Em vão aguardamos os outros ksills. Dos trezentos membros de seis tripulações, um só sobreviveu, a Kren Barassa, que, mais tarde, nos confirmou o relato do livro de bordo. Do seu lado, os kaïens tiveram oitenta e sete mortos na catástrofe.
Regressamos a Ella. Durante dois meses o Conselho dos Mundos estudou os novos dados do problema. Nós chegamos a esta conclusão (e digo «nós» porque desta vez participei da assembléia, não como Terrestre, mas como Hiss): para o futuro as expedições deviam ser efetuadas por ksills gigantes escoltados por uma multidão de pequenos ksills do tipo de Ulna-ten-Sillon, que destruiriam as colunas Milsliks nos planetas, enquanto o grande ksill largaria o kilsim sobre a estrela morta. Mas para afrontar sem grossas perdas os Milsliks os pequenos ksills deviam ser tripulados por Sinzus ou… Terrestres!
EPÍLOGO
O meu relato chega ao fim. Fiz ainda duas expedições.
A primeira visou o sistema solar onde o n° 8 tinha sido atingido. Desta vez o ksill pilotado por Souilik lançou sobre o sol morto um kilsim que funcionou porque cem pequenos ksills tinham atacado simultaneamente os planetas e destruído as colunas com explosões de bombas infra-nucleares Eu encabeçava-os, no Ulna-ten-Sillon:
No regresso da segunda expedição fui convocado pelo Conselho dos Sábios, que me fez a seguinte e estranha proposta:
Não se podia pensar em tomar contacto oficial com a Terra no estado atual de evolução da nossa civilização. Os Hiss tinham tentado, outrora, impor a paz em planetas onde a guerra ainda se travava. De cada uma dessas vezes eles próprios tinham se encontrado em guerra com esses planetas Daí ter surgido a «lei de exclusão». Assim, propunham que eu voltasse pra Terra e procurasse voluntários para emigrar para um planeta virgem de Stéfan-Théséon, a nove anos-luz de Ella. Aí poderiam crescer em quantidade até que fossem suficientemente numerosos para participar eficazmente da luta. O tempo pouco importava, porque, de qualquer forma, ela duraria milênios.
Fui com Souilik e Ulna ver esse planeta É ligeiramente maior do que a Terra, mas não o suficiente para que a gravitação seja perturbadora para nós. É povoado de animais, dos quais nenhum é perigoso nem repugnante. A vegetação é verde, como aqui, o clima agradável e há duas luas, montanhas, oceanos. Aceitei.
E foi por isso que regressei, após uma ausência de três anos.
E aqui, nesta minha casa, já não me sinto bem. Também já não me sinto Terrestre. Creio que Souilik tem razão: me tornei mais Hiss do que os Hiss.
O ksill me deixou, de noite, na clareira do Magnou, há seis meses. Parti imediatamente em viagem pelo estrangeiro e regressei dois meses mais tarde para receber Ulna, que, como eu, chegou de noite, mas que consta ter vindo da Finlândia.
Já me avistei com uma centena de pessoas em diversos países. Muitas delas aceitaram e partirão.
— Mas — disse eu — você me afirmou que tinha estado três anos ausente e, no entanto, me dissera antes que a sua partida se tinha verificado em Outubro último!
— Assim é. Eu, para os Terrestres, só estive ausente dois dias. Foi para os Sábios um terrível quebra-cabeças fazer o cálculo desta viagem de regresso quando lhes disse que para cumprir eficazmente a minha missão era necessário que eu não tivesse desaparecido da Terra mais do que alguns dias! A passagem no ahun permite, em certas condições e à custa de um consumo fantástico de energia, viajar no Tempo, em estreitos limites, de resto. Não sei como eles o conseguiram. Tudo o que sei é que vivi três anos em Ella, que tenho agora trinta e cinco anos, apesar de ter nascido apenas um mês antes de você e que você tem trinta e dois; que parti a 5 de Outubro e regressei a 8 do mesmo mês. Mas os Sábios explicarão, se você vier.
— O quê? Você está me propondo ir também?
— E porque não? Você está sozinho no mundo, presentemente. E para um físico entusiasta…
— Terei muito a aprender — exclamei amargamente.
