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Tu falas como a minha mãe disse ele, pousando-lhe na fronte um beijo suave mas...

E como todas as mulheres da cidade, espero?

Quem sabe? Mas tu, tu és bem uma das nossas e isso torna ainda mais penosa a ideia da nossa separação... É difícil dizer-te adeus, Fiora...

Por um momento, permaneceram ambos face a face, presos apenas pelo olhar.

Também é difícil dizer-te adeus, Lourenço... Se bem que nunca se deve dizer adeus...

O barulho suave dos pés de Demétrios, recuando na direcção da casa, não quebrou o sortilégio que os mantinha cativos, nem o barulho surdo da porta ao fechar-se. O grego levara consigo a lâmpada de óleo e o casal ficou só na escuridão da noite, no meio de um mundo adormecido que os envolvia com os seus sussurros, a sua brisa doce e os seus aromas. Fiora estendeu a mão e tocou no ombro de Lourenço:

Só há uma maneira de nos separarmos, se queremos suavizar a amargura que sentimos sussurrou ela. É unírmo-nos uma última vez...

Ela sentiu-o estremecer, mas ele deu um passo à retaguarda:

Eu não te vim pedir caridade grunhiu ele. Tu já não és uma mulher livre...

Eu sei...

Algures, no norte, está um homem que te ama... e que tu amas.

Eu sei.

Se te entregares a mim, agora, serás culpada de adultério, tal como eu.

Também sei isso, mas, tal como na primeira noite, ofereço-me a ti porque quero. Se calhar, nunca mais te vejo, Lourenço, por isso esta noite só pode ser tua. Se o desejas, evidentemente...

Ainda perguntas?

Lourenço pegou-lhe na mão, virou-a para lhe beijar a palma e depois, sem a largar, conduziu Fiora através do jardim até à gruta dos seus amores. A luz que vinha das estrelas e que dava ao céu um tom azul-leitoso iluminou o seu caminho através do dédalo das alamedas e curtas escadarias que ligavam os terraços. Diante da soleira do seu refúgio detiveram-se e, num único movimento, abraçaram-se sob um enorme tufo de jasmim que fazia cair sobre eles o seu perfume e as suas pequenas flores brancas.

O céu está tão belo, esta noite! murmurou Lourenço contra a boca de Fiora. Só o quero a ele por cima de nós...

Ambos se despiram e, nus, deixaram-se cair sobre um tapete de erva ainda verde, que abrigava um maciço de grandes peónias claras.

O canto do primeiro galo afastou Lourenço. Com uma paixão desesperada, ele apertou Fiora contra si uma última vez e deu-lhe um longo beijo:

Deus te guarde, meu amor!...

Era a primeira vez que ele dizia aquela palavra e Fiora, perturbada, quis retê-lo, mas Lourenço já tinha partido. A sua longa silhueta escura, parecida com a de uma fera, corria na direcção da gruta para ali recolher as suas roupas. Incapaz de se mexer, Fiora, com os braços em redor dos joelhos, viu-o desaparecer na ligeira bruma que subia do vale. Algo se enovelou na sua garganta e ela desatou a soluçar. A jovem tinha a impressão horrível de que a felicidade de rever em breve Philippe sofrera uma fenda... e que lhe seria difícil esquecer Lourenço, admitindo que isso fosse possível...

No entanto, uma coisa era certa: mesmo que o Magnífico não fosse obrigado a sacrificar-se para a tranquilidade de Florença, nunca mais o veria. Mesmo que, como ela dissera, nunca se deva dizer ”adeus”.

Foi o que ela quis explicar a Demétrios quando o encontrou um instante mais tarde, na soleira da casa onde ele a esperava, passeando de um lado para o outro no chão de cascalho, as mãos no fundo das suas grandes mangas. Ele fê-la deter-se:

Não deves desculpas a ninguém, Fiora! A ninguém!

Não me condenas?

A que título? Não tenho o direito, nem quero.

Ele vai, talvez, morrer, sabes?

Não vai nada morrer. Florença não o deixará partir e vai bater-se por ele. Quanto a ti, acabo de to dizer, não te escondas por trás de desculpas e cessa de mentir a ti própria. Tu desejáva-lo, tal como ele te desejava... e tanto melhor se deixares aqui um pouco do teu coração. Talvez, um dia, venhas cá buscá-lo.

Demétrios tinha razão. De regresso por volta do meio-dia, Esteban trouxe notícias consigo. A Senhoria, por unanimidade, ia responder ao Papa, dizendo-lhe que não recebia da Santa Sé ordens de carácter temporal. Lourenço não cometera qualquer falta, e o povo amava-o. Estava-lhe reconhecido por ele o ter defendido contra aqueles que procuravam tirar-lhe as suas liberdades... Quanto ao clérigo toscano, com os prelados à cabeça, afirmava a sua intenção, caso a interdição fosse lançada, de recusar aplicá-la e de reclamar a convocação de um concílio geral.

