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O antigo professor ergueu-se de rompante.

"Democracia?", perguntou quase aos berros, a voz carregada de indignação. "Democracia?"

Ahmed deu um salto de susto no seu lugar; não esperava aquela reacção e muito menos o ardor escandalizado que nela sentia.

"Porquê, meu irmão? Eu disse... eu disse alguma coisa de errado?"

"Tu não tens estado a ouvir o que tenho explicado?

Então ando eu aqui a revelar-te o islão, a mostrar-te que Alá ordenou o respeito integral da sbaria, que a verdadeira liberdade está no respeito da Lei Divina e tu... tu... tu vens-me falar de... de democracia? Não percebeste nada do que eu te ensinei?"

"Mas, senhor profes... meu irmão!", tentou Ahmed argumentar, a voz submissa e tímida, o corpo encolhendo-se de embaraço. "Que eu saiba até agora não falámos sobre isto! Eu... eu na verdade nem sei bem o que pensar da democracia, queria perceber o que diz Alá sobre o assunto. Por favor, não se ofenda!"

Ayman bufou, como uma máquina a vapor a libertar-se da pressão, e fez um esforço para se acalmar. Sentou-se e fitou o seu pupilo.

"Tu sabes o que é democracia?"

A pergunta deixou Ahmed momentaneamente atrapalhado.

"Bem... quer dizer, democracia é... é nós podermos escolher um novo governo."

"O que tem grandes e graves implicações. Imagina que os crentes estão em minoria e o governo que é eleito é kafir. O que acontece então? Aceitamos ser governados por kafirunV

Posto perante uma possibilidade que nunca considerara, o pupilo ficou de sobrolho carregado a matutar no assunto.

"Pois, não tinha pensado nisso."

"E esse é apenas o menor dos problemas", apressou-se Ayman a adiantar. "O grande problema é teológico. Esse é inultrapassável."

"Não estou a entender..."

"Diz-me, qual é a lei verdadeira que deve reger os homens?"

"Ora, é a Lei Divina, a sharia." 0

"Então tu não estás a ver que a democracia dá às pessoas o poder de fazerem elas próprias a lei?

Numa democracia são as pessoas que decidem o que se pode ou não fazer, o que se pode ou não proibir.

Isso é contra o islão! No islão as pessoas não têm o poder de decidir o que é legal ou ilegal. Esse poder é exclusivo de Alá! Os adúlteros têm de ser lapidados até à morte, mesmo que as pessoas discordem dessa penalização. Quem faz a lei é Deus, não são as pessoas! A Lei Divina está enunciada no Santo Alcorão e na sunnah do Profeta, que a paz esteja com ele, e as pessoas, gostem ou não, têm de a respeitar na íntegra. Se não o fizerem, tornam-se kafirun e a sociedade mergulha na jakiliyya. É por isso que a democracia é inaceitável para o islão. Ao retirar o poder a Deus e entregá-lo aos homens, ela está a semear a heresia e o politeísmo."

"Mas, meu irmão, já li que a América quer que o islão tenha democracia..."

Ayman soltou uma gargalhada sonora.

"Isso dá-me vontade de rir!", exclamou. "Só pode dizer isso quem desconheça o islão! Ou, mais provavelmente, quem tenha um plano para destruir o islão! Dizer que um crente pode ser democrata é o mesmo que dizer que um crente pode ser politeísta.

As duas coisas são contraditórias, é como querer misturar água e azeite! A democracia prevê liberdade de religião, incluindo o direito de as pessoas mudarem de crença, mas isso vai contra o islão, como muito bem sabes! Não foi o Profeta, que a paz esteja com ele, que decretou a pena de morte para os apóstatas? Como pode isso ser compatível com a liberdade de religião? A democracia prevê também a liberdade de expressão, o que significa que se pode até criticar Alá e as Suas decisões. Ora o islão proíbe terminantemente que se faça tal coisa."

"Tem razão", reconheceu Ahmed. "Só não sei onde está estabelecida essa proibição."

