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Campobasso! Já sei que és um traidor. Agora, vou ver se és mesmo um cobarde! declarou Philippe de Selongey Raptaste a minha mulher e vais pagar com a vida...

Vem buscá-la, se és capaz! disse o raptor, esforçando-se por apertar Fiora contra si para fazer dela uma protecção. Mas a voz de Philippe galvanizara a jovem. Com todas as garras de fora, atirou-se furiosamente ao rosto que a viseira do elmo erguida deixava descoberto. Campobasso lançou um urro e abrandou o abraço. A jovem aproveitou para lhe escapar e deslizou para a neve...

Grande defesa! apreciou a voz tonitruante de Douglas Mortimer mas afastai-vos, porque ainda não acabámos com esta gente.

O terceiro cavaleiro, que era Esteban, já tinha, aliás, saltado para terra, para erguer a jovem e encostá-la a um coto de árvore.

Tudo bem? perguntou ele.

Sim... mas, de onde saís vós?

Dir-vo-lo-emos mais tarde. Por ora, precisam de mim... O castelhano voltou a subir para a sela e juntou-se aos outros. O combate já tinha começado entre Selongey e o seu inimigo e as armaduras ressoavam sob o choque da acha de armas manejada por Philippe e a maça empunhada pelo seu adversário, Mortimer lutava contra Angelo e o terceiro cavaleiro, que era Giovanni, o outro filho. Esteban correu para este último.

Encostada à árvore e com um nó de angústia no estômago, mas não sentindo o frio ou a humidade que lhe invadiam as roupas, Fiora seguia o furioso combate que se desenrolava perante os seus olhos. A jovem esforçava-se por manter a confiança: o milagre que acabava de se produzir não podia ser em vão. Era preciso que a vitória estivesse com a causa justa...

Subitamente, dominando as injúrias que os combatentes trocavam, ouviu-se um grito de angústia seguido de um urro de dor:

Giovanni! berrou Campobasso.

Já o corpo sem vida rolava na neve, que ficou vermelha. Esteban, mais ligeiramente armado do que os seus companheiros, saltara para a garupa do seu adversário e, tirando-lhe o elmo, degolara-o. Ao mesmo tempo, no instante em que a atenção do condottiere se desviou, Philippe assentou-lhe um golpe com a acha, que esmagou o elmo e feriu o napolitano na cabeça... mas este permaneceu na sela. Ao ver aquilo, Angelo desviou-se da maça de Mortimer, agarrou nas rédeas do cavalo do seu pai e puxou-o:

Ao largo, meu pai! Não ganharemos!

Os dois cavaleiros desapareceram em direcção a norte... Philippe, que já tinha tirado o elmo, correu para a sua mulher e tomou-a nos braços.

Meu amor! Não tens nada?... Ele não te feriu?

Não... Oh, Philippe, és mesmo tu? Já desesperava de te tornar a ver... Pensava...

Mas ele fechou-lhe a boca com um beijo apaixonado, apertando-a contra o peito vestido de ferro com tanta força que lhe arrancou um gemido.

Ainda a esmagais observou tranquilamente Mortimer e, quanto a mim, seria uma pena. Deixai-a viver um pouco.

Philippe largou Fiora e desatou a rir:

Tens razão, companheiro, mas uma felicidade assim põe um homem maluco. Confio-vo-la: cuidai dela...

Philippe! gritou Fiora ao ver que ele voltava a pôr o pé no estribo não me vais deixar?

A jovem levantou-se e correu para ele, mas Philippe já estava na sela e o seu sorriso apagou-se:

Tem de ser, Fiora! Além combate-se e o meu príncipe não tem muitas hipóteses de ganhar a batalha. Tenho de me juntar a ele! Obrigado, amigos e obrigado a monsenhor Renato que, como um verdadeiro cavaleiro, permite que me junte aos meus uma vez a minha mulher fora de perigo...

Philippe! berrou Fiora com o coração despedaçado fica. Vais-te matar!

Espero que não, porque te amo!

Selongey esporeou o cavalo e Fiora quis segui-lo, mas Mortimer segurou-a por um braço:

Ficai tranquila! disse ele rudemente. Ele não vos perdoará se não o compreenderdes: trata-se da sua honra!

