Выбрать главу

Apesar do que Panigarola dissera, Fiora tentou a sua sorte:

Quereis assim tanto levar-me convosco para a guerra, monsenhor? Eu estou... tão cansada! A guerra faz-me horror...

Também me quereis deixar? Que aconteceu ao meu valente escudeiro? Que aconteceu à senhora de Selongey, que queria tanto manter junto das minhas as cores do seu marido?

Viu muito sangue derramado. Não lhe permitis que se retire para Selongey?

Para viver na solidão de um castelo campestre? Não, donna Fiora, não creio que isso vos tente. Trata-se de outra coisa, não é verdade? Essa amizade, que me era tão doce, não passa de um logro? Tal como os outros, quereis fugir de mim porque me achais acabado, destruído...

O duque enervava-se. A sua voz subia de tom. Adivinhando, então, que tinha de tomar a iniciativa, Fiora exclamou:

Tendes razão: há outra coisa. Campobasso vai regressar e eu não quero voltar a ver esse homem! É por isso que vos peço que me deixeis ir...

É só isso? Então, ficai descansada. Prometo-vos que não o vereis. É verdade que ele pediu para voltar ao serviço sob a minha bandeira. É um bom capitão e, infelizmente, eu preciso dos seus soldados, mas ele não vem para aqui. Ordenei-lhe que fosse tomar posição entre Thionville e Metz, onde esperará o príncipe de Croy e o duque Engelbert de Nassau, que vêm dos Países Baixos com cinco mil homens de infantaria. Dentro de poucos dias temos que deixar La Rivière. O Menino pôs cerco a Nancy e eu quero apanhá-lo de surpresa. Vós estareis junto de mim como habitualmente, mas Olivier de La Marche terá ordens para velar por vós e manter-vos afastada, quando Campobasso me vier ver. Mas não quero que me deixeis. É preciso, entendeis, é preciso que fiqueis a meu lado, Não me pergunteis porquê!

E, esquecendo que se tinha convidado a si próprio para jantar, o Temerário foi-se embora. A porta fechou-se com força depois de ele sair e o barulho prolongou-se por um instante no silêncio que se estabelecera no quarto.

Bem! suspirou Léonarde. Jantaremos sós!

Prefiro assim, mas confessai que é assustador! Nunca lhe poderei escapar... Não penseis assim! Só deveis ter uma ideia na cabeça: vamos partir para Nancy. Não é isso o principal? No meio da barafunda da guerra havemos de conseguir fugir a monsenhor. E se o jovem Colonna ainda não tiver partido, bem, levamo-lo connosco.

Léonarde disse Fiora com convicção, espantar-me-eis sempre. Levar Battista?

Por que não? É capaz de ser divertido...

No dia 25 de Setembro de manhã, o exército, tão penosamente reconstituído, deixou La Rivière... Alguns diriam uma amostra de exército, tal era o contraste pungente com a soberba máquina de guerra que dois simulacros de batalha tinham reduzido a migalhas. Desde velhos soldados queimados pelo fogo da metralha a jovens recrutas, a Borgonha, a Picardia, o Luxemburgo e o Hainaut tinham mandado tudo o que podiam para juntar às fiéis lanças de Galeotto, o único mercenário que permanecera fiel. Mas eram as tropas da última oportunidade. Se uma nova derrota as dispersasse, ou aniquilasse, não haveria mais, nem mesmo na Borgonha, cujos campanários, ocos, não tinham mais bronze para fornecer. Dez mil homens, não mais, era tudo o que o Temerário arrastava atrás de si e com os quais contava para expulsar, de uma vez por todas, o Menino da sua terra natal.

Sob o capuz negro que pôs de novo para esconder os seus cabelos já longos, Fiora cavalga na cauda do cavalo do Temerário, na companhia de Battista. A jovem vai tão sombria que o pajem nem ousa cantar. Tem saudades de Panigarola. A sua cultura e filosofia faziam dele um companheiro inigualável, graças ao qual a mais longa caminhada se percorria sem custo. As notícias que recebera não eram das melhores: ao chegar a Saint-Claude, o núncio papal tivera de cair à cama sob os assaltos de uma bronquite acrescida de um ataque de gota. Tão cedo não se juntaria ao duque Carlos...

