Apesar desta afirmação, aproveitei a sala de banho para cuidar da toalete. As instalações, ultra-aperfeiçoadas, não diferiam muito, no entanto, das similares terrestres.
Quando subi ao rés-do-chão Soirilik estava pronto para partir. Ao sairmos de casa me dirigi para o ksill. Porém, Souilik, que era naturalmente alegre, deu uma gargalhada, isto é, emitiu um assobio entre cortado que é o riso dos Hiss.
— Não, não vamos no ksill! Não somos personagens bastante importantes para consumirmos kse-ilto numa pequena viagem de umas centenas de brunns. Me acompanhe!
Nos fundos da casa inclinou-se e puxou por uma alavanca fixada no solo. A terra abriu-se e pelo alçapão apareceu uma miniatura de avião, sem hélice nem orifícios de reatores visíveis. As asas, muito finas, tinham cerca de 4 metros de envergadura.
A fuselagem, curta e arredondada, não ultrapassava os 2,5 metros de comprimento.
Não havia rodas, mas sim dois longos deslizadores, curvos na frente.
— Isto é um réob — disse Souilik. — Espero que dentro em breve você tenha um.
No interior havia dois assentos baixos, um atrás do outro. Evidentemente que me instalei no da retaguarda, deixando o de pilotagem a Souilik. Levantamos vôo rapidamente, deslizando apenas vinte metros pela relva. O réob era silencioso e parecia muito manejável e seguro. Subimos velozmente para uma altitude considerável e rumamos para o oeste, em direção das montanhas. Segundo o que calculei, pela experiência que já tinha de aviões, devíamos voar a cerca de 600 quilômetros a hora. Mais tarde eu próprio pilotei um réob muitas vezes, pelo que posso afirmar que se atingem facilmente velocidades supersônicas.
Como você deve imaginar, olhava avidamente a terra que desfilava debaixo de nós.
Estávamos a uma altitude que não me permitia distinguir muitos pormenores. No entanto, uma coisa logo me chamou a atenção: não havia cidades. Tal fato me surpreendeu e manifestei esta surpresa a Souilik.
— Em Ella é proibido construir mais de três casas num raio de quinhentos passos.
— Qual é então a população de Ella?
— Setecentos milhões. Mas para lhe falar, sou obrigado a me voltar, pois você não compreende a palavra articulada. E eu tenho de olhar para onde nos dirigimos. Deixei, por isso, de fazer perguntas. Sobrevoamos uma floresta amarelada e vi alguns ribeiros, que desaguavam num rio, o qual desembocava num mar. A cadeia de montanhas formava como que uma gigantesca ilha. Começamos a cruzar com outros aviões, uns pequenos como o nosso, outros enormes. Contornamos os picos das montanhas, sobre o mar, e, a seguir, descemos rapidamente Souilik voltou-se e transmitiu-me:
— A esquerda, entre aqueles dois picos, é a Casa dos Sábios. Entre os dois cumes, o vale, que descia até uma longa praia branca, tinha sido fechado por um muro gigantesco, onde fora construído um imenso terraço. Neste, entre árvores amarelas, violetas ou verdes, erguiam-se longas construções baixas, de cor branca: Ao fundo um segundo muro servia de base a um terraço superior, menor, e ocupado, na maior parte, por uma construção, de uma admirável elegância, que lembrava um pouco o Pártenon.
Aterramos no terraço mais baixo, junto a um pequeno bosque de árvores verdes, que, neste mundo estranho, me pareceram fraternais.
Através de uma escadaria monumental, nos dirigimos para o outro terraço. Souilik disse-me ser a Escadaria das Humanidades. Tinha cento e onze degraus. Dos lados, ao nível de cada degrau, erguiam-se estátuas de ouro. Figuravam seres mais ou menos humanos em filas de três ou quatro, segundo os casos, dando-se as mãos; isto até ao cimo da escada, onde havia uma outra estátua, esta de metal verde, que figurava um Hiss com os braços estendidos, num gesto de acolhimento. Havia seres estranhos representados nestas estátuas, alguns de meter medo. Vi rostos sem nariz, outros sem orelhas. outros com três, quatro ou seis olhos; seres de seis membros, alguns de uma extraordinária beleza, outros inconcebivelmente medonhos, contorcidos, peludos. Mas todos eles lembravam, de uma maneira ou de outra, a nossa espécie, mesmo que fosse só pelo porte da cabeça e pela posição vertical. À medida que subíamos a escadaria, examinava-os, tornado de um vago mal-estar ao pensar que estas criações não eram fantasia de um artista, mas sim a representação, tão exata quanto possível, dos oitocentos e sessenta e um tipos de humanidades que os Hiss conheciam. Os últimos degraus ainda estavam vazios. Souilik me apontou um. em frente do estranho cortejo:
— Aqui ficará você, representando a humanidade da Terra.
