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— Também tem mingau — disse ele, e piscou o olho, aparentemente para incluir Mortimer na conspiração mundial do mingau.

— Desculpe — pediu Mort. — Mas onde exatamente eu estou?

— Você não sabe? Esta é a casa do Morte, rapaz. Ele o trouxe para cá ontem à noite.

— Eu... meio que me lembro. Só que...

— O quê?

— Bem. Esses ovos com bacon — disse, parecendo confuso. — Não parecem apropriados.

— Tem mortadela — ofereceu Albert.

— Não, não é isso... — retrucou Mort, hesitante. — Só não consigo ver o Morte comendo tiras de bacon e ovo frito.

Albert sorriu.

— Ah, ele não come. Não com regularidade. Fácil servir ao patrão. Só cozinho para mim e... para a jovem, é claro.

Mortimer assentiu.

— Sua filha — disse.

— Minha? Ah! — exclamou Albert. — Engano seu. Dele.

Mortimer olhou os ovos fritos. Eles retribuíram o olhar em meio à poça de gordura. Albert já ouvira falar de valores nutritivos e achava tudo uma bobagem.

— Estamos nos referindo à mesma pessoa? — perguntou Mort, afinal. — Alto, de roupa preta, meio... magro...

— Adotada — explicou Albert. — É uma longa história...

Um sino tocou.

— ... que vai ter de ficar pra depois. Ele quer ver você no gabinete. Melhor correr. O patrão não gosta de esperar. Compreensível, não? Subindo a escada, primeira porta à esquerda. É fácil...

— Tem caveiras e ossos ao redor? — perguntou Mort, empurrando a cadeira para trás.

— Todas têm, a maioria delas — suspirou Albert. — É só mania dele. Não existe nenhum significado oculto.

Deixando o café da manhã esfriar, Mortimer subiu a escada e atravessou o corredor às pressas, detendo-se em frente à primeira porta. Suspendeu a mão para bater na madeira.

— Entre.

A maçaneta se virou por livre e espontânea vontade. A porta se abriu.

Morte estava sentado atrás de uma mesa, examinando um enorme livro de couro, quase maior do que a própria mesa. Quando Mortimer entrou, ele ergueu a cabeça, mantendo um dedo calcário para marcar o lugar, e sorriu. Não havia alternativa.

— AH — disse, e parou.

Então coçou o queixo, fazendo ruído semelhante ao de unha raspando em pente.

— QUEM É VOCÊ, GAROTO?

— Mort, senhor — respondeu Mort. — Seu aprendiz. Lembra?

 Morte encarou-o durante algum tempo. Então os olhos azuis se voltaram para o livro.

— AH, SIM — disse ele. — MORT. BOM, GAROTO, VOCÊ REALMENTE QUER APRENDER OS MAIORES SEGREDOS DO TEMPO E DO ESPAÇO?

— Quero, senhor. Eu acho, senhor.

— ÓTIMO. O ESTÁBULO FICA NOS FUNDOS. A PÁ DEVE ESTAR PENDURADA NA PORTA.

Ele olhou para baixo. Olhou para cima. Mortimer não se mexera.

— SERÁ POSSÍVEL QUE NÃO TENHA ENTENDIDO?

— Não completamente, senhor — admitiu Mort.

— ESTERCO, GAROTO. ESTERCO. ALBERT MANTÉM O MONTE DE ADUBO NO JARDIM. EM ALGUM LUGAR DA CASA, DEVE TER UM CARRINHO DE MÃO. AGORA PODE IR.

Mortimer assentiu, com tristeza.

— Sim, senhor. Entendi, senhor. Senhor?

— HÃ?

— Não sei o que isso tem a ver com os segredos do tempo e do espaço.

Morte não tirou os olhos do livro.

— ISSO — respondeu ele — É PORQUE VOCÊ ESTÁ AQUI PARA APRENDER.

É fato que embora seja, em suas próprias palavras, uma PERSONIFICAÇÃO ANTROPOMÓRFICA, o Morte do Discworld havia muito tempo deixara de usar os tradicionais cavalos esqueléticos por causa da chateação de ter de ficar parando o tempo todo a fim de juntar os pedaços. Agora seus cavalos eram sempre animais de carne e osso, vindos das mais nobres linhagens.