Este fervia de impaciência. Saber Renato II diante de Nancy punha-o doente, assim como a obrigatória lentidão de um exército, no qual nem todos iam montados, longe disso! Quatro a cinco léguas por dia, sob o peso das armas, era o que se podia pedir à infantaria, enquanto o Temerário sonhava voar como uma águia para cair, por fim, sobre o inimigo.

Por Levier, Ornans, Besançon e Vesoul, atingiram os confins da Lorena, de onde viraram para oeste para evitar as cidades já reconquistadas por Renato. O Temerário não queria malbaratar as suas forças. Primeiro queria Nancy e, para isso, tinha de se juntar às tropas de Campobasso, de Chimay e de Nassau, às quais dera ordens para virem ao seu encontro em Toul... A 7 de Outubro fazia a sua entrada em Neufchateau... no mesmo instante em que Renato II entrava na sua capital reconquistada e expulsava o governador borgonhês Jean de Rubempré, senhor de Bièvres. Louco de raiva, o duque Carlos quase matou o mensageiro que lhe trouxera a notícia...

Entretanto, o seu exército ia crescendo. Quando fez, em Toul, a junção com Campobasso que, aliás, se fez esperar e recuperou as tropas cerca de mil e quinhentos evacuados de Nancy por Jean de Rubempré, viu-se à cabeça de um efectivo de dezoito mil soldados. Era um número superior ao do jovem duque da Lorena e todas as esperanças eram permitidas. Ainda por cima porque, a 17, os Borgonheses derrotavam uma parte da sua gente em Pont-à-Mousson. A estrada para Nancy estava aberta...

Carlos acreditou que a sua estrela desvanecida brilhava de novo sobre a sua cabeça quando soube que Renato acabava, uma vez mais, de deixar Nancy em busca de um aumento de tropas. O jovem duque deixara a cidade nas mãos dos mais coriáceos dos seus fiéis: Gerard d’Avilliers, os irmãos d’Aguerre e Petit-Jean de Vaudémont, reforçados com dois capitães gascões: Pied-de-Fer e Fortune. Dois mil homens com eles:

Aguentaremos, pelo menos, dois meses disseram-lhe eles mas apressai-vos! Senão, depois disso, será a fome que nos dizimará...

De facto, Jean de Rubempré e a sua guarnição da cidade, em grande parte inglesa, resistira quase dois meses ao duque Renato. Depois de este entrar na cidade, esta quase não tivera tempo de refazer as suas provisões cruelmente em falta, já que tinham chegado ao ponto de comer os cavalos, nem de reparar as muralhas esventradas. Assim, quando a 22 de Outubro o Temerário investiu sobre a cidade e mandou reconstruir junto da Comendadoria Saint-Jean a sua casa de madeira, estava certo de que a vitória estava ao alcance da sua mão. Celebraremos o Natal no palácio como no ano passado disse ele alegremente a Fiora e darei uma festa tão bonita que vós até esquecereis as dos Médícis...

Ela agradeceu-lhe com um sorriso maquinal, mas o coração não lhe seguiu o exemplo. Ele estava de novo amável para com ela, caloroso, chegando, até, a instalá-las, a ela e a Léonarde, na sua casa de campanha, assim como mantivera a sua palavra no sentido de evitar que Fiora visse Campobasso. A jovem estava-lhe reconhecida, mas sentia-se desorientada. Aquele Renato II, que fugia qual miragem sempre que se aproximava dele, exasperava-a. Onde estaria ele? Em Estrasburgo, em Berna, em Friburgo, algures nos Cantões? Demétrios continuaria com ele? E Philippe? Onde estava Philippe? Já estaria curado dos seus ferimentos e, nesse caso, estaria em que prisão? Os pontos de interrogação sucediam-se no espírito desencorajado da jovem, que não sabia onde procurar as respostas.

Se o duque da Lorena partiu em busca de socorros, acaba por regressar predisse Léonarde, sempre prática. Cessai de vos atormentardes; não mudareis nada a esta história insensata que o duque Carlos nos obriga a escrever com ele...

Sabeis em que estou a pensar? Pergunto a mim própria se Demétrios não estará em Nancy. Uma cidade cercada precisa de um bom médico, ao passo que um jovem príncipe de perfeita saúde pode dispensá-lo...

É muito possível. Mas não vejo como haveis de entrar na cidade para terdes a certeza?