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Steve Kroft. O texto introdutório, apresentado com a voz de Kroft, mencionava o problema do paradeiro de bombas nucleares soviéticas de uma quilotonelada com o tamanho de uma pasta de executivo. As vozes de Kroft e Lebed irromperam pelas colunas de som ligadas ao aparelho de DVD.

"Acredita que essas armas estão seguras e contabilizadas?"',

perguntou o entrevistador.

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"De modo nenhum", retorquiu Lebed. "De modo nenhum."

"Seria fácil roubar uma delas?"

"Têm o tamanho de uma pequena pasta."

"E possível pôr uma numa pasta e sair com ela?"

"A própria bomba tem a forma de uma pasta. Na verdade, é uma pasta. E possível transportá-la. Mas também se pode pôr noutra pasta, se quisermos."

"Mas já é uma pasta."

"Sim."

"Eu poderia passear pelas ruas de Moscovo ou Washington ou Nova Iorque e as pessoas pensariam que eu estava a transportar uma pasta?"

"Sim, sem dúvida."

"É fácil detoná-la?"

Lebed reflectiu um instante.

"Bastariam vinte, trinta minutos."

"Mas não são precisos códigos secretos do Kremlin ou coisas do género?" "Não."

"O senhor está a dizer-me que há um número significativo destas bombas que desapareceram e que ninguém sabe onde estão?"

"Sim. Mais de uma centena." "Onde se encontram elas?"

"Algures na Georgia, algures na Ucrânia, algures nos países bálticos - quem sabe? Talvez algumas esteiam mesmo fora desses países. Basta uma pessoa para detonar esta arma nuclear - uma única."

"O senhor está a afirmar que estas armas já não se encontram sob o controlo militar russo..."

"Eu estou a afirmar que mais de cem armas de um total de duzentas e cinquenta não estão sob o controlo das forças armadas da Rússia. Não sei onde se encontram. Não sei se foram destruídas ou se foram guardadas ou se foram vendidas ou roubadas.

Não sei."

Bellamy desligou o aparelho de DVD e a imagem no ecrã de plasma desfez-se.

"Penso que estas declarações são elucidativas sobre a dimensão do problema que temos em mãos", disse, reocupando o seu lugar. "Convém esclarecer que, depois desta entrevista do general Lebed, um porta-voz governamental russo declarou que essas armas nunca existiram e que as existentes foram destruídas." Sorriu com sarcasmo. "Uma pequena contradição, não vos parece? Primeiro dizem que essas armas nunca existiram e logo a seguir afirmam que elas já foram destruídas, o que significa que afinal sempre existiram."

Fez-se silêncio da Sala del Maggior Consiglio.

Tomás tinha dificuldade em assimilar o que acabara de ouvir.

"Acha que essas armas desaparecidas caíram nas mãos de terroristas?", perguntou ele.

"É possível", assentiu Bellamy. "Mas o importante desta entrevista é que as palavras do conselheiro do presidente ilustram o colapso do sistema de segurança na Rússia. Se calhar as bombas nucleares em pastas de executivo não caíram nas mãos dos terroristas, mas outras bombas podem ter caído.

Lembrem-se que o arsenal russo se situa algures entre

as quarenta mil e as oitenta mil ogivas. Como podemos ter a

certeza de que, com a corrupção lá existente, todas elas estão

em segurança? E depois não é só a corrupção, é o laxismo

também. Os inspectores americanos que foram visitar instala-

ções nucleares russas em 2001 revelaram que, quando chegaram ao armazém onde as armas eram guardadas, encontraram a porta aberta!"

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"Gott im Himmel!", murmurou um homem que até aí permanecera calado, obviamente alemão.

"Este problema é pois de extrema gravidade", insistiu Bellamy. "Acontece que as coisas entretanto parecem ter melhorado na Rússia e houve um forte regresso à disciplina. Por outro lado, é bom lembrarmo-nos de que as armas nucleares requerem manutenção, sob pena de não funcionarem. Além disso, muitas delas estão protegidas por ferrolhos electrónicos, o que dificulta consideravelmente as coisas. Não quer dizer que não haja risco de roubo.