E muito bem alimentados, como descobriria Mortimer.

Alguns empregos oferecem incrementos. Este oferecia... o oposto, mas pelo menos ficava num lugar quente e era fácil de aprender. Depois de algum tempo, ele entrou no ritmo e começou a brincar daquele joguinho secreto de dividir as quantidades, que todo mundo joga nessas situações. Vejamos, pensou ele, já fiz quase um quarto; se considerarmos um terço, então, quando eu terminar aquele canto perto da manjedoura, vai ser mais da metade, digamos que cinco oitavos, o que significa mais três carrinhos cheios... Isso não prova quase nada além de que o magnífico esplendor do universo fica mais fácil de ser assimilado quando pensamos nele como uma série de pequenas partes.

Da baia, o cavalo o fitava, às vezes tentando lhe comer o chapéu.

Depois de algum tempo, Mortimer se deu conta de que mais alguém o observava. Ysabell estava escorada na meia-porta, com o queixo entre as mãos.

— Você é empregado? — perguntou ela.

Mortimer se enrijeceu.

— Não — respondeu, afinal. — Sou aprendiz.

— Bobagem. Albert disse que você não pode ser aprendiz.

Mortimer se concentrou em jogar a pá cheia no carrinho de mão. Mais duas pás, são três se estiverem bem cheias, e isso significa mais quatro carrinhos, tudo bem, digamos que cinco, para eu terminar metade do...

— Ele disse —. prosseguiu Ysabell, elevando o tom de voz — que aprendiz vira mestre, e não pode existir mais de um Morte. Então você não passa de um criado e tem de fazer o que eu mandar.

... e depois oito carrinhos a mais significa que está tudo acabado até a porta, que é quase dois terços do serviço completo, o que vale dizer...

— Ouviu o que eu falei, menino?

Mortimer assentiu. E então vão ser mais catorze carrinhos, só que podemos considerar quinze, porque não varri muito bem no canto e...

— Perdeu a língua?

— Mort — disse Mort, com doçura. Ela o encarou, furiosa.

— O quê?

— Meu nome é Mort — repetiu ele. — Ou Mortimer. Quase todo mundo me chama de Mort. Quer falar alguma coisa comigo?

Por um instante, ela ficou muda, correndo os olhos do rosto dele para a pá e de volta para o rosto.

— Só que me pediram para fazer isso aqui — advertiu Mort.

Ela explodiu.

— Por que você está aqui? Por que papai trouxe você para cá?

— Ele me contratou na feira de empregos — respondeu Mort. — Todos os meninos foram contratados. Eu também.

— E você quis? — insistiu ela. — Ele é o Morte, sabia? O Ceifeiro Implacável. Ele é muito importante. Não é nada que se possa virar, apenas ser.

Mortimer acenou vagamente em direção ao carrinho de mão.

— Eu espero que tudo acabe bem — retrucou. — Meu pai sempre diz que em geral é o que acontece.

Pegou a pá, virou-se e sorriu para o traseiro do cavalo ao ouvir Ysabell gemer e se retirar.

Mortimer cumpriu toda a série de frações em que havia dividido o trabalho, conduzindo o carrinho de mão até o monte próximo à macieira.

O jardim do Morte era grande, limpo e bem cuidado. Também era muito, muito preto. A grama era preta. As flores eram pretas. Maçãs negras brilhavam entre as negras folhas da macieira negra. Até o ar parecia escuro.

Depois de algum tempo, Mortimer pensou ver — não, ele não poderia imaginar estar vendo — diferentes matizes de preto.

Quer dizer, não apenas tons muito escuros de vermelho, verde ou o que fosse, mas verdadeiras nuanças de preto. Todo um espectro de cores, todas diferentes e todas... pretas. Mortimer despejou a última carga, deixou o carrinho de lado e voltou para casa.

— ENTRE.

Morte estava parado atrás de uma estante, analisando um mapa. Olhou para Mortimer como se ele não estivesse de todo ali.

— POR ACASO, VOCÊ JÁ OUVIU FALAR DA BAÍA DE MANTE? — perguntou.

— Não, senhor — respondeu Mort.

— UM NAUFRÁGIO FAMOSO.

— Foi?