— Mandred Torgridson voltou — anunciou Erek, esmagando-se entre Nuramon e Farodin para entrar pela porta.
— Você devia ter vergonha de já estar bêbado antes de o sol se pôr, Erek — gritou a mulher. — E leve os seus parceiros de bebedeira com você. Não há lugar para eles na minha sala.
Mandred olhou em volta, admirado. Não viu Freya em nenhum lugar.
— Onde está minha mulher?
O pescador baixou a cabeça.
— Traga-nos hidromel, Gunhild — bradou num tom que não admitia protestos. — Depois reúna os idosos aqui. Busque Beorn, o coxo, Gudrun e Snorri. E traga hidromel para todos, mas que droga! Esta é uma ocasião de que nossos bisnetos um dia vão falar.
Mandred percorreu apressadamente com os olhos a parede com os nichos de dormir e abriu com força a última cortina. Ali Freya também não estava. Ao lado de onde ela dormia ainda estava o berço que ele construíra no início do inverno. Estava vazio.
— Sente-se, jarl. — O pescador tomou-o cuidadosamente pelo braço e conduziu-o para perto do braseiro.
Mandred deixou-se cair sobre um dos bancos, com as pernas abertas. O que estava acontecendo ali? Ficou com tontura.
— Você se lembra de quando deu uma velha faca de presente ao pequeno Erek Ragnarson e passou a tarde toda mostrando a ele como destripar uma lebre? — A voz do pescador tremia. Seus olhos tinham um brilho úmido.
Gunhild pôs uma caneca de hidromel entre eles, sobre o banco, junto com um pão de cheiro delicioso. Mandred rasgou um pedaço do pão e meteu-o na boca. Ainda estava quente. Então deu um grande gole de hidromel.
— Você se lembra? — insistiu o velho pescador.
Mandred chacoalhou a cabeça.
— Sim. Por quê?
— O menino. Era... Era eu, jarl.
Mandred pousou a caneca.
— Pensamos que estivesse morto — disse Erek. — Nós os encontramo... o meu pai e os outros. Só você que não... nem o monstro. Há muitas histórias sobre o que aconteceu naquele inverno. Alguns acreditam que você cercou a besta no gelo e despencou com ela nas profundezas geladas do fiorde. Outros pensavam que você tinha ido até as montanhas. E dizem que Luth, de luto por você, fez crescer uma cortina gelada diante de sua caverna. Freya nunca quis acreditar que você estivesse morto. Em todas as primaveras seguintes sempre enviou homens para procurar por você. E ela sempre foi junto até o filho nascer. Um menino forte. Só ele deu paz a ela. Oleif, esse era o seu nome.
Mandred suspirou profundamente. O tempo havia passado, ele sabia. E era primavera, embora, pela sua percepção, ainda devesse ser inverno. Na caverna sempre estivera claro. Apenas a luz por trás do gelo oscilava continuamente, mais forte e mais fraca. Fez força para se acalmar.
— Onde está a minha mulher? E o meu filho... — O guerreiro ergueu os olhos. Três homens com lanças haviam adentrado a sala, e encaravam-no. Novos desconhecidos atravessavam a todo momento a baixa porta de carvalho. Apenas Nuramon e Farodin não olhavam para ele. E Svanlaib. O que eles sabiam que Mandred ainda desconhecia?
Erek pôs a mão sobre seu ombro.
— Mandred, eu sou o menino que você presenteou com a faca. Você esteve desaparecido por quase trinta invernos. Você se lembra? Quando eu ainda era pequeno e mal conseguia andar, um dos cães de Torklaif me atacou. — Erek arregaçou a manga esquerda de sua rude camisa. Seu antebraço era coberto de cicatrizes profundas. — Eu sou o menino. E agora me diga: por que você não é um ancião, Mandred? Você tinha mais que o dobro da minha idade. E não estou vendo nenhum fio grisalho na sua barba, e nenhum cansaço em seus olhos. — Apontou para a porta da casa comunal. — Você ainda é o homem que há quase trinta anos deixou esta casa para ir atrás daquela ameaça. Foi por isso que pagou com o seu filho?
Uma fúria gelada apoderou-se do guerreiro.
— O que você está dizendo? O que tem o meu filho?
Deu um pulo e empurrou a caneca de hidromel do banco. Os curiosos recuaram de sua frente. A mão direita de Farodin tocou o cabo da espada. Observava atentamente os lanceiros.
