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Junto do Rei estava um homem, inclinado para ele para poder ouvir qualquer das suas palavras e Fiora, ao vê-lo, estremeceu. Só vira uma vez aquele rosto de fuinha, aqueles cabelos ralos cortados curtos e aqueles olhos glaucos, mas reconheceu logo o seu proprietário como o homem que, sem que ela lhe tivesse feito qualquer mal, era seu inimigo jurado, aquele que mandara assassiná-la na floresta de Loches. Era Olivier le Daim, barbeiro e confidente do Rei, pelo menos tanto quanto o pode ser um homem que, todos os dias, passeia uma navalha de barba pela garganta de outro. Uma coisa parecia certa: tinha os favores do Rei e Fiora, por mais que quisesse, não o podia acusar abertamente.

Para não ver mais aquele olhar amargo como fel deslizando sobre ela sob as pálpebras descaídas, ela saudou profundamente, esperando que o Rei a libertasse da sua reverência. O que ele fez sem tardar:

Aproximai-vos, Madame de Selongey! Temos de falar, vós e eu! Deixa-nos, Olivier!

O barbeiro sorriu de má vontade, enquanto Fiora avançava para a chaminé e para a cadeira que lhe era indicada. A jovem juraria que o outro ficaria à escuta por trás da porta. No entanto, decidiu não pensar mais nele e sentou-se sem dizer nada, porque cabia ao Rei falar em primeiro lugar. Como ele não parecia apressado, ela examinou-o discretamente e achou-o com má cara. O longo nariz pontiagudo parecia mais adelgaçado e o pesado rosto, de mandíbulas carnívoras, feito de pergaminho amarelecido, ao mesmo tempo que um tique nervoso lhe contraía por instantes a boca de linhas desdenhosas.

Sabendo que ele sofria de má circulação e de dolorosas hemorróidas, ela pensou que uma crise, talvez, explicaria a contracção do seu rosto. E teve a certeza quando, mexendo-se nas almofadas, ele não conseguiu evitar um breve gemido logo seguido de um movimento de cólera e de uma pergunta:

Pelos Céus! Onde está ele, esse animal?

Quem, Sire?

Aquele médico bizantino... Como se chamava ele? Ah sim: Lascaris! Demétrios Lascaris! Vós éreis muito amigos, creio?

De facto, Sire.

Nesse caso, devíeis saber onde está! Não compreendi porque não voltou para o pé de mim depois da queda de Nancy. A sua vingança estava completa com a morte do duque Carlos e o jovem Renato de Lorena não precisava dele. Então? O meu serviço não lhe convinha?

O Rei não pensa isso, certamente, porque Demétrios gostava de o servir, mas uma... desavença instalou-se entre nós e ele preferiu regressar a Florença. Onde se encontra ainda.

E eu, no meio disso tudo?

Ele pensava seriamente que o Rei não precisava mais dele. É um homem muito modesto...

Ele? troçou Luís XI. Ele é tão orgulhoso como um pavão. Em todo o caso, não devia agir dessa maneira. Eu é que sofro, não é ele. Já que sabeis onde ele está, escrevei-lhe a dizer que venha! A carta será levada por um dos meus cavaleiros postais...

Sire, eu pedi-lhe que viesse comigo, mas ele envelheceu e receia as longas viagens. Talvez porque percorreu demasiado o mundo. Além disso, o Inverno está a chegar. Na sua idade...

Pois! O Rei de França, esse, pode sofrer a morte e o martírio enquanto ele está repimpado ao sol. Bem, escrevei-lhe a dizer que me mande a sua pomada milagrosa! Eu mando-o vir na Primavera. E agora falemos de vós! Fostes cabriolar com o mulo do meu escocês?

O Rei pensa verdadeiramente que cabriolar é a palavra apropriada? Nós fizemos uma viagem longa e fatigante e...

Bom, bom! Retiro o cabriolar. Desculpai-me, donna Fiora! Estou de muito mau humor!

