Ele falou muito tempo. Descreveu para a assembleia, que representava o escol das raças celestes, a nossa estrutura. Devíamos a imunidade ao fato de o nosso corpo conter tanto ferro como o dos Milsliks. Apesar desta longínqua semelhança com os seres das Trevas, éramos dignos do nome de «homens».
Os Sinzus tinham lugar na Liga porque há muito tempo que haviam repudiado qualquer espécie de guerra. Em contrapartida, os «Tsériens» não seriam por enquanto senão aliados, mas a sua civilização era jovem, e ele esperava em breve podê-los receber em pé de igualdade.
— Discurso inaugural, sem importância sussurrou-me Souilik. — O verdadeiro trabalho seria feito pelos grupos. — Pela lei de exclusão você não poderá ser admitido na Liga, mas fará parte do grupo hiss.
— Por que hiss?
— Não esqueça que fomos nós que lhe descobrimos, apesar de depois ser você adotado pelos Sinzus.
Azzlem sentou-se. Houve um silêncio e, de súbito, cântico hiss que nunca tinha ouvido, ecoou. Não representou nada para mim, porque,como já disse, a música deles é demasiado complicada para nosso ouvido e tem notas que não são audíveis.
Olhando Souilik e Essine, fiquei atônito com a sua expressão, que refletia um êxtase, uma comunhão mística com todos os seres de sangue verde e azul. Em baixo, na sala iluminada por uma luz malva, todas as faces apresentavam a mesma expressão nostálgica e repousante. A minha vizinha de pele cor de pervinca também estava em êxtase. Só Hélon, no estrado, eu, Ulna e o irmão não parecíamos comovidos. De repente uma imagem surgiu no meu cérebro: uma vez, na Terra, eu vira umas «atualidades» que mostravam a multidão, em Lourdes, aguardando o milagre. Era com isto que se pareciam todas as muitas faces das raças do Céu. O cântico continuava: era uma evocação ao Deus criador, à Luz primordial.
Fez-se silêncio. Todos estes seres doutros mundos ficaram, por muito tempo, imóveis e recolhidos. Por fim, Azzlem fez um gesto e a multidão começou a sair.
— Não sabia que vocês tinham convertido estas raças para a religião dos Hiss, disse a Souilik.
— Não os convertemos. E você sabe que eu próprio sou cético. As palavras são inúteis. A música foi composta, há muitos séculos, por Rienss, o maior gênio musical de Ella-Ven. Ela é suficiente para nos pôr em transe. Acontece que age de maneira idêntica sobre todas as raças. E como todas as religiões, em tudo o que têm de mais elevado, coincidem… Mas você não sentiu nada?
— Não. E não creio que os Sinzus sentissem algo.
— Não diga isso! Não diga! Por agora, pelo menos. Os meus compatriotas são muito suscetíveis neste assunto. Os Homens-Insetos são como vocês, e isso, em princípio, trouxe-lhes complicações. Chegou-se a falar em exclui-los da Liga. Com vocês não há esse perigo. Vocês são a nossa grande esperança na luta com os Milsliks.
O Conselho durou onze dias. Antes do último dia não houve outra reunião plenária.
O trabalho foi feito pelas comissões técnicas, as quais assisti, integrado na delegação hiss. Após a cerimônia de encerramento, partimos para Ella. Soube, com desgosto, que os Sinzus ficavam em Réssan.
Retomei os hábitos anteriores. Continuei em casa de Souilik. Todos os dias ia na Casa dos Sábios, onde, com Assza e Szzan, nos entregávamos a experiências de biologia comparada.
Assza conseguiu reproduzir, artificialmente, a radiação mislik. Eu nunca cheguei a compreender claramente a sua natureza, mas posso afirmar que nada tem que ver com as radiações eletromagnéticas. Os Hiss e os Sinzus — e outras raças ainda chegaram a capítulos da física dos quais os nossos sábios terrestres não suspeitam sequer a existência.