Melhor ainda. Fora oferecido um corpo de guarda a Lourenço, um corpo que o seguiria para toda a parte e Savaglio marcharia à sua frente, de espada nua, porque se sabia de que armadilhas era capaz o ódio de Sisto IV. Quanto à guerra, todos começavam, já, a preparar-se e o ouro afluía para comprar tropas tão numerosas quanto possível.

Eu não vou poder fazer nada, já que me vou embora...

Rezarás por nós disse Chiara, que aparecera com Colomba para uma derradeira visita, já que Fiora não regressaria à cidade. Assim o decidira Lourenço no decurso da sua última noite, a fim de evitar que ela fosse apanhada pela turbulência do povo.

Eu não tenho o hábito de rezar, sabes?

Léonarde ensina-te: ela fá-lo muito bem. Vou ter saudades tuas. Tive a impressão de regressar aos dias de antigamente!

Por que olhar para trás? Nós somos jovens e temos, espero, muitos anos diante de nós. Talvez possas ir ver-me a França? É um país magnífico, diferente deste, claro, mas tu gostarias de o conhecer. Além disso, terias enorme sucesso!

Não digo que não. Mas, primeiro, tenho de convencer o tio Lodovico sobre o interesse das borboletas francesas!

De braço dado e seguidas por Colomba, que fungava para o seu lenço, as duas jovens seguiam pela longa alameda de ciprestes que ia dar à inlla e que a dissimulava, ao mesmo tempo, de olhares estranhos. Um criado levava, pela rédea, as mulas das visitantes. Subitamente, Fiora viu uma pedra caída na erva, que vinha, sem dúvida, do alto do muro que sublinhava a dupla fila de árvores de um verde quase negro. A jovem pegou nela e, de repente sonhadora, segurou-a na concha da mão por um instante:

Lembras-te do que te disse na manhã de São João?

A pedra arrancada?

Sim. Sabes, eu pensava que ela tinha retomado o seu lugar no muro a que pertencia. Mas estava enganada. Esta pedra é um sinal...

Não. Repara! O lugar dela está marcado... ali! Só tens de a pôr lá.

Não. Ela voltaria a cair. Seria preciso um pouco de argamassa para a fixar e eu não tenho nenhuma. Creio que vou guardá-la e levá-la comigo como recordação.

O seu lugar vai, portanto, ficar vazio, como o teu? Espero que regresseis um dia, uma e outra, para o ocupar.

E Chiara, de lágrimas nos olhos, beijou a amiga, saltou para a sua mula e fugiu como se houvesse um incêndio, perseguida pelos gritos que Colomba lançava sem qualquer cerimónia. Fiora ficou só no fim da alameda.

Assim, os laços que a ligavam à sua querida Florença, uns menores, outros maiores, cediam um após outro, sem que ela pudesse saber se voltariam a unir-se um dia. Tivera de renunciar a regressar ao túmulo do seu pai e essa decisão fora-lhe penosa, mas Chiara prometera-lhe ir lá rezar todas as semanas em seu nome. No entanto, o mais duro foi, na manhã da partida, a última separação, o adeus à casa e àqueles que nela iam ficar.

A partida teve lugar no décimo quarto dia do mês de Julho, dia de São Boaventura, doutor da Igreja e companheiro de Francisco de Assis. Para celebrar a ocasião foi rezada uma missa no pequeno convento franciscano de Fiesole onde, numa noite de Inverno, Philippe de Selongey e Fiora se tinham unido. Esta, antes de se fazer ao caminho, o caminho que a levaria ao seu marido, queria ouvir missa por uma razão que lhe era obscura, mas parecia-lhe que, assim, renovaria, no local do primeiro juramento, os laços que acreditava quebrados pela morte. De manhã cedo, quando o dia nascia, ela ajoelhou-se perante o tribunal da Penitência, na sombra fria da capela, para ali lavar o seu pecado carnal. A jovem desejava sinceramente apagá-lo da sua alma, sabendo ao mesmo tempo que não sentia arrependimento e que a sua contrição não passava de uma fachada. No entanto, as palavras sagradas da absolvição agiram no seu espírito como ela esperava e restituíram-lhe o bem-estar. A amante de Lourenço deu lugar à condessa de Selongey e foi em passo firme que se juntou a Douglas Mortimer, que a esperava na villa com os três homens que constituiriam a sua escolta.