Como que falando para si mesmo, ele explicou então que, como existia uma trégua entre o casal Maria de Borgonha Maximiliano de Áustria e ele próprio, o Rei Eduardo de Inglaterra, tão perfeitamente ridicularizado, mas pago, em Picquigny, queria aplicar uma das cláusulas do tratado: o casamento entre o delfim e a sua filha Isabel.

Aquele rato quer-nos mandar a filha para concluir o casamento e receber as sessenta mil libras que eu devo pagar por ano pela mão dessa princesa... que eu não quero. Safa, uma inglesa no trono de França! Além disso, o meu filho, aos oito anos, é demasiado jovem para se casar. Tenho de arranjar um meio de manter Eduardo tranquilo.

E... o Rei encontrou esse meio?

O tempo! Nada mais do que o tempo! Além disso, tenho em Londres um embaixador, Marigny, que é um homem muito hábil. Vai ser o diabo se entre os dois não conseguirmos deter Eduardo. Ainda por cima porque ele casou com uma rapariga da pequena nobreza e o seu trono, cobiçado pelo seu irmão Gloucester, não é tão sólido como se pensa... Mas, como acabámos nós a falar de política? Estávamos, creio, a falar da vossa temeridade em Villeneuve-Saint-André! Parece, portanto, que o conde de Selongey, depois de ter fugido do castelo de Pierre-Scize, encontrou asilo no convento do Val-de-Bénédiction?

Sim, Sire. Mortimer deve ter-vo-lo dito!

De facto. Terá ele aproveitado uma peregrinação para escapar aos monges? O que prova, quanto a mim, que ele não perdeu tanto a memória como nós pensamos.

Sire! protestou Fiora, escandalizada. O meu marido, desempenhar um papel desses?

Por que não? Em Villeneuve, que nos pertence, talvez não se sentisse em segurança.

O convento é um lugar de asilo!

Sem dúvida, mas vós sois uma criança e não imaginais quantos lugares de asilo são pouco seguros desde que certos

1 O futuro Ricardo III.

interesses estejam em jogo. O vosso marido é um homem inteligente. Pelo contrário, fico surpreendido por a vossa estadia em Roma vos ter deixado com tanta inocência.

Fiora sentiu-se corar e procurou disfarçar torcendo o pequeno lenço que tirara da manga. O Rei não fazia qualquer alusão ao cardeal della Rovere e parecia ignorar tudo da aventura trágica para que ele a arrastara.

De novo o silêncio, perturbado apenas pelo crepitar do fogo, se estabeleceu entre ambos. Luís XI acariciou a cabeça do seu cão favorito e procurou uma guloseima para um dos épagneuls que, após se ter estirado longamente, se aproximou dele e se deitou a seus pés... Os cães são os melhores, os mais seguros, os mais fiéis amigos que um homem pode ter. Ainda mais um rei suspirou ele. E agora, tendes alguma ideia do sítio para onde poderá ter ido messire de Selongey? Parece que não procurastes muito em redor de Villeneuve!

Achei que era inútil e esperava... ainda espero que ele se lembre, um dia, de que vivo na vizinhança do Rei. A menos que tenha preferido partir para longe.

Virando-se, Luís XI retirou de uma mesa um pouco à retaguarda uma mensagem desdobrada cujo selo quebrado mostrava que já tinha sido lida...

Uma coisa é certa: ele não esteve em Veneza. O doge em pessoa escreveu-nos dizendo que nenhum viajante parecido com ele foi visto na cidade. Quanto aos que se alistaram para combater o Turco nas galeras da Sereníssima, a lista é curta e nenhum desses homens pode ser o conde de Selongey.

Bem! suspirou Fiora. Agradeço ao Rei o trabalho a que se quis dar...

Por Deus, minha querida, ponde de lado essas frases feitas! Estou tão desejoso como vós por pôr a mão nesse tição de revolta, capaz de sublevar de novo a Borgonha que Charles d’Amboise está em vias de pacificar...

O Sire de Craon já não é governador de Dijon?

É um bom servidor, mas é um imbecil e eu preciso de servidores inteligentes. De qualquer maneira, vamos recomeçar as buscas para ver se encontramos o vosso marido...