Me sentia perfeitamente a vontade em Ella. Já falava o hiss, não corretamente, mas correntemente, e não tinha necessidade, para compreender uma conversa, de usar o capacete. Adotado pelos Ellianos, tinha amigos, relações, um trabalho. Fazia oficialmente parte, a título de membro estrangeiro, da Seção de Biologia Aplicada na Luta Antimislik, e, por isto, eu, biologista terrestre, colaborava com Szzan e Ressenok, tendo debaixo das minhas ordens uma dezena de jovens biólogos hiss.
Estava de tal modo integrado na vida elliana que um dia, no laboratório, conversando com Assza, proferi um «nós, os Hiss», que provocou uma tempestade de gargalhadas. Os Hiss são um povo realmente amável, cheio de delicadezas, apesar da sua frieza natural, mas de mais fácil convivência que os Sinzus, duma maior suscetibilidade.
Ao fim de um mês a astronave regressou de Réssan — e tive o prazer de ter Ulna e Akéion na nossa equipe.
Os meus dias passavam-se assim: ao nascer de Ialthar, depois de tomar o pequeno almoço com Souilik, ia para o laboratório. Passava pela astronave para levar Ulna e o irmão. Trabalhávamos até de tarde. Ao meio-dia ia almoçar, umas vezes na Casa dos Estrangeiros, outras na astronave. Voltávamos novamente para o laboratório, onde trabalhávamos até ao anoitecer. Quando o tempo estava bom íamos nos banhar na baía. Não podíamos nos afastar para o largo, porque era bastante perigoso, por haver muitos vsiivz, espécie particularmente voraz de peixes.
Havia uma barragem protetora de hassrn, que, pelos seus raios antibióticos diferenciais, evitava que eles entrassem. Souilik e Essine apareciam por vezes a nos fazer companhia. Os Hiss são admiráveis nadadores. Souilik fez várias vezes, diante de mim, em 47 segundos, 100 metros, pulverizando a brincar o nosso recorde do mundo.
Os Hiss e os Sinzus praticavam muitos exercícios físicos.
Mais fracos do que os Terrestres, ultrapassavam-nos em agilidade. Farto de ser batido por eles em natação, corridas e saltos, ensinei-lhes o lançamento do peso, do disco e do dardo, ou, mais exatamente, relembrei-lhes a sua prática, porque os Hiss se tinham dedicado a desportos análogos na antiguidade.
Já de noite, regressávamos de réob. Souilik ensinou-me a conhecer as estrelas do seu céu. Ficávamos por vezes até tarde a contemplá-Ias a olho nu ou auxiliados por um binóculo. Os Hiss são um povo cósmico: até as crianças conhecem as constelações, o que é matéria de exame. Ulna e o irmão vinham por vezes ter conosco, num pequeno engenho em forma de torpedo, mais rápido do que o réob, mas menos estável.
Enquanto eu trabalhava, procurando proteger os Hiss contra as radiações Milsliks — tínhamos conseguido só uns pequenos avanços —, Souilik e centenas doutros jovens comandantes de ksill treinavam no manejo de armas, para a grande luta. Uma ilha no mar Verde foi evacuada e bombardeada com um verdadeiro dilúvio dos mais variados projéteis, desde a nossa bomba atômica até estranhos engenhos de destruição, dos quais, felizmente, não temos a menor idéia na Terra, e de que oportunamente farei a descrição. —
Um dia recebi ordens para aprender a manejar um ksill.
Levei mais de três meses para o conseguir. Dirigir este engenho no Espaço não é mais difícil do que pilotar um réob. A dificuldade está na passagem no ahun. Não consegui mais do que o brevet de 2 classe… Aprendi a partir para o ahun e a voltar por tentativas, surgindo aqui e ali no Espaço. Nunca ultrapassei o Quarto Universo. Ir mais longe, e sobretudo regressar, exigia capacidades matemáticas, que não tinha.
Não compreendi nada da teoria do ahun, mas pilotava o ksill como as mulheres terrestres conduzem aceitavelmente automóveis sem compreenderem nada de motores de explosão.