Выбрать главу

Khatoun pensou ter a solução.

Com tudo o que sofreste em Itália disse ela a Fiora foi um milagre não teres sido violada cem vezes...

É isso! exclamou Léonarde, triunfante. Durante aquele tumulto em Florença, durante aquela loucura que se apoderou da cidade, tu foste sequestrada por um homem que te cobiçava e te obrigou a sujeitares-te...

Fiora não estava de acordo:

Como se não soubésseis a que velocidade voam as línguas! Eu estive ausente quase um ano e parti de novo há mais de três semanas. Assim que as pessoas souberem que estou grávida, dizem que o filho é de Douglas Mortimer... Não vos esqueçais que foi na sua companhia que eu vim de Itália e eu tenho-lhe muita amizade para o deixar suportar o peso dessa acusação. Philippe desafiá-lo-ia imediatamente para um combate... e a sua morte, ou a do meu marido, ficariam na minha consciência.

Nesse caso, que propondes? perguntou Léonarde, desencorajada.

Partir antes do Inverno, ir para Paris com o pretexto de velar pelos meus interesses e tomar lá certas decisões com Agnolo Nardi. Uma vez em Paris, posso ficar doente. Os Invernos, lá, são duros...

E se messire Philippe chega?

Bem... dir-lhe-ão onde estou e seja o que Deus quiser. Entretanto, gostaria que alguém me fosse lá prevenir rapidamente. Florent, por exemplo, se aproveitou bem as lições do seu professor escocês...

Oh, muito bem exclamou Khatoun, visivelmente fascinada ele monta como um verdadeiro cavaleiro. Mas as pessoas daqui não vão achar estranha essa nova viagem? Para uma mulher que esteve tanto tempo fora...

Ainda acharão mais estranho se me virem inchar a barriga. Fico aqui um mês e depois vou para Paris. Tendes alguma coisa a acrescentar?

Nada disse Léonarde. Senão que tudo me parece bem combinado... salvo, talvez, uma pequenina coisa:

Qual?

Eu vou convosco. Está fora de questão deixar-vos ir sozinha! Além disso, acho que precisareis, mais do que nunca, de uma pessoa respeitável junto de vós. E eu? perguntou Khatoun com uma tristeza que irritou Fiora. Eu vou ficar aqui?

Pensava que o meu Philippe era suficiente para te encher os dias? Não te queres ocupar dele? perguntou Fiora com uma certa rudeza. Eu não posso levar toda a gente para assistir ao que vai acontecer em Abril. E é normal que Léonarde me acompanhe.

Tal como no tempo em que era escrava, Khatoun ajoelhou-se e prostrou-se a seus pés:

Perdoa-me! Cometi uma falta grave que te deixou embaraçada e não tenho o direito de reclamar a tua indulgência. Mas tu sabes a que ponto te sou dedicada...

Eu sei disse Fiora mais docemente e levantando-a mas tens de compreender que me é impossível levar meia dúzia de pessoas para casa dos Nardi. Oficialmente, parto em negócios e, nesse caso, não posso levar a casa toda comigo. Se não queres ficar com o meu filho, eu mando chamar Marcelline... mas não te posso levar.

Khatoun ergueu para ela os olhos rasos de água:

Tens razão, claro. Mas, gostava tanto de conhecer o bebé que vai nascer!

Pronto! disse Léonarde. A paixão dela por bebés arrisca-se a arranjar-nos ainda mais sarilhos! Não podes, minha maluca, contentar-te com Philippe?

É que suspirou a jovem tártara ele já é um rapazinho e não é fácil vigiá-lo. Ao passo que um pequenino...

Fiora segurou Khatoun pelos ombros e obrigou-a a fixá-la nos olhos.

Mete isto na cabeça! Não pode haver outra criança, senão é inútil a minha partida! Tens de a esquecer, deixar de pensar nisso! Compreendes? Se tudo acontecer como eu espero, nunca a verás.

Nunca?

Nunca. Porque terei de escolher entre ela e o meu marido e eu nunca renunciarei a Philippe. Portanto, se és incapaz de desempenhar o papel que te destino, diz-me imediatamente!

Que fazes?

Mando-te para junto de serDemétrios. Regressas para a villa de Fiesole e Péronnelle fica com o meu filho. Aliás, talvez fosse a melhor solução. Tu, agora, és livre, livre de te casares e teres filhos teus. Queres regressar a Florença?

