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Na verdade, foi provavelmente o mais extraordinário dos livros publicados pelas grandes editoras de Ursa Menor - editoras das quais nenhum terráqueo jamais ouvira falar, também.

O livro é não apenas uma obra extraordinária como também um tremendo best- seller - mais popular que a Enciclopédia Celestial do Lar, mais vendido que Mais Cinqüenta e Três Coisas para se Fazer em Gravidade Zero, e mais polêmico que a colossal trilogia filosófica de Oolonn Colluphid, Onde Deus Errou, Mais Alguns Grandes Erros de Deus e Quem É Esse Tal de Deus Afinal?

Em muitas das civilizações mais tranqüilonas da Borda Oriental da Galáxia, O

Guia do Mochileiro das Galáxias já substituiu a grande Enciclopédia Galáctica como repositório-padrão de todo conhecimento e sabedoria, pois ainda que contenha muitas omissões e textos apócrifos, ou pelo menos terrivelmente incorretos, ele é

superior à obra mais antiga e mais prosaica em dois aspectos importantes. Em primeiro lugar, é ligeiramente mais barato; em segundo lugar, traz impressa na capa, em letras garrafais e amigáveis, a frase NÃO ENTRE EM PÂNICO. Mas a história daquela quinta-feira terrível e idiota, a história de suas extraordinárias conseqüências, a história das interligações inextricáveis entre estas conseqüências e este livro extraordinário - tudo isso teve um começo muito simples. Começou com uma casa.

Capítulo 1

A casa ficava numa pequena colina bem nos limites de uma vila, isolada. Dela se tinha uma ampla vista das fazendas do oeste da Inglaterra. Não era, de modo algum, uma casa excepcional - tinha cerca de 30 anos, era achatada, quadrada, feita de tijolos, com quatro janelas na frente, cujo tamanho e proporções pareciam ter sido calculados mais ou menos exatamente para desagradar a vista.

A única pessoa para quem a casa tinha algo de especial era Arthur Dent, e assim mesmo só porque ele morava nela. Já morava lá há uns três anos, desde que resolvera sair de Londres porque a cidade o deixava nervoso e irritado. Também tinha cerca de 30 anos; era alto, moreno e quase nunca estava em paz consigo mesmo. O que mais o preocupava era o fato de que as pessoas viviam lhe perguntando por que ele parecia estar tão preocupado. Trabalhava na estação de rádio local, e sempre dizia aos amigos que era um trabalho bem mais interessante do que eles imaginavam. E era, mesmo - a maioria de seus amigos trabalhava em publicidade.

Na noite de quarta-feira tinha caído uma chuva forte, e a estrada estava enlameada e molhada, mas na manhã de quinta um sol intenso e quente brilhou sobre a casa de Arthur Dent pelo que seria a última vez.

Arthur ainda não havia conseguido enfiar na cabeça que o conselho municipal queria derrubá-la e construir um desvio no lugar dela. Às oito horas da manhã de quinta-feira, Arthur não estava se sentindo muito bem. Acordou com os olhos turvos, levantou-se, andou pelo quarto sem enxergar direito, abriu uma janela, viu um trator, encontrou os chinelos e foi até

o banheiro.

Pasta na escova de dentes - assim. Escovar.

Espelho móvel - virado para o teto. Arthur ajustou-o. Por um momento, o espelho refletiu um segundo trator pela janela do banheiro. Arthur reajustouo, e o espelho passou a refletir o rosto barbado de Arthur Dent. Ele fez a barba, lavou o rosto, enxugou-o e foi até a cozinha em busca de alguma coisa agradável para pôr na boca.

Chaleira, tomada, geladeira, leite, café. Bocejo.

A palavra trator vagou por sua mente, procurando algo com o que se associar.

O trator que estava do outro lado da janela da cozinha era dos grandes. Arthur olhou para ele.

"Amarelo", pensou, e voltou ao quarto para se vestir. Ao passar pelo banheiro, parou para tomar um copo d'água, e depois outro. Começou a desconfiar que estava de ressaca. Por que a ressaca? Teria bebido na véspera?

Imaginava que sim. Olhou de relance para o espelho móvel. "Amarelo", pensou, e foi para o quarto.

Ficou parado, pensando. "O bar", pensou. "Ah, meu Deus, o bar." Tinha uma vaga lembrança de ter ficado irritado com algo que parecia importante. Falara com as pessoas a respeito, e na verdade começava a achar que tinha falado demais: a imagem mais nítida em sua memória era a dos rostos entediados das pessoas a seu redor. Tinha algo a ver com um desvio a ser construído, e ele acabara de descobrir isso. A obra estava planejada há meses, só

que ninguém sabia de nada. Ridículo. Arthur tomou um gole d'água. "A coisa ia se resolver; ninguém queria aquele desvio, o conselho estava completamente sem razão. A coisa ia se resolver", pensou ele.

Mas que ressaca terrível. Olhou-se no espelho do armário. Pôs a língua para fora. "Amarelo", pensou. A palavra amarelo vagou por sua mente, procurando algo com o que se associar.

Quinze segundos depois, Arthur estava fora da casa, deitado no chão, na frente de um trator grande e amarelo que avançava por cima de seu jardim. O Sr. L. Prosser era, como dizem, apenas humano. Em outras palavras, era uma forma de vida bípede baseada em carbono e descendente de primatas. Para ser mais específico, ele tinha 40 anos, era gordo e desleixado e trabalhava no conselho municipal. Curiosamente, embora ele desconhecesse este fato, era também descendente direto, pela linhagem masculina, de Gengis Khan, embora a sucessão de gerações e a mestiçagem houvessem misturado de tal modo sua carga genética que ele não possuía nenhuma característica mongol, e os únicos vestígios daquele majestoso ancestral que restavam no Sr. L. Prosser eram uma barriga pronunciada e uma predileção por chapeu-zinhos de pele. Ele não era em absoluto um grande guerreiro: na verdade, era um homem nervoso e preocupado. Naquele dia estava particularmente nervoso e preocupado porque tivera um problema sério com seu trabalho, que consistia em retirar a casa de Arthur Dent do caminho antes do final da tarde.

- Desista, Sr. Dent, o senhor sabe que é uma causa perdida. O senhor não vai conseguir ficar deitado na frente do trator o resto da vida. - Tentou assumir um olhar feroz, mas seus olhos não eram capazes disso.

Deitado na lama, Arthur respondeu:

- Está bem. Vamos ver quem é mais chato.

- Infelizmente, o senhor vai ter que aceitar - disse o Sr. Prosser, rodando seu chapéu de pele no alto da cabeça. - Esse desvio tem que ser construído e vai ser construído!

- Primeira vez que ouço falar nisso. Por que é que tem que ser construído?

O Sr. Prosser sacudiu o dedo para Arthur por algum tempo, depois parou e retirou o dedo.

- Como assim, "por que deve ser construído"? Oral - exclamou ele. - É um desvio. É necessário construir desvios.

Os desvios são vias que permitem que as pessoas se desloquem bem depressa do ponto A ao ponto B ao mesmo tempo que outras pessoas se deslocam bem depressa do ponto B ao ponto A. As pessoas que moram no ponto C, que fica entre os dois outros, muitas vezes ficam imaginando o que tem de tão interessante no ponto A para que tanta gente do ponto B queira muito ir para lá, e o que tem de tão interessante no ponto B para que tanta gente do ponto A queira muito ir para lá. Ficam pensando como seria bom se as pessoas resolvessem de uma vez por todas onde é que elas querem ficar. O Sr. Prosser queria fica no ponto D. Este ponto não ficava em nenhum lugar específico, era apenas um ponto qualquer bem longe dos pontos A, B e C. O Sr. Prosser teria uma bela casinha de campo no ponto D, com machados pregados em cima da porta, e se divertiria muito no ponto E, o bar mais próximo do ponto D. Sua mulher, naturalmente, queria uma roseira trepadeira, mas ele queria machados. Ele não sabia por quê. Só sabia que gostava de machados. O Sr. Prosser sentiu seu rosto ficar vermelho ante aos sorrisos irônicos dos operadores do trator.