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Passamos por vastos átrios sem nos determos e Souilik introduziu-nos num enorme hangar, onde estava sendo construído um ksill de proporções titânicas: medindo mais de trezentos metros de diâmetro, com uma espessura de sessenta metros, não tinha a forma lentilhar clássica, mas sim a de um zimbório de cúpula abatida. Ficamos uns instantes a contemplá-Ia. Então Souilik nos disse:

— Eis a nossa futura nave, com que iremos reacender os sóis.

— Mas qual a razão destas dimensões e desta forma? — perguntei eu.

— São necessárias. O maquinismo que servirá para reacender os sóis é enorme e não pode ser lançado. Teremos, portanto, de aterrar sobre a superfície das estrelas mortas. Você sabe tão bem como eu que, nelas, a fôrça da gravidade é terrível, e, assim, ficaríamos esmagados sobre o nosso próprio peso se não dispuséssemos de um poderoso campo anti-gravítico Para gerar este campo será necessário despender uma energia fantástica. Por isso instalar-se-á uma verdadeira central neste ksill. A forma de zimbório permitirá uma resistência melhor ao seu próprio peso Mas, de qualquer forma, duvido muito que possamos ficar mais de um basike sobre um sol morto!

Vários meses passaram ainda. Pouco a pouco, me habituei à idéia de participar nesta expedição extraordinária. Os dias escoavam-se, muito calmos. Pelo menos, pareciam calmos. Mas nos Três Planetas tudo o que o universo tinha de cérebros prodigiosamente dotados trabalhava dia e noite na grande obra. As vezes, no entanto, punha-me a pensar, contemplando as tranquilas paisagens de Ella, que toda esta serenidade encobria uma atividade vertiginosa. E me sentia perdido, levado para longe, como um pobre ser sem destino.

No laboratório trabalhava com afinco. Me considerava como que uma espécie de enviado da Terra, o representante da nossa civilização, tão orgulhosa da sua técnica, ultrapassada — oh, quantas vezes! — em todos estes cantos do universo! Estava me parecendo que se fizesse uma descoberta importante afirmaria, desse modo, o meu direito de viver em Ella, deixando de ser um parente pobre, uma curiosidade, para me tornar um membro da comunidade das Terras humanas. Por isso lia até alta noite as publicações hiss e Ulna traduzia para mim os trabalhos sinzus. Graças sejam rendidas aos mestres terrestres: se os meus conhecimentos eram, muitas vezes, insuficientes, os métodos de trabalho eram bons, o que me permitiu assimilar rapidamente as noções necessárias.

O mais curioso é que, enquanto me atormentava daquele modo e gemia sobre a minha ignorância, os Hiss me consideravam já como um bom elemento e haviam colocado, desde há muito, sob as minhas ordens, alguns jovens biologistas. Apesar de a minha organização ser diferente, possuía, realmente, conhecimentos que eram novos para eles, Quanto aos Sinius, se é certo que desenvolveram extraordinariamente a física biológica — curam quase todas as doenças por irradiações apropriadas, tal como os Hiss —, tinham esquecido, ou negligenciado, a química. E foi precisamente neste aspecto que alcancei o resultado de que lhe falei: proteger durante algum tempo os Hiss contra as irradiações Milsliks.

O início da minha vida com Ulna não foi fácil. Os Sinzus são de uma susceptibilidade extrema e eu nem sempre sou paciente. Tínhamos de vencer o abismo que se abria entre as nossas educações, diferentes. Felizmente, o problema religioso não veio complicar as coisas: os Sinzus são agnósticos, tal como eu. Mas múltiplos pequenos pormenores nos indispunham um com o outro; por exemplo — coisa curiosa, para um povo tão cerimonioso —, os Sinzus comem com as mãos (e você pôde verificar, esta noite, que Ulna ainda não está completamente à vontade no uso do garfo); o hábito que tenho de trabalhar até altas horas parecia-lhe incompreensível, como também a minha repugnância em me levantar cedo. Pouco a pouco, estabeleceu-se entre nós um modus vivendi, e as Arborianas têm uma enorme vantagem sobre as suas irmãs da Terra: nunca nos ameaçam de voltar para casa das mães!

Certo dia, quando me aquecia ao sol como um lagarto, conversando com Ulna e Assila, uma sombra interpôs-se entre nós e o astro: era o enorme ksill que víramos em construção no planeta Marte. Conduzido por Souilik, descreveu graciosas evoluções, roçou o teto da minha casa e desapareceu no horizonte. Uma meia hora depois recebia uma mensagem de Azzlem me convocando para partir imediatamente.

Aterrei na esplanada. O enorme ksill balançava suavemente, pousado nas ondas, no extremo do embarcadouro. Souilik me aguardava sozinho.

— Não trouxe Essine? — perguntei.

— Não. Não poderá haver mulheres nesta aventura. Também você não trouxe Ulna!

— Quando partimos?

— Em breve. Ande, os Sábios querem ver você.

Azzlem e Assza nos receberam imediatamente. Azzlem começou abruptamente:

— Slair, vamos lhe pedir, mais uma vez, que leve a cabo uma perigosa missão.

Como você sabe, Souilik conseguiu que fosse incluído no estado-maior do ataque.

Não recusamos, porque não havia nenhum motivo para isso, mas também não julgávamos que seria particularmente útil. Ora dá-se o caso que, provavelmente, será você indispensável, pois já conhece o essencial do projeto: num ksill especial, vocês desembarcarão na superfície solidificada de um sol morto e aí colocarão um pesado aparelho, que vai despertar reações nucleares. Na verdade, parece que ultrapassamos ligeiramente os fins fixados: queríamos reacender simplesmente os sóis. Ocasionaremos explosões, sem dúvida. Mas os planetas que gravitam em sua volta serão também destruídos, ao mesmo tempo que os Milsliks. Tanto pior!

O problema é o seguinte: sobre a superfície dos sóis vocês estarão submetidos a uma gravidade dezenas de vezes mais forte que a de Ella se o ksill não estivesse munido de um dispositivo antigravítico. Mas esse dispositivo consome uma energia fantástica e só poderá funcionar cerca de meio basike. Será necessário que tudo esteja pronto nesse período de tempo, senão é o esmagamento sobre o próprio peso Por outro lado, uma parte do detonador — parte que, por agora, não pode ser dividida nem montada adiantadamente no corpo do aparelho — pesa demasiado, apesar dos nossos esforços, para ser manipulada por um Hiss ou por um Sinzu, nas condições a que vocês estarão submetidos.

— Os autômatos — disse eu. Azzlem deu um «ssii» de irritação.

— Você bem sabe que os autômatos não funcionam nos campos anti-gravíticos Pensamos, portanto, em utilizar a sua fôrça física. Aceita?

— É difícil recusar — exclamei.

— Vamos, portanto, colocar você num intenso campo de gravitação artificial, para ver se será capaz de manipular a tal peça e até que limites. O campo anti-gravítico que a aparelhagem do ksill poderia fornecer será, em duração, inversamente proporcional ao campo do sol morto. Será necessário agir o mais rápido possível.

Venha.

Penetrei pela primeira vez no laboratório de física.· Me vestiram um escafandro especial. Era armado em hastes de metal, articuladas nos joelhos, nos cotovelos e na cintura; o interior era como as combinações de vôo «anti-g» dos nossos aviadores supersônicos. Assim equipado, fui colocado numa plataforma de metal, sob uma cúpula de cobre. No chão estava uma peça metálica complicada. Me abaixei e ergui-a sem esfôrço. Sabia que isso seria quase impossível a um Hiss.

Assza dirigiu-se para um reóstato. — Atenção! Gravidade 2!

Me senti pesado. Erguer a peça foi mais custoso. Pouco a pouco, Assza aumentava a intensidade da gravidade. Então meus braços e pernas se tornaram de chumbo, a circulação se fazia dificilmente e o sangue refluía para os pés, apesar do escafandro.

Depois veio o «véu negro», bem conhecido dos nossos aviadores. Mas, mesmo antes de ele se ter produzido, já não conseguira erguer a peça. Lentamente, Assza levou a gravidade até ao normal.