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pensamento, tive monstros e medos com que arcar. No caminho para o abismo abstracto, que está no fundo das coisas, há horrores, que passar, que os homens do mundo não imaginam e medos que ter que a experiência humana não conhece; é mais humano talvez o cabo para o

lugar indefinido do mar comum do que a senda abstracta para o vácuo do mundo."

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127.

"Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista,

entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me

parece melhor a minha ideia de os achar belos.

Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos."

"Eu não sou pessimista, sou triste."

132.

"Omnia fui, nihil expedit - fui tudo, nada vale a pena."

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133.

"Para mim, se considero, pestes, tormentas, guerras, são produtos da mesma força cega, operando uma vez através de micróbios inconscientes, outra vez através de raios e águas inconscientes, outra vez através de homens inconscientes."

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138.

"Há uma erudição do conhecimento, que é propriamente o que se chama erudição, e há uma erudição do entendimento, que é o que se chama cultura. Mas há também uma erudição da

sensibilidade."

"Condillac começa o seu livro célebre, «Por mais alto que subamos e mais baixo que desçamos, nunca saímos das nossas sensações». Nunca desembarcamos de nós. Nunca

chegamos a outrem, senão outrando-nos pela imaginação sensível de nós mesmos. As

verdadeiras paisagens são as que nós mesmos criamos, porque assim, sendo deuses delas, as vemos como elas verdadeiramente são, que é como foram criadas. Não é nenhuma das sete

partidas do mundo aquela que me interessa e posso verdadeiramente ver; a oitava é a que percorro e é a minha."

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139.

"Há muito tempo que não escrevo. Têm passado meses sem que viva, e vou durando, entre o escritório e a fisiologia, numa estagnação íntima de pensar e de sentir. Isto, infelizmente, não repousa: no apodrecimento há fermentação."

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144.

"É domingo e não tenho que fazer. Nem sonhar me apetece, de tão bem que está o dia. Gozo-o com uma sinceridade de sentidos a que a inteligência se abandona. Passeio como um caixeiro liberto. Sinto-me velho, só para ter o prazer de me sentir rejuvenescer."

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148.

"O homem perfeito do pagão era a perfeição do homem que há; o homem perfeito do cristão a perfeição do homem que não há; o homem perfeito do budista a perfeição de não haver

homem."

"Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de

todo. Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido de que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos."

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149.

"Não é fácil distinguir o homem dos animais, não há critério seguro para distinguir o homem dos animais. As vidas humanas decorrem da mesma íntima inconsciência que as vidas dos

animais. As mesmas leis profundas, que regem de fora os instintos dos animais, regem,

também, de fora, a inteligência do homem, que parece não ser mais que um instinto em

formação, tão inconsciente como todo instinto, menos perfeito porque ainda não formado.

«Tudo vem da sem-razão», diz-se na Antologia Grega."

"A Ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente. E a ironia atravessa dois estádios: o estádio marcado por Sócrates, quando disse «sei só que nada sei», e o estádio marcado por Sanches, quando disse «nem sei se nada sei». O primeiro passo chega àquele

ponto em que duvidamos de nós dogmaticamente, e todo o homem superior o dá e atinge. O

segundo passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós e da nossa dúvida, e poucos

homens o têm atingido na curta extensão já tão longa do tempo que, humanidade, temos visto o sol e a noite sobre a vária superfície da terra."

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152.

"Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de

perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma

para suspender. Este livro é a minha cobardia."

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155.

"Escrevo demorando-me nas palavras, como por montras onde não vejo, e são meios-sentidos, quase-expressões o que me fica, como cores de estofos que não vi o que são, harmonias

exibidas compostas de não sei que objectos. Escrevo embalando-me, como uma mãe louca a

um filho morto."