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O Rei mandou-me ter convosco, donna Fiora explicou ele e enquanto esperava que acordásseis, a dama Péronnelle deu-me com que aguardar com paciência.

Fez muito bem e eu vou fazer-vos companhia. Tenho fome e esse patê cheira tão bem... Mas, por que razão o nosso sire vos enviou logo de manhã? Trazeis alguma mensagem importante?

Sim e não. O Rei convida-vos para jantar esta noite, mas eu sou um madrugador, que gosta muito de organizar o seu dia logo que abre os olhos. Além disso, a ideia de vir passar um momento na vossa cozinha não é nada desagradável concluiu ele com bom humor.

O Rei dá-me uma grande honra disse Fiora puxando a terrina para ela. Mas estarão presentes outros convidados e eu gostaria de falar a sós com ele.

Também ele. É por isso que quer que estejais lá por volta das quatro horas, a hora do seu passeio a pé, ou a cavalo. Hoje será a pé. Podereis dar a volta à horta, ou ao pomar, ou visitar as cavalariças e a montaria...

À hora mencionada, Fiora, escoltada por Florent, muito orgulhoso por reencontrar o seu papel de cavaleiro de honra, penetrou no pátio de Plessis e pôs pé em terra perto do velho poço. A sua toilette levantara-lhe alguns problemas. Ela sabia como o seu real anfitrião apreciava a simplicidade, sobretudo se iam caminhar pelos campos, mas, por outro lado, ele gostava que se respeitasse um certo decoro e, portanto, um certo requinte quando se tinha a honra de se ser aceite no seu séquito particular. Assim, após muita reflexão, Fiora optara, com a aprovação de Léonarde, por um vestido de seda sem reflexos, com desenhos negros e brancos e com uma estreita fita verde sob os seios. Uma pequena coifa, da mesma cor de folha jovem e nublada por uma musselina branca engomada, tapava-lhe a cabeça. Uma única jóia lhe sublinhava o decote: a quimera de ouro com olhos de esmeralda que usara na noite do seu casamento com Philippe e que Léonarde conseguira salvar do saque do palácio Beltrami.

A jovem nem teve tempo de chegar à porta do castelo: o Rei vinha a sair. Ao vê-la, ele teve uma exclamação de alegria e aproximou-se dela em passo vivo, ao mesmo tempo que ela dobrava profundamente o joelho para o saudar e dissimular, com aquele gesto de respeito, a vontade de rir que sentia. Luís XI, com efeito, vestido, como era seu hábito, com uma curta túnica cinzenta que lhe chegava aos joelhos e apertada por um cinto de couro, tinha na cabeça a cobertura mais espantosa que Fiora alguma vez vira. Era, enfiada sobre o gorro de seda vermelha que lhe cobria as orelhas reais, uma espécie de chapéu cardinalício negro, cujas abas, muito largas e de um dedo de espessura, lhe cobriam por completo os ombros e o enchiam de sombra. Com a cabeça tapada daquela maneira, a sua semelhança com um cogumelo era irresistível e o sorriso que Fiora lhe ofereceu brilhava de tanta graça que ele não se deixou enganar.

É o meu chapéu que vos diverte, donna Fiora? Bem, ficais a saber que gosto muito dele, porque, quando está calor, vale uma pequena casa e, quando chove, tapa-me melhor do que os meus chapéus habituais, que se transformam em goteiras... Foi uma ideia que tirei ao bispo de Valência.

Por minha fé, Sire, foi uma boa ideia. Lamento, apenas, que o costume não permita que nós, as mulheres, possamos usar semelhantes adereços.

Poderíeis, se fôsseis abadessa. Mas, a sério, ninguém vos impede de lançar a moda! Uma mulher bonita não pode ter algumas fantasias?

Fiora não teve oportunidade de responder. Escapando das mãos de um pajem, um grande galgo branco aproximou-se e começou a saltar em redor do Rei antes de se encostar às suas pernas e de erguer para ele a sua fina cabeça. Mesmo sem a rica coleira com pregos de ouro e pedras preciosas, Fiora teria reconhecido o cão favorito de Luís, seu auxiliar numa circunstância particularmente dramática. O Rei desatou a rir:

Ah, Cher Ami! Queres ir passear connosco? Mas, nós só vamos até ao jardim, sabes? Terás de nos seguir com muito juízo. Não podes estragar os canteiros. Lembrais-vos dele, donna Fiora?

