia uma encosta em declive, trespassada por saliências de pedra largas e cinzentas. A parede que um dia houvera ali desaparecera. Até mesmo os troncos de árvores já não estavam mais lá, onde agora crescia uma grama pálida. O círculo de pedras de Welruun ficava só a poucas centenas de passos de distância. Farodin engoliu em seco. Por um momento, viu novamente o rosto lívido de Aileen à sua frente e o sangue escuro que brotava de seus lábios.
— Abaixem-se! — ordenou Ollowain.
Farodin obedeceu. De joelhos, eles eram menos visíveis para os agressores. Era importante surpreender os humanos!
A pouco mais de um quarto de milha de distância, os cavaleiros da ordem vinham subindo a encosta. Como uma floresta densa, seus longos piques[7] erguiam-se sobre suas cabeças. O toque de tambores e o som de flautas ressoava de suas fileiras. Era uma melodia surpreendentemente alegre, que não lembrava em nada uma canção de batalha. Os piqueiros marchavam encosta acima em sincronia. Usavam elmos altos e armaduras peitorais brilhantes, exatamente como os soldados que tinham visto sobre o gelo na frente de Firnstayn.
— Distribuam-se! — gritou Ollowain.
Escondidos atrás dos arqueiros, agora os guerreiros de armaduras formavam uma linha ampla e atentavam-se cuidadosamente para manter distância uns dos outros.
Farodin tinha a boca totalmente seca. Ele observava hipnotizado os humanos avançarem. Como uma maré que subia, suas linhas de batalha afastavam-se para passar por cada um dos blocos de pedra da encosta, juntando-se novamente depois. Eram milhares! Só a massa que formavam já bastaria para empurrar os defensores da borda do penhasco.
Gritos de comando agudos soaram entre os piqueiros. Suas primeiras cinco filas se abaixaram. Os arqueiros dos elfos começaram o seu trabalho mortal. O ar se encheu dos zunidos das flechas e dos estalos cortantes das bestas dos gnomos. Dúzias de soldados da ordem da primeira fila sucumbiram. Imediatamente, as brechas foram preenchidas por guerreiros das linhas de trás.
Logo os inimigos estavam a apenas cem passos de distância. Farodin conseguiu observar os tiros de besta fazerem furos redondos e sangrentos nas placas de peito dos agressores.
Agora só mais oitenta passos. O compasso dos tambores mudou. As flautas emudeceram. A linha inteira de combate aumentou a marcha.
— Ao ataque! — ecoou a voz de Ollowain.
O elfo louro fechou a viseira de seu elmo. Farodin apanhou a grande espada. Os arqueiros deixaram os guerreiros de armaduras passarem. Os gnomos, que ainda estavam de joelhos formando uma linha de tiro na frente dos elfos, recuaram.
As mãos de Farodin tremiam. Ele ergueu a espada bem alto sobre a cabeça e curvou-se para a frente como um touro em posição de ataque. Era loucura completa! Diante deles havia milhares de soldados da ordem, e eles atacando com vinte homens!
Mais quarenta passos!
Farodin começou a correr. Os piques da primeira fila projetavam-se cerca de seis passos. Escalonadas atrás deles ainda havia mais quatro outras fileiras de guerreiros com guardas de ferro. O elfo viu a agitação começar nas linhas de batalha. Os piqueiros concentraram-se em alguns pontos, esperando que os agressores embateriam contra suas filas.
O choque ocorreu com muito menos força que Farodin esperava. O aço das armas começou a se atritar com rangidos. Farodin continuava mantendo a cabeça baixa. Houve um novo tranco. A segunda fileira de piqueiros terminara. Gritos agudos soaram. Farodin fazia sua pesada espada girar. Cabos de madeira de freixo quebraram-se com estalos.
Farodin sentiu algo atingi-lo no gorjal[8] e escorregar. Então o elfo arriscou erguer a cabeça. Olhou diretamente nos rostos horrorizados dos homens à sua frente. Mais três passos e chegaria. Uma lâmina pontuda resvalou lateralmente em seu elmo e escorregou. O mundo parecia-lhe minúsculo. As fendas estreitas da viseira só lhe permitiam ver o que estava bem à sua frente.
Alguns soldados da ordem tinham deixado cair seus piques e tentavam puxar seus punhais e espadas curtas. Um homem com um chapéu de abas largas agitava ao seu redor uma haste estranha. De repente, houve um estampido e uma fumaça branca começou a brotar da haste de madeira. A arma pesada de Farodin cortou armaduras, carne e ossos. A lâmina da espada de duas mãos media um passo e meio e nada era capaz de oferecer resistência ao aço dos elfos. E, à medida que uma unidade de piqueiros avançava de forma terrível, ficava vulnerável após passar por suas espadas. Os oficiais nas fileiras de trás atentavam-se para que nenhum de seus homens deixasse cair seu pique. Mas era necessário usar as duas mãos para segurar as armas pesadas e difíceis de manejar. Quem deixava cair o pique e puxava a espada curta não encontrava espaço para levantar o braço naquela formação tão densa. E as investidas escorregavam pela armadura de Farodin, sem qualquer efeito. Como um trabalhador na lavoura, o elfo golpeava contra as fileiras amontoadas de piqueiros. O sangue espirrava nele pela fenda da viseira e corria por suas bochechas. Estava preso no meio de gritos desesperados, metais ferozes e ossos que se despedaçavam com ruídos surdos.