Esse risco mantém-se, claro, mas na nossa análise existem riscos ainda maiores."

"Maiores?", admirou-se a professora Cosworth.

"Good Lord! Que riscos poderão ser maiores do que os terroristas roubarem uma... uma bomba atómica?"

A conversa foi interrompida por uma voz feminina proveniente da porta e que ressoou pela sala.

"Porque não os terroristas construírem, eles próprios, uma bomba nuclear?"

Todos os rostos sentados à mesa se voltaram na direcção da entrada, procurando identificar a recém-chegada.

"Rebecca!", exclamou Bellamy, aliviado. "Está atrasada!"

A caminhar em direcção à mesa com uma pasta de executivo negra na mão vinha uma rapariga de cabelo curto e tão loiro que parecia palha. Tinha uns grandes olhos azuis, luminosos e expressivos, e uns lábios suculentos e apetitosos como

morangos. Vestia um pullover amarelo e jeans azul-claros, uma combinação a condizer na perfeição com os cabelos e os olhos.

Despindo-a com o olhar, Tomás reparou que o corpo dela se desenhava curvilíneo como uma viola, com seios pequenos mas arrebitados, e foi nesse instante que percebeu quem ela era.

"Peço desculpa", disse Rebecca, com o sotaque nasalado dos Americanos. "Fui retida pelo tráfego no Grande Canal." Era a brasa prometida por Bellamy.

O corpo de Ahmed balouçava para a frente e para trás, ao ritmo monocórdico das palavras que repetia sem cessar, uma ladainha a cujos sons se esforçava por se familiarizar.

"«Mas os infiéis desmentem a Hora»", entoou, recitando os mesmos versículos da sura 25 pela quinta vez consecutiva, numa tentativa de completar a memorização daquele capítulo do Alcorão. "«E para os que desmentem a Hora preparámos uma fogueira.

Quando esta de um lugar distante os veja, ouvirão a sua fúria e o seu crepitar. Quando forem lançados num lugar estreito, dentro dela, ali mesmo pedirão a aniquilação. Responder-se-lhes-á...»"

Calou-se.

Ouviam-se vozes excitadas na casa. Inclinou-se em direcção à porta fechada do quarto, tentando destrinçar os sons que ela abafava. Vinham da sala, percebeu. Era a voz do pai. E da mãe. Estariam outra vez a discutir? Aquilo ia acabar mal, pensou com desânimo; dali a pouco o pai já estaria a espancar a mãe. Não se sentia com vontade de suportar mais uma

cena, mas no momento em que ia tapar os ouvidos apercebeu-se de outras vozes. Aguçou de novo a atenção. O que era aquilo? Ouviam-se... ouviam-se também os irmãos, estavam todos a falar com grande exaltação. Por Alá, o que estaria a acontecer?

Hesitou. Estava sentado no chão e tinha o Alcorão pousado num kursi, um suporte desdobrável de madeira que facilitava a leitura e, sobretudo, garantia que o Livro Sagrado ficava acima dos seus joelhos, uma posição adequadamente respeitosa. Mas o barulho perturbava-lhe a recitação, pelo que acabou por fechar o Alcorão e guardá-lo com cuidado na estante. Depois abriu a porta e esticou a cabeça lá para fora.

"O que se passa?"

A algazarra continuava e ninguém respondeu à sua pergunta. Intrigado, saiu para o corredor e foi para a sala. Viu a família a discutir com grande agitação e no meio estava o televisor ligado, mostrando um homem de gravata a falar.

"Que aconteceu?", perguntou de novo, a atenção já fixa no ecrã em busca de uma resposta.

"Não sabemos bem", devolveu o pai, sem tirar os olhos do televisor. "Houve problemas numa parada militar e parece que dispararam sobre o presidente."

"Qual presidente?"