— Estado de alerta n.°1 — disse ele, inclinado sobre um microfone. — Reunião imediata dos Dezeriove. Interdição absoluta a todo o engenho volante estrangeiro — o eufemismo fez-nos sorrir: o único engenho estrangeiro em Ella era a astronave de decolar.
— Veremos bem se eles sabem escapar aos campos gravídicos intensos — disse.
Os Sinzus penetravam na Casa dos Sábios.
— Venha — disse Azzlem. — Nós vamos recebê-los. Venham também, Souilik e Essine, porque são vocês os únicos Hiss presentes, com o meu filho, que conseguiram ultrapassar o Décimo Sexto Universo.
Descemos até a sala onde compareci pela primeira vez em frente dos Sábios. Me sentei sem dificuldade entre Essine e Souilik, ao fundo. O Conselho restrito, os Dezenove, chegou. Introduziram os Sinzus.
Eram quatro, três homens e a rapariga. Eram todos formosos, louros, elegantes, de elevada estatura, e na Terra teriam podido passar por Suecos. Afetavam um ar indiferente e distante. Puseram-lhes logo os capacetes amplificadores.
O mais velho voltou-se para Azzlem e começou o seu discurso: tinham-nos feito vir do seu longínquo planeta para enfrentar os famosos Milsliks, eles acorreram com as armas mais poderosas que os seus sábios tinham podido inventar e agora diziam— lhes que um ser inferior, vindo dum planeta meio selvagem, tinha já triunfado destes terríveis inimigos. Era uma injúria feita ao planeta Arbor e partiriam imediatamente para não mais voltarem, a não ser que os shémons não julgassem a injúria muito grave para ser esquecida. Nesse caso… ele exigia desculpas e a destruição imediata dessa estátua que haviam posto no mesmo plano do que a dos Sinzus.
Olhei os Sábios durante esta diatribe. Nada perturbava as suas fisionomias.
Nenhum sinal de desaprovação. Em troca, ao meu lado, Souilik ruminava entre os seus agudos dentes.
Azzlem respondeu calmamente:
— Vocês são, Sinzus, criaturas bizarras. Nunca prometemos que seriam os primeiros seres de sangue vermelho a enfrentar os Milsliks. Nós ignorávamos nessa época que houvesse outras humanidades de sangue vermelho e ignoramos ainda se todas as humanidades de sangue vermelho resistem às irradiações Milsliks. Não concebemos, de resto, a importância que há em ser o primeiro. Essa mentalidade desapareceu de Ella há muito tempo, com o último chefe militar e o último polícia. Vocês parecem não compreender que não serão demais todas as humanidades do Céu para vencer os Milsliks. Agora somos os únicos, ou quase, a lutar contra eles e perdemos cada ano mais de cem mil Hiss nesta luta. O Tsérien teve a coragem de enfrentar o Mislik sem nenhuma preparação. É justo que a sua estátua seja o que é. Façam o mesmo, e nós, de boa vontade, poremos um Mislik, ou mesmo dois, ou três, na estátua!
Este arrebatamento fez passar sobre a assembleia uma onda de riso contido.
Azzlem continuou:
— O concurso de vocês será certamente útil, mas não é indispensável, Os Tsériens têm a resistência necessária. Nós temos a técnica, e a deles, apesar de primitiva, não é provavelmente desprezível. Há no Céu muitas humanidades de sangue azul ou verde cujos exércitos são poderosos também. E ninguém sabe onde atacarão os Milsliks para a próxima vez. Se calhar, já estão a caminho da galáxia de vocês. Peço assim, que renunciem a um orgulho estúpido, que me admira numa raça tão evoluída como a Sinzu. Entrem na Grande Aliança das Terras Humanas. O nosso único inimigo é o Mislik! Ele ameaça todas as humanidades, de sangue verde, azul ou vermelho. Mesmo que vocês sejam insensíveis ante as irradiações, não poderão viver próximo dum sol extinto! Reflitam e voltem com palavras de amizade, e não de desafio. Este planeta é Ella, e não Arbor, e nós, aqui, somos os senhores.
Tornaremos a receber vocês novamente esta noite.
O Sinzu quis responder.
— Não. Inútil. Reflitam até de noite.
Os Dezenove saíram lentamente, deixando-nos sós, Souilik, Essine e eu, em frente dos Sinzus..