Como foi o primeiro a chegar a Ella, você será o modelo Não sei de que lado será colocado. Em princípio, será a direita, juntamente com as raças que ainda não desistiram das guerras planetárias.
Na esquerda, no último degrau ocupado, em frente de um gigante maciço, de olhos pedunculados e crânio calvo, erguia-se uma esbelta figura, que me pareceu perfeitamente humana até ao momento de reparar que as suas mãos só possuíam quatro dedos.
(Neste momento não pude deixar de olhar para Ulna… Clair sorriu, prosseguindo).
Passando ao lado da estátua do Hiss, chegamos ao segundo terraço. Nesse momento voltei-me, olhando a paisagem. O terraço inferior, por um efeito de perspectiva, parecia sobranceiro ao mar azul, agitado por pequenas vagas de crista branca. O nosso réob, ao lado do bosque, parecia minúsculo. Outros aviões tinham aterrado e vários Hiss dirigiam-se para a escadaria. Olhei novamente para a estátua:
— Quem são aqueles?
— Vieram de quase tão longe como você. Além de nós, são os únicos que sabem passar pelo ahun. Vieram pelos seus próprios meios. Não os descobrimos, mas sim eles que nos descobriram. Assemelham-se muito a vocês, Terrenos. Mas até agora somente os Sábios os viram de perto. Por isso não posso lhe dar mais pormenores sobre eles Só os Sábios, se o desejarem fazer.
— Os Sábios são o governo de Ella?
— Não, estão acima do governo São os que sabem e os que podem.
— São muito idosos?
— Alguns. Outros são novos. Tal como você, vou vê-los pela primeira vez. Devo essa honra ao fato de lhe ter trazido; embora contra a vontade de Aass.
— E Aass? Qual é a situação dele?
— Mais tarde será provavelmente um Sábio. Mas vamos, que o momento chegou!
Continuamos a andar até ao pseudo-Pártenon Visto de perto revelava-se muito maior do que eu julgara. Passamos através de uma porta metálica, monumental.
Souilik parlamentou durante alguns instantes com guardas, armados de pequenas varas de metal branco.
Seguimos por um corredor em cujas paredes havia afrescos representando paisagens de diversos planetas estranhos. Ao fundo havia uma pequena porta de madeira castanha, por onde entramos para uma pequena sala. Esperamos até que um outro Hiss nos fez sinal para o seguirmos.
A sala onde penetramos depois lembrava, pela sua disposição, um anfiteatro.
Cerca de quarenta Hiss estavam sentados em sua volta e três outros num estrado.
Alguns eram visivelmente idosos. Tinham a pele verde descolorida, os cabelos brancos e ralos, mas nenhuma ruga lhes sulcava o rosto.
Mandaram que eu me sentasse numa das cadeiras do anfiteatro. Ocorreu. então, um pequeno incidente, sem importância, mas que, nessa altura, me vexou consideravelmente Involuntariamente, apertei um botão colocado no braço direito do assento, e este, abrindo-se, transformou-se numa cama, fazendo-me dar uma cambalhota para trás. Os Hiss são um povo muito alegre e trocista por natureza. O fato causou, por isso, numerosos risos. Soube depois que neste anfiteatro o teto serve de écran e que as cadeiras são construídas de maneira a permitirem que se acompanhe sem esfôrço a projeção.
Voltado para os três Hiss do estrado, Souilik fez o seu rela-tório em linguagem articulada. Assim, nada pude compreender. Fui surpreendido pelo fato de, embora, evidentemente, cheio de respeito pela assembleia, Souilik não ter feito nenhum gesto convencional de cortesia.