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A casa compunha-se de uma grande cozinha que servia de sala de todos os dias, de quatro quartos e de um recanto para as provisões. Os móveis eram simples, mas sólidos e bem escolhidos, assim como as tapeçarias que aqueciam os quartos, onde nem sequer faltavam os tapetes. Adivinhava-se a mão de Agnelle na abundância e qualidade da roupa branca e nos objectos usuais. Nada de luxuoso, claro, mas tudo o que era preciso para tornar confortável uma estadia de Inverno...

A menos que haja uma grande enchente acrescentou Florent, que fazia as honras da casa não temos nada a recear por parte do rio. Já aconteceu a água vir até à entrada da cave, mas podemos sempre sair pelas traseiras, porque a casa está situada numa encosta. Achais que ides ficar bem aqui, donna Fiora?

Esta tranquilizou-o com um sorriso.

Muito bem. Aliás, tinha a certeza desde que dame Léonarde esteve aqui. Olhai para ela, Florent, já está em casa.

A vida organizou-se rapidamente, ritmada pelo sino do convento de Saint-Leuffroy, que soava para os serviços religiosos. As duas mulheres tratavam da casa e da cozinha, cosiam, bordavam ou fiavam à noite sob o arco da chaminé que os reunia aos três. Florent, esse, velava pelos trabalhos pesados e pelo abastecimento. Fiora sentia-se nitidamente mais alerta do que durante a sua primeira gravidez e percorria muitas vezes a propriedade. Não se mostrava na aldeia a fim de evitar a curiosidade. Mas, aproveitando o Verão de São Martinho, conseguiu que Florent a levasse com Léonarde até ao topo do monte Valerian para admirar a vista sobre Paris, que tinha muita fama. Parecia-lhe que a contemplação da natureza a ajudava na gestação. Além disso, o monte tornara-se ponto de peregrinação desde que ali vivia um eremita chamado Antoine. Para simbolizar o Calvário, erguera três cruzes de madeira, diante das quais rezava de manhã e à noite.

Para não incomodar o santo homem nas suas orações, Fiora e Léonarde subiram a encosta ao começo da tarde. De facto, não encontraram ninguém e mal aperceberam a cabana feita de ramos que ele construíra na orla do bosque.

Do alto, o panorama era admirável. Paris encerrada nas suas muralhas e cortada pela longa fita cinzenta do Sena, Paris, eriçada das flechas douradas das suas igrejas, parecia-se com uma grande taça de prata engastada de ouro e cobre, porque se estendiam em seu redor imensas florestas avermelhadas pelo Outono. Nessas florestas, a mão do homem talhara clareiras onde cresciam aldeias: Saint-Denis, Courbevoie e Colombes na orla das pradarias de Longchamp; na direcção de Saint-Germain, Vaucresson e Montesson e, na floresta de Montmorency, outros lugarejos: Montmagny, Montlignon, Andilly; e depois, na direcção de Marne, Montreuil, Chennevière e Vincennes, enquanto a sul surgiam os campanários de Arcueil, Sceaux, Fresnes e Villeneuve-le-Roi. Florent, que conhecia bem o local, deu com prazer todas as informações a Fiora e esta admirou o espectáculo sem reservas. No meio daquele mar de árvores avermelhadas, lustrosas, douradas, a capital parecia, sob o Sol tardio, vibrar com uma vida muito própria. Um nevoeiro nacarado elevava-se dela, antes de se dissolver no azul ligeiro do céu. E Fiora, que muitas vezes da sua villa de Fiesole contemplara Florença pensando que nenhuma cidade no mundo se lhe podia igualar em beleza, Fiora, que contemplara Roma cintilando sob o fogo púrpura de um ocaso glorioso, permaneceu admirada e muda perante aquela grande cidade serena e majestosa da qual, no entanto, o seu Rei não gostava.

