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Seja! Eu espero, querida Léonarde, mas não muito!

Que ides fazer, então?

Creio que, primeiro... vou a Selongey. Talvez Philippe ande por lá escondido sem que a gente do Rei saiba. Depois, se ele não estiver lá...vou ver a duquesa Maria. Não creio que os espiões do Rei tenham tido a possibilidade de lhe fazer quaisquer perguntas. Mas eu sou a mulher de Philippe e ela responder-me-á.

Por outras palavras, o Rei não vos convenceu?

Da profundidade das suas buscas? É evidente que não! Além disso, tendes de admitir que eu, como mulher dele, tenho mais hipóteses de o fazer sair do seu esconderijo...

Léonarde contentou-se em resmungar algo que, em rigor, podia passar por aprovação. A solteirona voltara a tirar da algibeira do avental a pêra e esforçava-se por ferrar nela os dentes.

Como a operação se revelasse tão dolorosa como da primeira vez, atirou, com um gesto de rancor, o fruto para as chamas da chaminé, de onde subiu um fino odor a pêra cozida e a caramelo. Enquanto isso, a cozinha enchia-se de barulho e alegria. Péronnelle, Khatoun e Florent regressavam do mercado.

Nesse mesmo dia, de tarde, quando Fiora se dispunha a fazer uma visita ao priorado de Saint-Côme com o filho, Léonarde e Khatoun, a alameda de velhos carvalhos encheu-se com um bando de cavaleiros escoltando uma liteira que ela reconheceu de imediato, mas sem qualquer prazer. Que ia fazer a sua casa o cardeal della Rovere?

Mas, já que estava ali, era conveniente acolhê-lo cordialmente. Assim, devolvendo o bebé aos braços carinhosos de Khatoun, Fiora avançou para o pesado veículo que descrevia no cascalho uma curva plena de majestade antes de se deter diante da entrada da casa. A jovem ajoelhou-se quando o prelado pôs pé em terra e beijou-lhe a safira que ele lhe estendia.

A minha modesta casa sente-se muito honrada, monsenhor, por receber Vossa Eminência!

A casa é encantadora e eu venho apenas como vizinho. Portanto, deixemos o protocolo de lado e dizei apenas monsenhor disse ele com toda a simplicidade.

Subitamente, ele viu as mulas ajaezadas, junto das quais estava Florent:

Estou a incomodar-vos, talvez? Ides sair?

Estávamos, somente, a pensar ir ao priorado cujo campanário vedes além, monsenhor. Mas como a Igreja vem ter connosco... Dai-vos ao cuidado de entrar.

Enquanto Fiora precedia o hóspede inesperado na grande sala, Péronnelle preparava, uma merenda para o cardeal, ao mesmo tempo que o seu marido instalava a escolta à sombra do pequeno bosque e anunciava que lhe ia dar de beber. Coisa que foi acolhida com satisfação.

Segundo o convite da sua anfitriã, della Rovere instalou-se a um canto da chaminé, na qual, tanto no Inverno, como no Verão, salvo em tempos de canícula, Péronnelle tinha sempre um fogo com alguns ramos de pinheiro para lutar contra a humidade habitual das casas construídas perto do Loire. Mas as janelas completamente abertas deixavam ver o jardim florido, do qual um prolongamento, sob a forma de um grande ramo de flores-de-lis e de rosas misturadas com folhagem, coroava uma credência e perfumava a sala.

Os olhos vivos do cardeal já tinham dado a volta à grande divisão, indo da tapeçaria de mil flores aos objectos dispostos em cima dos aparadores, quando acolheu com prazer os sinais de boas-vindas que Fiora lhe oferecia: o vinho fresco de Vouvray e o bolo de amêndoa que Péronnelle sabia fazer como ninguém. Só quando ficaram sós, ele e a sua anfitriã, é que o cardeal se decidiu a falar. Aliás, ele já exprimira esse desejo e Léonarde, com grande pena, foi obrigada a retirar-se, tal como os outros.

Após a sua partida, seguiu-se um silêncio. O cardeal mirava, através do vinho pálido da sua taça, os reflexos do fogo moribundo e Fiora saboreava o líquido agradável sem dizer nada, esperando que o seu visitante falasse. Este não parecia apressado, mas, subitamente, interrogou-a:

Pensastes no que vos disse na outra noite, donna Fiora?