Estes pareceram aperceber-se então da minha presença. Os três homens avançaram para mim, ameaçadores. A rapariga tentou reter o mais velho, sem o conseguir. Me levantei. Lentamente, Souilik pousou a mão sobre a coronha da pequena arma que tem direito a trazer na cinta, como todos os comandantes de ksills. O gesto não escapou aos Sinzus, que pararam.
— Julgava — começou um deles — que os Hiss, os sábios Hiss, tinham renunciado a guerra há séculos…
— A guerra, sim, mas não a proteger os seus hóspedes — replicou Souilik. — Se as suas intenções são puras, para que essas armas sob as túnicas?.. Julgavam então que nós não sabíamos detectar o metal sob os tecidos?
A situação tornou-se tensa. Eu, Essine, Ulna e o mais velho dos Sinzus tentamos, em vão, intervir. Souilik estava possuído da terrível raiva fria dos Hiss e os Sinzus mostravam-se arrogantes. A luta parecia inevitável.
Como um deus ex machina, apareceu um oficial da guarda, seguido de quatro Hiss:
— O Conselho dos Dezenove pede aos seus hóspedes Sinzus que regressem aos seus aposentos. Ele lembra que, salvo os oficiais em serviço, mais ninguém pode trazer armas em Ella.
Tinha o capacete amplificador e a frase soou-me clara e secamente, como um ultimato. Os Sinzus também a entenderam deste modo, porque empalideceram e saíram. Ulna me olhou longamente antes de se retirar.
— Quanto ao Tsérien, Azzlem espera por ele e seus companheiros — terminou o oficial.
Quando entramos Azzlem, Assza e Asserok discutiam animadamente.
— Não precisamos deles — dizia Assza. Os Tsériens chegam.
— São tão poderosos como nós — replicou Asserok. Acreditem em mim, eu vi o planeta Arbor. Eles são em maior número que nós, nos Três Mundos. E têm os servos Telms…
Calou-se de repente, tomado de súbita compreensão.
— Compreendo! Eles confundiram o Tsérien com um Telm! É moreno e forte como eles!
Em Arbor, explicou-nos, não havia uma só raça, como na Terra ou em Ella, mas duas: os Sinzus, louros e franzinos, e os Telms, morenos e fortes. Nos tempos pré— históricos, como aconteceu conosco, houve várias raças. Mas enquanto na Terra uma só prevaleceu e exterminou ou absorveu as outras, em Arbor dois ramos diferentes se desenvolveram, em continentes muito afastados. Quando os Sinzus descobriram o continente Telni eram já bastante civilizados para o destruírem. Suponha que a América era povoada por descendentes do homem de Neanderthal. Decerto os destruiríamos. Mais humanos, ou mais realistas, os Sinzus, raça superior, reduziram os Telms a escravidão. Pouco a pouco a sua condição foi melhorando, mas na sociedade atual não têm senão funções inferiores, para as quais os designa, é necessário dizer-se, a sua total incapacidade de invenção. Não são maltratados, mas não houve até agora nenhum cruzamento, por se tratar de duas raças fundamentalmente diferentes. A organização social dos Sinzus, apoiada nesta semi— escravidão dos Telms, é de tipo aristocrático e assemelha-se um pouco com a do antigo Japão.
É um fato que, pelo físico, pela cor da pele e do cabelo, me pareço com um Telm.
Para você compreender a reação dos Sinzus, imagine um forte shogun que se traz para combater um inimigo terrível e a quem se diz, na chegada: «Não vale a pena; um chimpanzé resolveu o assunto!».
Enquanto ouviam as explicações de Asserok, os dois Sábios iam serenando. Era possível, com um pouco de diplomacia, acalmar os Sinzus, explicando-lhes que eu não era um Telm, apesar da minha cor Asserok encarregou-se disso, e partimos para a astronave. Souilik me acompanhava. No momento de me deixar, antes de chegarmos a vista das sentinelas sinzus, quis me dar a arma que levava. Agradeci mas recusei, convencido de que não corria perigo algum. Um Sinzu recebeu-me na entrada e fez-me sinal para o seguir. A astronave era enorme — mais de 180 metros de comprimento! — e tive de percorrer intermináveis corredores antes de chegar na sala onde me esperavam. Cinco Sinzus estavam sentados com Asserok, todos de capacete. Um pouco afastada, com os longos cabelos louros saindo-lhe do capacete, Ulna estava de pé, encostada na parede. Mal entrei, o mais velho transmitiu-me: