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Vós alimentais assim tão bem todos os prisioneiros? Sei de muitos albergues de renome que não tratam assim os clientes!

Acontece que vós sois, neste momento, a única prisioneira e a minha mulher está autorizada a ir buscar a nossa comida às cozinhas do castelo. A vossa também. Além disso, esta prisão não é como as outras e recebe pouca gente. É bastante diferente do torreão do primeiro pátio. Enfim, repito, recebi ordens.

Estou autorizada a receber visitas? Gostaria de ver o sargento Mortimer da Guarda Escocesa.

La Bourrasque? perguntou o carcereiro, rindo. Toda a gente aqui o conhece. Infelizmente, não é possível. Primeiro, porque, senhora condessa, ninguém sabe que estais aqui. Depois, porque ele não está em Plessis... Vou buscar a vossa água.

Só mais uma palavra! Podeis dizer-me, ao menos, o vosso nome?

Grégoire, Madame. Grégoire Lebret, mas o primeiro nome é suficiente. Estou às ordens da senhora condessa!

E com uma espécie de pequena reverência, o surpreendente carcereiro deixou Fiora a devorar a pequena refeição ainda mais surpreendente. Enquanto comia, a jovem esforçava-se por pôr as ideias em ordem. Era evidente que a tratavam com certo favor, mas, no entanto, não tinham hesitado em lhe arrancar o filho, a querida Léonarde e a casa. E, lembrando-se da brutalidade com que, na véspera, os arqueiros tinham impedido Péronnelle de lhe falar e o tom usado pelo abominável Olivier lê Daim, era evidente que o Rei dera, no que lhe dizia respeito, ordens precisas, ordens que o barbeiro se coibia de transgredir, por mais vontade que tivesse de o fazer, mas porquê? Porquê? Que crime cometera? Lê Daim pronunciara a palavra traição e acrescentara que o caso era grave. Mas como, em que pudera ela trair o Rei, ou até a França? A abominável personagem também fizera alusão a Lorenza e, nesse momento, Fiora estremecera. No entanto, aquele nascimento, que era preciso manter secreto, não podia ter ofendido Luís XI ao ponto de a conduzir à prisão? Não se tratava senão de um mal-entendido habilmente explorado, sem dúvida, pelo barbeiro ou por qualquer outra pessoa que lhe queria mal. Ou então uma calúnia? Fiora sabia que o Rei era extremamente desconfiado e capaz, quando se julgava enganado, de passar de uma grande bonomia a um extremo rigor. Se fosse o caso, teria de se explicar com ele o mais depressa possível...

Quando Grégoire regressou com os diversos objectos anunciados, Fiora pediu-lhe se aceitaria mandar dizer ao Rei que ela lhe suplicava que a recebesse logo que possível. Mas o carcereiro também não podia fazer aquilo: o Rei não estava em Plessis, estava em Amboise, junto da Rainha, que estava preocupada com a saúde do delfim.

Achais que ele vai ficar lá muito tempo?

Geralmente não, mas quem sabe? Não se sabe se a doença do príncipe é grave! Tende paciência, senhora condessa. Espantar-me-ei muito se, assim que regressar, o Rei não vos mandar chamar...

Paciência! A virtude tão gabada por Demétrios e que Fiora nunca conseguira dominar, sobretudo quando se encontrava numa situação desagradável! Ela gostava que as coisas andassem depressa depois de tomar uma decisão. Os nove meses de gravidez sempre lhe tinham parecido nove séculos. Uma atitude que divertia Léonarde. Desta vez, a paciência era mais uma provação. Que mãe era capaz de suportar por muito tempo a ignorância do local onde se encontrava o seu filho? No entanto, foi preciso esperar. As horas pareciam intermináveis àquela jovem cheia de vida e reduzida à inacção total, já que Grégoire era incapaz de lhe arranjar livros, a única coisa que lhe tornaria o tempo de espera mais agradável. Na verdade, não era a primeira vez que se encontrava cativa, mas nunca sofrera àquele ponto, porque então as suas angústias diziam respeito a si própria, não aos seus. Onde estariam Léonarde, Khatoun e o pequeno Philippe? O Rei sabia que, separando-a deles sem lhe dizer onde estavam, infligia-lhe a provação mais penosa, o que tornava inúteis as sevícias corporais e explicava, em parte, pelo menos, a cela decente, a boa alimentação e até a roupa que ela deixara em la Rabaudière e que encontrara na arca da sua prisão. Uma única consolação: Luís gostava de crianças e respeitava-as o suficiente para não fazer mal ao seu filho. Philippe era, certamente, mais bem tratado do que a sua mãe. Mas como as horas lhe pareceram lentas durante os oito dias que teve de passar na única companhia do seu carcereiro!