Vós quisestes pronunciar, a meu respeito, algumas palavras lisonjeiras, monsenhor, e eu não seria capaz de as esquecer.

Sem dúvida, sem dúvida, mas não foram mais do que um preâmbulo e também vos disse que, em minha opinião, nós os dois poderíamos fazer um bom trabalho.

Lembro-me, com efeito, mas confesso que não compreendi bem o que entendia Vossa Eminência com essas palavras.

Entendia... e entendo ainda, que podíamos juntar os nossos esforços para que possamos ser úteis, vós à vossa cidade natal e eu aos interesses da Igreja.

Um papel interessante, não duvido, mas como o desempenharia eu?

O Rei Luís escuta-vos e tendes a sua amizade. A paz entre os povos é um objectivo digno de ser perseguido e podíeis incitar aquele homem difícil a ter mais respeito, mais compreensão para com Sua Santidade, que ele trata muito mal.

Muito menos mal, parece-me, do que o modo como o Papa trata Florença. As suas ideias políticas parecem muito claras, mesmo para uma ignorante como eu: ele pretende acabar, pela guerra, a obra que os seus espadachins iniciaram. Não imaginais que eu o ajudaria a destruir a cidade da minha infância?

Destruir? Nunca! O Santo Padre não quer qualquer mal a Florença e ainda menos à sua população. Aquela... desgraçada conspiração urdida pelos Pazzi exilados...

Talvez eles não a tivessem podido urdir, monsenhor, sem a ajuda benevolente do vosso primo, o conde Riario. De qualquer maneira, entre o Papa e os Médícis está o sangue derramado de Giuliano durante a missa do Domingo de Páscoa!

Os Pazzi foram exterminados até ao último. Mais de duzentas pessoas, segundo parece? Uma tal quantidade de gente não é suficiente para lavar o sangue desse jovem? Seria o caso, talvez, se o Papa não tivesse apelado à guerra santa, não tivesse excomungado Florença e não a tivesse atingido, até, com a interdição. Monsenhor Lourenço limita-se a defender-se.

Ele defende-se, de facto... com desprezo pelo bem-estar de um povo que pretende amar. No fim de contas, ele não é príncipe por direito divino.

Se ele não se sacrifica, é porque esse mesmo povo não deixa. Os Florentinos amam Lourenço de Médícis e estão prontos a morrer por ele.

Todos? Não juraria. Mas, em vez dele, a cidade da flor-de-lis vermelha podia ter uma princesa agradável, letrada, brilhante... e de quem vós gostais, creio?

Uma princesa? Quem?

A condessa Catarina. Ela não é vossa amiga?

Sinto por ela, de facto, muita amizade e respeito.

Então, talvez a pudésseis ajudar?

Fiora olhou para o seu visitante com um estupor sincero, fortemente mesclado de desconfiança. No entanto, não conseguiu ler naquele rosto arrogante e naqueles olhos escuros profundamente cavados nas órbitas senão uma grande tristeza.

Ela reina sobre Roma e sobre o Papa. De que ajuda necessitaria ela?

Talvez da vossa, justamente. Tentai compreender-me, donna Fiora! Eu tenho muita estima e consideração por Catarina e não gosto de a saber infeliz.

Ela é infeliz?

Mais do que possais imaginar e por vossa causa.

Por minha causa?

Com muita simplicidade, o cardeal foi encher de novo a sua taça de vinho e depois, puxando a sua cadeira para junto da da sua anfitriã, sentou-se:

Roma transborda de espiões, Madonna, e sabe-se tudo. Riario não ignora que a sua mulher vos ajudou a fugir para Florença. Daí a imaginar que estáveis encarregue de prevenir os Médicis do que se tramava contra eles...

Sem querer ofender a vossa família, monsenhor, o vosso primo é demasiado denso para conseguir imaginar uma coisa dessas!

É um rústico, admito perfeitamente, mas é manhoso, retorcido, até e, sobretudo, não ignora que a mulher não o ama. Ela vive horas pouco agradáveis, mas poderiam ser bem piores sem a protecção do Santo Padre. Este, felizmente, continua a ter muita afeição por ela.