Qualquer coisa que se parecia com pavor passou pelos olhos negros da jovem tártara.

Não! Não! Eu não te quero deixar! Eu fico aqui, não tenhas medo. Mas, por piedade, não fiques fora muito tempo!

Há-de ser sempre uma criança! suspirou Léonarde um momento mais tarde. A vida estragou-a, não a preparou para a adversidade...

Não exageremos! Ela passou por momentos difíceis.

Mas passageiros. A sorte acompanha-a desde que nasceu sem que ela se dê conta. Dezasseis anos no palácio Beltrami e depois, de lá, quase directamente para os braços de um marido que a amava. Depois da morte dele, foi vendida, é verdade, mas a quem? A uma grande dama que lhe restituiu, pouco a pouco, a existência a que estava habituada em nossa casa, após o que vos encontrou e regressou para aqui connosco. Para aqui, onde Péronnelle a estraga e mima como se fosse sua filha e onde ela leva uma vida familiar. Compreendestes? Como o nosso Philippe, com quem, segundo vós, ela sonhava, lhe parece agora um pouco difícil, quer outro bebé. Bebés pequeninos e gatinhos, eis o que lhe convém! Ela é capaz de perder a cabeça com essa criança que está para vir e deitar por terra toda a nossa combinação.

Nesse caso, que propondes? Não vou matá-la?

É evidente que não, mas, se estiverdes de acordo, penso inspirar-lhe terror suficiente para que mantenha a língua quieta e aconselho-vos a que digais o mesmo que eu.

Se ela disser uma palavra que seja, volta para Florença, foi o que lhe disse.

Mas não perdeis nada em lho repetir. É preciso que ela fique convencida de que, se falar, será expulsa. Já andam dois ou três rapazes em volta dela e isso não lhe desagrada nada. Basta que um deles a seduza e só Deus sabe o que ela lhe poderá dizer com a cabeça na almofada! A rapariga tem mais temperamento do que imaginais.

Fiora não revelou o que sabia sobre aquele assunto. Recordou Khatoun em casa de Pippa, de joelhos no chão, contorcendo-se sob as carícias da alcoviteira, Khatoun que, na noite seguinte, seguira o homem ao qual a haviam levado porque ele soubera fazer amor com ela. Tudo aquilo não era muito tranquilizador, mas que haviam de fazer?

Nada concluiu Léonarde senão dizer a Étienne e a Florent que a vigiem de perto. O que ela sabe tem demasiadas consequências para que o deixemos à mercê de uma noite de amor.

Fiora não respondeu. Ela gostava muito de Khatoun e tinha inteira confiança nela, uma confiança de que nunca se arrependera, antes pelo contrário. Mas Léonarde conhecia-a quase tão bem e, além disso, possuía uma sabedoria nascida da experiência e sabia que tudo o que era humano tinha limites.

Porém, Léonarde ignorava o que se passava, à noite, na Casa das Pervincas. Depois de ter deitado o pequeno Philippe, Khatoun recusou-se a jantar, alegando que sentia o coração sujo. Sem se deitar, a jovem verteu grossas lágrimas em cima do leito até que, na casa, se deixou de ouvir o menor ruído... Então, a jovem levantou-se, tirou o vestido ficando apenas em camisa e, sem voltar a acender a vela, saiu do seu quarto. Tal como os gatos, era capaz de andar de noite, às escuras.

Subindo as escadas descalça, a jovem atingiu o segundo andar e o quarto na mansarda onde dormia Florent. Uma luz

1 Ver Fiora elourenço, o Magnífico.

amarela filtrava-se pela porta, mas, ao abri-la, Khatoun viu que o jovem adormecera a ler um livro que lhe caíra sobre o nariz. Ela aproximou-se suavemente, retirou o livro com infinitos cuidados, tirou a camisa e ficou ali um instante a contemplar o adormecido. Com ar feliz, ele sorria a sonhar, o que fez com que Khatoun tomasse consciência da sua desolação.

Desatando em novos soluços, ela puxou os cobertores num gesto raivoso e atirou-se contra o corpo nu do rapaz, que abraçou com os braços e as pernas, cobrindo-lhe o pescoço e o queixo com beijos frenéticos. Tendo acordado em sobressalto com aquele assalto, Florent olhou com estupor para a sua assaltante enquanto tentava, frouxamente, verdade seja dita, libertar-se: