— Este Hiss pretende que você não é um Telm, mas um Sinzu negro. Nós vamos ver. Fale-nos do seu planeta.
Aguardei um pouco, me sentei numa cadeira metálica, cruzei as pernas e comecei:
— Ainda que seja tão injurioso para mim ser tomado por um animal superior como para vocês serem ultrapassados por um Telm, vou falar por consideração para com os Hiss. Saibam que no meu planeta não há mais do que uma espécie de homens, ainda que uns sejam louros, como vocês, e outros morenos, como eu. Alguns — e são muitos — têm a pele negra ou amarela. Discutiu-se imenso para saber qual era, a raça superior, mas chegou-se à conclusão de que não havia nenhuma. Ainda há pouco nós tivemos de fazer a guerra contra certos Terrestres, que pretendiam ser uma raça superior. Vencemos, apesar da pretendida Superioridade deles Continuei a transmitir durante mais de uma hora, dando, a traços largos, um resumo da nossa civilização, da organização social, da ciência e das artes. Claro que em ciências eles ultrapassaram-nos, estando em vários aspectos mais adiantados do que os próprios Hiss. Pareceram impressionados pela nossa utilização da energia nuclear, a sua mais recente conquista.
Me fizeram uma série de perguntas, inteligentemente graduadas. A sua conclusão foi de que eu não podia ser um Telm, apesar da minha aparência física com a deles Imediatamente mudaram de atitude. Ficaram tão amáveis quanto tinham sido arrogantes. Ulna exultava: tinha sido a única a me defender. Asserok combinou com Hélon, o velho Sinzu, pai de Ulna e chefe da expedição, uma reunião com os Dezenove para essa noite.
Quando partimos, Ulna e seu irmão Akéion acompanharam-nos. Encontrei Souilik e Essine, que me esperavam. Asserok partiu ao encontro de Azzlem e ficamos cinco: dois Hiss, dois Sinzus e um «Tsérien,
Estávamos contentes. Qualquer perigo de guerra estava definitivamente afastado. Souilik contou-me que cem ksills estavam prontos para destruir a astronave, se as coisas corressem mal.
Fomos para a escada que descia para o mar e nos sentamos nos degraus.
Conversamos sobre os nossos planetas, e tive de prometer que visitaria Arbor antes de voltar pra Terra, quando os Milsliks fossem vencidos. Falamos da vitória como certa. Mas na verdade, quando isso acontecesse, não seríamos mais do que poeira há muito tempo, porquanto a luta tinha probabilidades de durar milênios Ulna e Akéion pediram-me informações sobre o Mislik. Tinham resolvido enfrentá— lo, para saber se os Sinzus partilhavam da minha imunidade. Concordamos em que os acompanharia até a cripta.
Nessa noite, conforme o estabelecido, houve a segunda entrevista entre os Sinzus e os Dezenove. A aliança foi definitivamente concluída, independentemente do resultado da expedição na ilha Sanssine. A ligação entre os Sábios e os Sinzus seria garantida por Assza e Souilik, que, como consequência das suas explorações, tinha sido admitido como neófito. A seu pedido, eu e Essine o acompanhamos. Pelos Sinzus, Hélon designou Akéion, seu filho, Ulna e um jovem físico, Etohan.
Claro que na delegação hiss não tive senão um papel consultivo. Eu não pretendia sequer representar a Terra, porquanto fora aceito de maneira imprevista. Fiquei, no entanto, contente com a nomeação, que me aproximava de Souilik e Essine, por quem tinha amizade, de Assza, por quem tinha simpatia, e dos Sinzus, pelos quais experimentava imensa curiosidade. Não mais do que curiosidade, por enquanto.
Não falaria senão brevemente da minha quarta descida à cripta se ela quase não me custasse a vida. Isto foi o princípio dá minha plena aceitação, como ser humano de raça superior, pelos Sinzus. Excetuando Ulna e seu irmão, eles tinham ainda por mim uma certa desconfiança. Pela minha parte, eu não lhes perdoava, porque a bordo da astronave tive ocasião de ver alguns Telms, e lhe asseguro que, fora o físico e o cabelo, em nada se pareciam comigo: assemelhavam-se mais a um hipotético cruzamento de gorila e de australiano.
Fomos para a ilha Sanssine na astronave. Esta movia-se quase tão docemente como um ksill. Não fui admitido na cabina de pilotagem. Um ksill dos maiores, pilotado por Souilik, transportava o Conselho dos Dezenove.
Como não havia lugar na pista da ilha para aparelhos tão grandes, descemos no mar, fazendo o transbordo em botes. Foi a primeira vez — e última — que utilizei este meio de transporte em Ella.
Fui o primeiro a entrar na cripta, seguido de Akéion, de Ulna e dum jovem Hiss, de quem me esqueci o nome, que devia servir de cobaia. Tinha na cabeça o capacete de que me servira já.
Enquanto estive só na cripta o Mislik não reagiu. Era evidente que me reconhecia e sabia que toda a irradiação era inútil. Não me transmitiu nenhum sentimento de ódio, mas somente uma vaga curiosidade. Nem sequer se mexeu.
Depois entraram os outros, seguidos de uma dezena de autômatos Eu tinha perguntado a Assza porque não nos protegiam com zonas repulsivas, mas estas não se podiam estabelecer num lugar confinado sem o aquecer. Eu era o único armado de uma» pistola de «calor frio».
Entretanto, os meus companheiros entraram. Mal passaram a porta, o Mislik precipitou-se, rente ao chão, emitindo com toda a sua fôrça. O Hiss desmaiou ao fugir para a saída. Os Sinzus resistiram como eu, mas, em vez de recuarem imediatamente, precipitaram-se para mim, ocultando-me o Mislik. Este não perdeu tempo, e nalguns segundos fez um verdadeiro massacre nos autômatos Quando pude disparar, um só deles se mantinha de pé. Calmamente, o Mislik dirigiu-se para o túnel de saída e bloqueou-o. Éramos seus prisioneiros.
Não me assustei, sabendo que, se fosse necessário, todo o formidável poder dos Hiss viria em nosso socorro. Mas estava inquieto com o Hiss, porque o Mislik continuava a emitir e cada segundo que passava tornava mais precária a sua sobrevivência Avisei pelo microfone de que ia tentar destruir o túnel, e, depois de fazer sinal aos Sinzus para se afastarem, dirigi-me para o Mislik, de pistola em punho.
Ele brilhava tênuamente na penumbra. Pronto para me esquivar, atirei. O Mislik recuou. Atirei outra vez. Recuando sempre, entrou na antecâmara. Segui-o, e isto ia causando a minha perda. Ele lançou-se sobre mim, e neste espaço apertado tive um trabalho enorme para o evitar. Felizmente o meu capacete estava sintonizado, e por isso encontrava-me em guarda contra estes ataques, por uma maior recepção do sentimento de hostilidade. Esta estranha luta durou uns bons cinco minutos. Por fim o Mislik deslizou pelo túnel e eu lancei-me em sua perseguição. Choquei com o autômato que transportava o Hiss desmaiado e perdi uma dezena de segundos. Este atraso ia custando a vida aos Sinzus. Quando entrei na cripta, Ulna estava colada na parede, com Akéion a protegê-Ia, e o Mislik, somente a uns escassos metros, preparava-se para os esmagar. Disparei seis vezes, O Mislik voltou-se para mim e atacou. Só tive tempo de ver acender-se a cegante luz quente, senti um choque e mergulhei na escuridão.
Devo passar em branco um espaço de trinta dias, pela boa razão de. que durante estes trinta dias não tive a mínima idéia do que se passava a minha volta. Tinha Uma dezena de ossos quebrados pelo choque com o Mislik e quase metade do corpo gelado, em consequência de vários rasgões no meu escafandro.
Acordei numa cama, num quarto desconhecido, de paredes metálicas. Estava deitado de costas e, por cima de mim, um grande funil quadrado irradiava uma luz violácea, emitindo um zumbido contínuo. Me sentia muito fraco, mas sem nenhuma dor. Pretendi me mover mas verifiquei que os membros estavam imobilizados em talas. Chamei, em hiss.
Foi um Sinzu que veio. Era desconhecido para mim. Tinha os cabelos brancos, de um branco terno, como os nossos na velhice, e não o branco-platinado dos Hiss.