— Aprenderá depressa com os métodos semi-hipnóticos dos Hiss. Pense nisso! O universo, o universo para nós!
Clair calou-se. Apenas se ouvia o tiquetaque do velho relógio de pesos. Fiquei mudo, atordoado por este fantástico relato e pelas surpreendentes possibilidades que se abriam diante de mim, ainda meio incrédulo.
Pouco depois Clair prosseguiu:
— E pronto. Não sei muito bem onde fui. A única coisa certa é que os Hiss vivem no mesmo universo que nós no sentido lato. E os Milsliks também. Neles reside a ameaça, tanto para nós como para os outros.
A única prova que tenho da minha viagem, além das fotografias que posso mostrar, ei-la: Ulna. Ulna, a Andrômeda, nascida a oitocentos mil anos-luz daqui, no planeta Arbor, da estrela Apher, o único mundo conhecido onde, como na Terra — se exceptuarmos o mundo selvagem descoberto por Souilik —, os habitantes têm sangue vermelho e são insensíveis ante a mortal irradiação dos Milsliks, «os que extinguem estrelas».
Partira há seis meses, estava de regresso três dias depois e, durante esse tempo, vivi três anos em Ella, visitei uma Galáxia Maldita e enfrentei os Milsliks. Fiz parte dos torpedeiros de sóis mortos e tornei contacto, em Réssan, com os embaixadores da Liga das Terras Humanas. Sem Ulna eu acreditaria que era o sonho de um louco e iria me meter nas mãos de um psiquiatra. Mas não, ia me esquecendo. Há o hassrn, que você viu há pouco no meu laboratório — não negue, você não sabe mentir. Não deixarei aquilo na Terra. Oh, eu sei! Com ele poderia se libertar a humanidade da maioria das doenças. Me servi dele para curar a irmã do nosso amigo Lapeyre, que morria lentamente de um câncer Mas bastava que o segredo caísse nas mãos dos políticos ou dos militares para que se transformasse na mais terrível máquina de guerra. Os raios abióticos diferenciais… Não, mais tarde. Vigiaremos a Terra, e quando ela estiver finalmente pacificada… A menos que seja o exemplo de Aour e Gen e que tudo o que reste, no fim de contas, do homem terrestre seja uma estátua, na casa de um jovem explorador do Céu.
Clair ficou por um momento silencioso e depois soltou um risinho:
— Estou me perguntando o que dirão os governantes quando verificarem estes desaparecimentos entre o escol dos seus povos. Vão se acusar uns aos outros… Mas eu não tenho nenhuma razão para reservar a «Nova Terra» a um único povo!
— Três horas da manhã. São horas de dormir. Reflita bem.
— Tenho de estar amanhã de noite em Paris — disse eu.
— Oh! A resposta não requer pressa. Vou ficar ainda alguns meses na Terra. De resto, voltarei aqui de vez em quando. Ah! um pormenor cômico: devolvi o bloco.de tungstênio emprestado ao meu antigo cliente. Ele nem suspeita que guarda cuidadosamente na gaveta o produto de um laboratório de Réssan!
Não sei o que fiz para adormecer nessa madrugada. Me levantei às 7 horas. Clair e a sua mulher me esperavam na sala de jantar. Tudo o que ouvira na noite passada parecia um sonho longínquo, inacreditável, na claridade do dia. Fui obrigado a olhar a mão estreita de Ulna e a pensar na prova que levava na minha mala, registada em fita magnética.
Comi rapidamente Quando apertava a mão de Clair, Ulna disse algumas palavras, numa língua sonora, me estendendo um pequeno embrulho.
— Ulna lhe oferece isso para a mulher com quem você se casar, no caso de não querer vir conosco — explicou Clair. É um presente de Arbor à Terra. Me escreva sobre o que decidir.
— Combinado. Você sabe que tudo isto ainda é muito recente. Preciso ouvir ainda uma ou duas vezes o seu relato.
Parti. Parei a alguns quilômetros e abri o embrulho. Continha um anel de metal branco com um esplêndido diamante talhado em estrela de seis pontas.
No dia seguinte estava de novo no laboratório, envolvido na rotina diária. Todas as noites ligava o meu magnetofone até ter aprendido de cor o relato de Clair.