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Quando voltei a mim não murmurei o clássico «onde estou?». Tinha uma lancinante dor na cabeça, zumbido nos ouvidos, e durante uns minutos receei ter fraturado o crânio. Felizmente, isso não aconteceu. O meu relógio marcava 1 hora da manhã, a noite estava negra como breu e o vento soprava, fazendo gemer as árvores. Depois, por cima da clareira, a Lua iluminou uma nuvem negra, rodeando-a de um feérico círculo luminoso.

Sentei-me, procurando a espingarda, que, por sorte, tinha descarregado antes da queda. Tateei na relva úmida e na vegetação apodrecida antes de a encontrar. Me servindo dela como de um bordão, ergui-me lentamente, com o rosto voltado para a clareira. Na medida em que me levantava, o meu campo visual aumentava, e foi então que vi a coisa.

A princípio pareceu-me uma massa escura, uma espécie de zimbório erguendo-se acima da vegetação, uma massa indistinta na fraca claridade. Depois a Lua apareceu por um instante entre as nuvens e entrevi, no espaço de um relâmpago, uma carapaça arredondada, brilhando como metal. Confesso que senti medo. Esta clareira do Magnou está a uma boa meia hora de caminho, através do bosque, da estrada mais próxima, e depois que o velhote original que lhe deu o seu nome morreu, rara é a semana que um homem por aí passe. Avancei silenciosamente até ao extremo do bosque e, escondendo-me atrás de um castanheiro, perscrutei a clareira. Nada se movia, nem havia nenhuma luz. Nada, a não ser aquela enorme massa, indecisa obscuridade mais densa na obscuridade do bosque.

Então, bruscamente, o vento parou. No silêncio apenas interrompido pelo quebrar de ramos secos, ao longe, no bosque — algum animal assustado —, ouvi uns gemidos, quase imperceptíveis.

Sou médico. Apesar do que se passara, não me veio a idéia de deixar de prestar socorro ao ser que gemia daquela maneira — um gemido humano e não de um animal. Empunhando a lanterna elétrica, acendi-a e projetei o facho para a minha frente. A luz refletiu na enorme carapaça metálica, de forma lenticular, da qual me aproximei com o coração batendo. Os queixumes vinham do outro lado. Dei a volta ao engenho, tropeçando nas ervas, picando-me nos espinhos, cambaleando, praguejando, flagelando as pernas, mas devorado por uma curiosidade que varreu o medo. Os gemidos tornaram-se mais distintos, e então encontrei-me perante uma porta metálica, um alçapão aberto para o interior da coisa.

A minha lâmpada iluminou uma passagem estreita, absolutamente nua, fechada por uma porta estanque de metal branco. No chão metálico jazia um homem — ou pelo menos o que de momento me pareceu um homem. Tinha uma longa cabeleira branca e pareceu-me vestir uma cota justa, de cor verde, que brilhava como seda.

De um ferimento da — cabeça caía, gota a gota, um sangue escuro. Quando me debruçava sobre ele, os gemidos cessaram, estremeceu e expirou.

Penetrei então até ao fim do corredor. A porta estanque estava unida, sem solução de continuidade, mas percebi, do lado direito, na altura da mão, um trinco avermelhado, que rodei. A porta abriu-se e um jorro de luz azulada ofuscou-me.

Tateando, dei dois passos em frente e senti a porta fechar-se atrás de mim.

Protegendo os olhos com a mão, abri-os lentamente e vi uma divisão hexagonal, com cerca de 5 metros de diâmetro e 2 metros de alto. As paredes estavam cobertas de estranhos aparelhos e, no centro, estirados em três poltronas, jaziam três seres, mortos ou desmaiados. Só então pude examiná-los cuidadosamente.