"Na sunnah. Existe um hadith que revela que o Profeta, que a paz esteja com ele, perguntou a um grupo de amigos: «Quem pode tratar do Kaab bin Ashraf?» Referia-se a um poeta que criticava Maomé, que a paz esteja com ele. Um homem chamado Musslemah perguntou: «Quer que o mate?» O

Profeta, que a paz esteja com ele, respondeu:

«Sim.» Musslemah decapitou então o poeta e Maomé, que a paz esteja com ele, disse: «Se ele se tivesse calado como todos os que partilham a sua opinião, não teria sido morto. Mas ele ofendeu-nos com a sua poesia e qualquer de vós que fizesse o mesmo também mereceria a espada». Este haditb mostra que não se pode criticar o islão e que a punição para quem o fizer é a morte. Aliás, é uma evidência que a crítica ao islão não pode ser feita.

Como pode o respeito por Deus ser compatível com a liberdade de expressão? Como pode ser o islão compatível com a democracia?" Abanou a cabeça e esboçou um sorriso agastado. "Sabes o que desejam realmente os kafirun americanos, sabes?"

Ahmed ficou calado, aguardando que Ayman respondesse ele próprio à pergunta que fazia.

"Recita-me o que Alá diz na sura 5, versículo 51."

O pupilo voltou a concentrar-se.

"«O vós que credes! Não tomeis a judeus e cristãos por confidentes: uns são amigos dos outros.

Aquele de entre vós que os tome por confidentes será um deles»."

"O que Alá está a dizer nesse versículo é que, para além de não podermos ser amigos dos Povos do Livro, não podemos confiar neles. Isso está repetido noutras partes do Santo Alcorão, como a sura 3, versículo 100. Seria ingenuidade nossa acreditar que os judeus e os cristãos estão de boa-fé quando analisam a história islâmica e fazem propostas para a nossa sociedade, como essa da democracia. Quando vêrp con>essas ideias, o que eles realmente querem é atingir as fundações do islão e demolir a estrutura da nossa sociedade. Ao pregar a liberdade, a democracia e os direitos humanos, os kafirun cristãos estão a atacar o islão com poderosas armas intelectuais."

"Mas o Irão tem democracia, meu irmão", argumentou Ahmed. "E, que eu saiba, os iranianos são muito respeitadores da sharia."

"Já foram mais", retorquiu o mestre com um esgar irónico. "Além disso os iranianos são xiitas, não praticam o verdadeiro islão. De qualquer modo, é preciso notar que quem realmente manda no Irão são os ayatollahs, e esses não são eleitos. Os presidentes e os parlamentos do Irão, embora eleitos, não têm o poder de violar a sharia, apenas de a fazer respeitar. Mas o que é verdadeiramente importante é resistir à tentação de ceder perante as armas intelectuais do Ocidente kafir, sob pena de abandonarmos a Lei Divina e passarmos a querer a lei dos homens. Onde está dito no Santo Alcorão que é preciso democracia? Se Alá não fala nisso é porque ela não é necessária! Basta a Lei Divina, que regula o universo inteiro. Se a lei de Alá é boa para todo o universo, porque não há-de ela ser boa para os homens?"

Ahmed coçou a cabeça, simultaneamente esclarecido e confuso.

"Então o que fazemos, meu irmão?"

"Fazemos o que Ibn Taymiyyah disse que fizéssemos."

O pupilo soergueu o sobrolho, admirado com a referência ao xeque que combateu o domínio mongol.

"Que quer dizer com isso?"

"Posto perante uma situação semelhante à nossa, Ibn Taymiyyah consultou o Santo Alcorão e a sunnab do Profeta, que a paz esteja com ele, e concluiu que um governo que só acata parte da sharia e ignora a outra parte está, na verdade, a seguir homens e não Deus. O xeque disse: «Fé é obediência. Se alguma dela estiver com Alá e outra dela estiver com outro que não Alá, a guerra é obrigatória até que toda a fé esteja com Alá.»"