No mesmo instante, o mugido lúgubre das grandes trompas montanhesas fez-se ouvir. Já passava um pouco do meio-dia e a batalha tinha começado...

Não durou muito, apesar da defesa desesperada do pequeno exército borgonhês. Qual aríete gigantesco, a falange suíça, eriçada de chuços, saíra da floresta de Saurupt para mergulhar de flanco nas tropas inimigas, que tinham de fazer face, ao mesmo tempo, ao assalto frontal dos Lorenos. Por duas ou três vezes ainda, enquanto o exército debandava e Galeotto retirava para o Meurthe com o que restava dos seus homens, se viu o Temerário no combate, batendo-se furiosamente antes de desaparecer...

Com o cavalo a passo, Demétrios costeou o pequeno rio Saint-Jean na direcção do lago do mesmo nome. Os cadáveres cobriam o solo onde a neve, sob o espezinhar constante, se transformara numa lama sangrenta. Já os larápios, abutres habituais dos campos de morte, tinham entrado em acção, ao mesmo tempo que os sinos da cidade libertada soavam loucamente.

Ao chegar junto do lago, o grego pensou ouvir um queixume, um apelo fraco. Pondo pé em terra, pegou no seu saco de medicina. O lago estava gelado, mas o gelo cedera em alguns locais sob o peso dos corpos sem vida. Com precaução, o médico avançou por entre os caniços, tacteando o solo com a ponta do pé antes de o pousar. O queixume tornou-se mais próximo e, subitamente, viu-o. Deitado no meio das plantas cobertas de geada, os pés metidos dentro de água e a armadura dourada manchada de sangue, o Temerário estava ali, diante de si, com um longo chuço enterrado no peito e um outro trespassando-lhe uma das coxas. O elmo com o leão de ouro repousava contra o seu ombro, mas Demétrios não precisava daquele emblema para reconhecer o homem que odiava há tanto tempo.

O ferido sentiu a sua presença e abriu os olhos:, Salva... a Borgonha! sussurrou ele e Demétrios inclinou-se. O seu inimigo estava ali, ofegante, à sua mercê. Bastava-lhe um gesto para saciar a sua vingança e já a sua mão procurava na cintura o punho da adaga, mas ouviu:

Em nome de Deus vivo... ajudai-me!

Então, o grego lembrou-se que era médico e que em nenhum caso um médico tem o direito de matar. As suas mãos, que iam ferir, não tinham sido feitas para aquilo, antes para tratar as feridas, cuidar e sarar... e o gosto amargo da vingança abandonou a sua boca. Empunhando a arma que segurava o corpo ao solo, puxou-a lentamente antes de a atirar para longe, em seguida desapertou a armadura e tirou-a com infinitas precauções:

Estai quieto disse ele. Eu sou médico... Vou tratar-vos e depois vou buscar ajuda...

O médico virou-se e levantou-se para ir buscar o seu saco, que tinha deixado atrás de si. O golpe chegou nesse instante. Lançada por mão segura, uma acha afundou-se no crânio de Carlos. O duque expirou de imediato e Demétrios, estupefacto, viu o assassino fugir. Não havia mais nada a fazer. Desta vez, o Temerário estava mesmo morto... e a Borgonha com ele, sem dúvida.

O grego ficou ali um momento a contemplá-lo, procurando, face àquele despojo trágico, reencontrar o seu velho ódio. As armas da Lorena, que ele usava no braço, preservavam-no dos homens em busca de um saque qualquer e estes afastavam-se da sua silhueta negra debruçada sobre aquele ninho de caniços, onde começava a dissolver-se o que fora o mais faustoso dos príncipes da Europa...

Também não o conseguistes matar, pois não disse uma voz fria e, erguendo os olhos, Demétrios viu Léonarde olhando para si de braços cruzados, apertando em redor dos ombros uma grande peça de tecido de fazenda cinzenta...

Não disse ele com uma nova humildade não, não consegui. Antes de mais nada, sou médico...

E queríeis que ela o matasse, ela, aquela inocente, que vós, mais do que ninguém, sabíeis o que tinha sofrido? É fácil, não é verdade, dizer: ”Mata!... Apunhala! Envenena!” quando estamos afastados e em segurança? Ela arriscava-se à tortura, ao cadafalso, mas, para vós, isso tinha pouca importância. E ousastes exercer sobre ela a mais odiosa das chantagens...