Porquê? murmurou ela pensando em voz alta sem se dar conta por que é que o Rei Luís vem aqui tão poucas vezes? No entanto, Paris é digna dele...

Sim, mas Paris foi inglesa durante muito tempo e o Rei não consegue esquecer isso disse Léonarde. As recordações estão demasiado próximas e será preciso, talvez, outro reinado, outra geração, para que Paris volte a estar, finalmente, em graça. O Rei toma conta dela: já não é mau... E, num certo sentido, é bom para nós. Não nos arriscamos a dar de caras com ele.

Com a aproximação do Natal, o frio instalou-se, assim como a neve. As noites foram perturbadas pelos uivos dos lobos. Florent e o tio Anicet velavam pelas portas com mais diligência do que nunca. Dizia-se, também, que havia malfeitores que tinham o seu quartel-general na floresta vizinha de Rouvray, mas nenhum ousava aproximar-se da poderosa abadia e das poucas casas abrigadas sob a sua protecção de pedra.

Fiora sentia-se bem fisicamente, mas o aborrecimento começava a tomar conta dela. As notícias de Touraine eram raras.

Léonarde escrevera a Etienne para lhe dizer que Fiora contraíra uma doença que a fazia sofrer muito e que a proibia de empreender, sobretudo no Inverno, a viagem até ao Loire. Só regressaria na Primavera, se tudo corresse bem... Em resposta, trazidas uma vez por Agnelle e outra por Agnolo, receberam umas linhas breves e desajeitadas. O bravo Etienne sabia ler, mas a escrita não era o seu forte. Quanto a Khatoun, a quem Fiora enviara uma pequena carta, não respondeu, o que inquietou a jovem, porque Khatoun sabia ler e escrever na perfeição. Florent, por sua parte, pensou que a jovem tártara estava amuada, mas absteve-se de o dizer, contentando-se em observar que, geralmente, a ausência de notícias significava que tudo ia bem. E como Etienne dizia que o pequeno Philippe crescia como um cogumelo, não havia razão para preocupações.

No entanto, tenho vontade de vos enviar até lá disse-lhe um dia Fiora. Este silêncio não é normal. Sabendo que estou doente, podiam, pelo menos, perguntar por mim!

Quem? Nenhum dos habitantes de la Rabaudière se pode aventurar pelos caminhos com este tempo frio. E o pequeno messire Philippe precisa de toda aquela gente...

Era evidente. No entanto, Fiora não podia deixar de pensar que Douglas Mortimer que, como bom escocês, não temia tempestades nem frio, podia fazer a viagem até Paris... E ela sofria com aquela indiferença. Era como se, ao deixar a casa do Loire, tivesse apagado da paisagem até a sua recordação. E agora tinha tanta pressa de partir que lhe parecia que o bebé nunca mais nascia...

Passado o Ano Novo e o Dia de Reis, os dias pareceram arrastar-se ainda mais miseravelmente. Léonarde sofria de reumatismo e metade das couves que tinham posto de reserva transformaram-se em cataplasmas. O frio, felizmente, não era muito rigoroso, mas, quando a neve fundiu, o Sena começou a engrossar. Da janela da sala, as duas mulheres viram-no subir lentamente ao assalto do pomar, depois do jardim e, finalmente, da escada. Um degrau, depois outro... A cave encheu-se de água, não atingindo o vasilhame mas as outras provisões teriam de ser removidas e Florent levou uma noite inteira a deslocar a salgadeira, os presuntos, as maçãs e as pêras para evitar o naufrágio total. Já pensavam em levar os móveis para a vinha e as duas mulheres para casa do eremita do monte Valerian quando, bruscamente, no espaço de algumas horas e como se tivessem tirado o ralo a uma tina, o fluxo barrento se retirou. O pomar deixou de ser uma plantação de penas de pato em tinta cinzenta para reencontrar os seus socalcos. Socalcos lamacentos, esponjosos, mas que, mesmo assim, se pareciam com terra firme.