— O que aconteceu com Freya e com o meu filho? — gritou Mandred com a voz esganiçada. — O que está acontecendo aqui? Por acaso a aldeia toda está enfeitiçada? Por que vocês estão todos tão diferentes?
— Você está diferente, Mandred Torgridson — gritou uma velha mulher. — Não me olhe assim! Antes de escolher Freya, você gostava de me ter nos braços. Sou eu, Gudrun.
Mandred encarou aquele rosto desgastado.
— Gudrun?
Naquela época ela era linda como um dia de verão. Podia ser verdade? Esses olhos... Sim, era ela.
— O inverno seguinte ao surgimento do monstro foi ainda mais severo. O fiorde congelou e certa noite eles vieram. Primeiro ouvimos somente os clarins ao longe, então vimos uma fileira de luzes. Cavaleiros. Centenas deles! Eles vinham do penhasco do outro lado do fiorde. Do círculo de pedras. E cavalgavam sobre o gelo. Ninguém dos presentes jamais se esqueceu daquela noite. Eram como espíritos, mas vivos. A luz das fadas flutuava no céu e tingia a aldeia de uma sinistra tonalidade verde. Os cascos de seus cavalos mal remexiam a neve, embora a fria rainha dos elfos Emergrid e a sua corte fossem de carne e osso. Eram belos e assustadores, pois os olhos refletiam o gelo de seus corações. No cavalo mais magnífico cavalgava uma elfa graciosa, com um vestido que parecia feito de asas de borboleta. Embora o clima estivesse gelado, ela parecia não sentir o frio. Ao seu lado cavalgavam um homem todo vestido de preto e um guerreiro de túnica branca. Falcoeiros a acompanhavam, assim como músicos que tocavam alaúdes, guerreiros em armaduras reluzentes e elfas trajando roupas perfeitas para uma celebração de verão. E lobos, grandes como cavalos montanheses. Pararam diante da sua casa, Mandred. Desta sala aqui!
A lenha estalou no braseiro e lançou fagulhas até o teto negro de fuligem. Gudrun prosseguiu.
— Sua mulher abriu a porta para a rainha Emergrid. Freya a recebeu com hidromel e pão, como pedem as regras da hospitalidade. Mas a rainha dos elfos não aceitou nada. Exigiu somente o que você prometera, Mandred. O seu filho! O preço para que esta aldeia pudesse continuar viva, para que a besta fosse afastada de nós.
Mandred escondeu o rosto nas mãos. Ela viera! Como pudera fazer essa promessa!
— Mas... E quanto a Freya? — balbuciou ele, sem forças. — Ela...?
— Além do seu filho, os elfos tiraram dela a vontade de viver. Ela gritou e implorou clemência pelo bebê. Ofereceu sua vida em troca, mas a rainha Emergrid não se compadeceu. Com os pés descalços, Freya correu pela neve e seguiu os elfos até o penhasco. Foi lá que a encontramos na manhã seguinte, no meio do círculo de pedras. Tinha rasgado o vestido e chorava sem parar. Nós a trouxemos até a aldeia, mas Freya não queria mais ficar conosco sob o mesmo telhado. Ela subiu no túmulo do seu avô, Mandred, e lá pediu vingança aos deuses e aos sombrios espíritos da noite. Sua mente foi ficando mais e mais perturbada. Sempre a viam com uma trouxa de trapos nos braços, como se segurasse uma criança. Trouxemos comida para ela, jarl. Tentamos de tudo. Na primeira manhã de primavera após o equinócio, nós a encontramos morta no túmulo do seu avô. Morreu com um sorriso nos lábios. Nós a sepultamos no túmulo ainda no mesmo dia. Uma pedra branca jaz sobre a sua sepultura.
Mandred sentia como se seu coração tivesse parado de bater. Sua ira selvagem se fora. As lágrimas corriam por suas faces, sem que se envergonhasse disso. Foi até a porta. Ninguém o seguiu.
O túmulo de seu avô ficava um pouco afastado do novo muro que protegia Firnstayn, bem perto do grande e branco rochedo à margem do fiorde. Foi ali que seu avô chegou e desembarcou. Havia fundado a aldeia e a nomeado inspirado naquela pedra, tão branca como a neve do meio do inverno. Firnstayn.[3]