Fiora obrigava-se a uma apresentação irrepreensível, a uma toillette minuciosa todas as manhãs, a usar roupa branca e um vestido limpo. A mulher de Grégoire encarregava-se de lavar a roupa e de a passar. Era uma maneira como outra qualquer de manter a dignidade; depois, não queria ser apanhada de surpresa em trajos menores quando, finalmente, a fossem buscar para a conduzirem perante o seu juiz... ou juizes...

Grégoire apareceu, na noite do nono dia, todo esbaforido:

O Rei senhora condessa! O Rei! Está a chegar!...

Fiora já o sabia. A jovem ouvira o rufar dos tambores, as trombetas de prata e todo o barulho produzido por um grande grupo de cavaleiros, sobretudo quando escoltado por cães. E o seu coração bateu com mais força. Enfim, enfim, ia saber de que a acusavam!

No entanto, dois dias, dois dias ainda mais intermináveis do que os outros se passaram sem que ela pudesse saber se tinham intenção de se ocupar dela, ou se iam, simplesmente, abandoná-la no fundo da sua prisão.

Naquela noite, após uma curta toillette e as orações, ela deitou-se com o coração infinitamente pesado, não sabendo que mais pensar. O seu espírito tenso recusava-lhe o sono. Deitada no leito, triturando nervosamente a longa trança negra que lhe deslizava pelo peito, ouvia o bater das horas no pequeno convento que, no primeiro pátio, estava encostado às paredes do palácio propriamente dito. Como todos os prisioneiros, a jovem vivia segundo o que os seus ouvidos lhe diziam... Subitamente, sobressaltou-se e sentou-se bruscamente: estavam a abrir a porta, quando devia ser quase meia-noite.

Com efeito, Grégoire apareceu armado com uma lanterna e antes que ele tivesse podido empurrar o batente, Fiora pôde ver que, no exterior, estavam, pelo menos, dois alabardeiros iluminados por archotes...

Depressa depressa! exclamou Grégoire. Vesti qualquer coisa, Madame, o Rei quer ver-vos!

Fiora, saltando da cama, viu-se perante a figura sobressaltada do carcereiro, a lanterna que ele segurava iluminando os dois rostos.

A esta hora? perguntou ela.

Sim. Graças a Deus, ainda não dormíeis! Suplico-vos, apressai-vos!

Fiora enfiou um vestido à pressa, calçou-se e, renunciando a pentear-se, envolveu a cabeça num véu. Tudo aquilo não lhe exigiu mais de dois minutos e a jovem dirigiu-se para a porta onde, de facto, a esperava um piquete de soldados. Dois marcharam na sua frente, dois seguiram-na e, daquele modo, desceu os dois andares que separavam a prisão do nível do solo antes de desembocar no pátio de honra, vazio e silencioso àquela hora tardia. Só se ouvia o passo cadenciado das sentinelas de guarda sobre as muralhas e os sons dos campos próximos. A noite estava linda, clara, cheia de estrelas e Fiora, após a sua reclusão, respirou os seus odores frescos com um prazer inesperado. Como cheirava bem a tília e a madressilva!

Com excepção de uma luz brilhando nos aposentos do Rei e dois archotes acesos à entrada da pequena torre octogonal que encerrava a escada, Plessis estava mergulhado na escuridão. Um cão ladrou, algures para os lados do Loire e no interior do castelo um outro cão, depois dois, e depois três, responderam-lhe.

Alguns instantes mais tarde, a porta do quarto real, guardada por dois escoceses, abriu-se pela mão de um criado, que convidou Fiora a entrar e se eclipsou logo a seguir, fechando atrás de si o batente de carvalho trabalhado.

Agasalhado, apesar da temperatura doce, com um casaco preto forrado de pele de marta e com um capuz de lã enfiado até às espessas sobrancelhas, Luís XI estava sentado na sua grande cadeira guarnecida com almofadas, ao canto da monumental chaminé onde ardia um fogo brilhante. Juntamente com o candelabro de ferro forjado de cinco braços pousado perto do Rei, aquelas chamas iluminavam a vasta divisão que, assim mergulhada em três quartos da sua dimensão nas trevas, pareceu imensa à prisioneira.