A primeira coisa de que tive a certeza foi de que não eram homens. A forma geral era análoga a da nossa espécie: corpo esbelto, com duas pernas e dois braços, e cabeça arredondada, assente num pescoço. Mas que grande diferença de pormenores! A estatura era mais graciosa do que a nossa, ainda que de maior talhe; as pernas muito longas e finas, bem como os braços; as mãos, grandes, possuíam sete dedos idênticos, dois dos quais, segundo mais tarde soube, são oponíveis. A fronte estreita e alta, os olhos enormes, o nariz curto, as orelhas minúsculas, a boca de finos lábios, o cabelo de um branco-platinado, davam á fisionomia um aspecto estranho. Mas o mais esquisito era a cor da pele, de um delicado verde-amêndoa, com reflexos sedosos. Como única vestimenta envergavam também uma cota de tecido verde, sob a qual se desenhava uma musculatura harmoniosa. Um dos três seres prostrados tinha uma mão ferida, donde corria um sangue verde que formava uma poça no chão.

Após uma ligeira indecisão aproximei-me do que estava mais perto da porta e toquei-lhe na face. Estava quente, resistente ao toque dos dedos. Desarrolhando o meu cantil, tentei fazê-lo beber um gole de vinho branco. A reação foi imediata.

Abriu os olhos, de um verde-opalino, olhando-me durante uns segundos, e, depois, erguendo-se rapidamente, correu para um dos aparelhos da parede.

Já tinha deixado de jogar rugby há alguns anos, mas creio que nunca consegui fazer uma placagem tão rápida na minha vida. Como um relâmpago, pensei que ele estava procurando uma arma, coisa que não o deixaria fazer. Resistiu pouco tempo, energicamente, mas sem grande fôrça. Como deixasse de se debater, larguei-o e ajudei-o a erguer-se. Foi então que a mais extraordinária das coisas se produziu: o indivíduo olhou-me de frente e senti formarem-se em mim pensamentos que me eram estranhos.

Sabe voce que desempenhei um papel de relevo naquela polêmica que há anos opôs os médicos deste departamento com aquele charlatão que pretendia curar alienados reeducando-lhes o cérebro por transmissão de pensamento. Tinha escrito sobre esse assunto dois ou três artigos que julguei definitivos, esclarecendo de uma vez para sempre o caso e rejeitando-o para a fileira das aldrabices sem fundamento.

Deve dizer-se que, agora, a minha confusão se misturava com algum despeito, e durante um ou dois segundos mandei mentalmente ao Diabo o ser que ali estava e me provara o meu erro Ele apercebeu-se disso e qualquer coisa, como uma expressão de espanto, assomou-lhe ao rosto. Eu tentava acalmá-lo, dizendo em voz alta que as minhas intenções eram pacíficas.

Voltando a cabeça, reparou no companheiro ferido, precipitou-se para ele, teve um gesto de impotência e, dirigindo-se para mim, perguntou-me se eu poderia fazer qualquer coisa. Não articulou uma única palavra, mas eu ouvi em mim uma voz sem timbre e sem inflexão Aproximei-me do ferido e, tirando do bolso um cordel e um lenço limpo, fiz um garrote. O sangue verde deixou de correr. Tentei então averiguar se não havia um médico na equipe. Só fui compreendido quando, no meu pensamento, substituí a palavra «médico» por «curador».

— Espero que não esteja morto — respondeu o ser de epiderme verde.

Saiu para o procurar. Regressou sozinho, mas fez-me saber que nos restantes compartimentos havia outros seus companheiros feridos. Quando eu me interrogava sobre o que havia de fazer, aquele que eu tratara veio a si, bem como os restantes, e vi-me rodeado por três estranhos que não pertenciam ao nosso mundo.

Não me ameaçaram. O primeiro explicou-lhes rapidamente o que se passara.

Percebi então que quando não se olhavam de frente, ou quando estavam um pouco afastados uns dos outros, a transmissão de pensamento não se fazia; nessas ocasiões falavam. A sua linguagem é uma série de sussurros modulados e muito rápidos.

Aquele que eu tinha reanimado, e cujo nome se poderá traduzir por Souilik, foi ao corredor e trouxe o cadáver do médico de bordo.