Perfeitamente, Sire respondeu ela, acariciando o dorso sedoso do animal. Não se esquece facilmente um companheiro de armas... sobretudo um tão belo como ele.

É verdade. Fizestes, ambos, um bom trabalho contra aquele monge vilão. Sabíeis que ele morreu?

Sabia, Sire, foi de doença?

Por minha fé, não. Creio que morreu de cólera. Ficou furioso e partiu a cabeça nas barras da cela. Foi enterrado com dignidade e rezaram-se três missas pelo descanso da sua alma malvada.

Tendo dito aquilo, Luís XI benzeu-se devotamente, deu uma guloseima a Cher Ami e retomou o seu caminho. Em frente da residência, nenhum muro, ou parede, escondia a vista. Uma simples barreira, que o próprio Rei empurrou, dava acesso aos jardins e ao pomar.

Seguindo-o ao longo das alamedas de saibro, Fiora pensou que o jardineiro do castelo era uma espécie de artista. Os seus canteiros ornamentais, ou os da horta, delimitados por buxo e aparados com grande rigor, apresentavam formas variadas.

Quanto às plantas que os compunham, tinham sido escolhidas pelas suas cores. E se, no jardim ornamental, as rosas e as flores-de-lis reinavam como rainhas, na horta os legumes e as ervas aromáticas estavam alinhados segundo as suas tonalidades, de maneira a oferecer um conjunto agradável à vista. A irrigação era perfeita porque o jardim recebia a água da fonte de Garre, ela própria ligada ao castelo por tubos de chumbo ou de barro. Alguns jardineiros estavam a trabalhar e Fiora reconheceu o seu Florent em conversa com um deles. A chegada do Rei não interrompeu os trabalhos. À sua aproximação, todos tiraram os gorros para o saudar e continuaram, depois. Luís XI parava frequentemente junto de alguns daqueles homens, escolhidos pelas suas qualidades e de quem ele gostava, para lhes dirigir algumas palavras ou algum reparo, sempre amável e sempre pertinente. Ao ponto de Fiora perguntar a si própria o que fazia ali: o seu companheiro parecia ter-se esquecido dela por completo. Enquanto ia de um jardineiro a outro, falava, sobretudo, com o seu cão...

Por fim, transpuseram a barreira de um grande pomar cujas ameixeiras se abatiam, literalmente, sob os seus frutos de cores diversas. Luís XI colheu alguns, partilhou-os com Fiora e depois, cuspindo os caroços, apontou para um banco de pedra colocado por baixo de uma cerejeira. A colheita há muito que fora feita, mas, cheia de folhas, a árvore proporcionava uma sombra fresca. Luís instalou-se no banco, fez sinal à sua visitante para que ocupasse o lugar a seu lado, tirou o seu grande chapéu que deixou cair sobre a erva e suspirou:

Ora, portanto, Madame de Selongey, falai-me um pouco do que se passa em Roma e do que lá fizestes!

Não fiz grande coisa, Sire. Estive, sobretudo, ocupada a preservar a minha vida.

Sem dúvida, sem dúvida! Mas é do Papa que gostaria que me falásseis. Viste-lo de perto, o que não é o meu caso. Fazei-me dele o melhor retrato que puderdes!

Fiora fez o melhor que soube, sobretudo para se manter objectiva, o que não era fácil porque, conhecendo os sentimentos

Um arranjo que foi, mais tarde, retomado e melhorado no castelo de Gaillon e, sobretudo, no castelo de Villandry, que se chamava, então, Coulombières cristãos do seu companheiro, não queria indispô-lo, mostrando-lhe a que ponto detestava o pontífice. Era impossível omitir as exigências, a brutalidade e a insaciável avidez de Sisto IV, mas quando a jovem sentiu que se estava a deixar levar pelo sentimento, deteve-se, desviando mesmo o olhar para evitar que aquele olhar agudo o procurasse.

Não vejo que mais possa dizer a Vossa Majestade concluiu ela, inclinando-se para colher uma haste de hortelã que se pôs a mascar.

Luís XI deixou que o silêncio caísse, por um momento, entre os dois. Só se ouviam as aves...

Mortimer foi mais falador do que vós, minha querida disse o Rei com um suspiro. Por que não me falais desse casamento incrível a que vos forçaram?