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— O chapéu também nos avisou que vocês chegariam em breve — disse o vizir, inclinando-se ligeiramente para Rincewind.

— Eu… quer dizer, o xerinfe achou que vocês poderiam nos falar mais sobre esse artefato maravilhoso?

Existe um tom de voz conhecido como interrogativo, e o vizir o estava usando. Uma leve inflexão das palavras sugeria que, se ele não ficasse rapidamente sabendo mais sobre o chapéu, pensaria em várias atividades em que palavras como “facas” e “afiadas” apareceriam. Obviamente, todo grande vizir fala assim a maior parte do tempo. Deve haver uma escola em algum lugar.

— Nossa, estou contente que vocês o tenham achado — entusiasmou-se Rincewind. — Esse chapéu é gngngnh…

— O quê? — perguntou Abrim, acenando para que dois guardas se adiantassem. — Não entendi o que vinha depois que a moça… — ele curvou a cabeça para Conina — … acotovelou sua orelha.

— Eu acho — disse Conina, com educação e, ao mesmo tempo, firmeza — que é melhor vocês nos levarem até ele.

Cinco minutos depois, no depósito de tesouros do xerinfe, o chapéu dizia:

Até que enfim. Por que demoraram tanto?

É numa hora dessas, com Rincewind e Conina provavelmente prestes a serem vítimas de um ataque assassino, Coin prestes a falar aos magos de traição, e o Disco prestes a cair em plena ditadura mágica, que vale a pena mencionar a questão da poesia e da inspiração.

Por exemplo, em seu extravagante bosquete, o xerinfe acabou de virar as páginas do caderno para revisar versos que começam assim:

Acorda! Pois chegou a alvorada afastando de todo a noite estrelada.

… e suspirou, porque os versos pungentes que lhe cruzam a mente nunca saem exatamente como ele quer. Na realidade, é impossível que um dia venham a sair.

Infelizmente, esse tipo de coisa acontece o tempo todo.

É fato conhecido em todos os mundos multidimensionais do universo que a maioria das descobertas realmente importantes se deve a um momento breve de inspiração. Há sempre muito trabalho preliminar, evidentemente, mas o que fecha a questão é sempre a visão, digamos, de uma maçã caindo, de uma chaleira fervendo ou de água transbordando na banheira. Alguma coisa estala na cabeça do observador, e tudo se encaixa. Dizem que o formato do DNA deve sua descoberta à visão fortuita de uma escada em caracol no momento em que a mente do cientista se encontrava na temperatura certa. Se ele tivesse usado o elevador, todo o estudo da genética poderia ter sido bem diferente.[15]

Todo mundo acha isso maravilhoso. Não é. É trágico. As pequenas partículas de inspiração correm pelo universo o tempo todo, atravessando a matéria mais densa como o neutrino passaria por um monte de algodão-doce, e a maioria delas se perde.

Ainda pior, a maior parte das que atingem o cérebro atinge-no de forma errada.

Por exemplo, o estranho sonho de uma rosca de chumbo numa grua de 600 metros, que na mente certa seria o catalisador para a invenção da produção de eletricidade gravitacional reprimida (um tipo de energia não poluente, barata e inesgotável, que o mundo em questão vinha procurando havia séculos e por cuja falta estava mergulhado numa guerra terrível e absurda), foi, de fato, sonhado por um patinho assustado.

Por outro golpe de má sorte, a visão de uma manada de cavalos brancos galopando pelo campo de jacintos silvestres teria levado um compositor em dificuldades a escrever a famosa Séquito do deus voador, trazendo alívio e conforto às almas de milhões de indivíduos, se ele não estivesse em casa com herpes-zoster. A inspiração, por isso, caiu num sapo, ali perto, que não se encontrava em posição de fazer nenhuma contribuição brilhante para o campo da poesia sinfônica.

Muitas civilizações reconheceram esse desperdício terrível e experimentaram vários métodos para impedi-lo, a maioria dos quais envolvia tentativas agradáveis porém ilícitas de sintonizar a mente ao canal certo, com o uso de ervas exóticas ou produtos de levedo. Nunca funciona direito.

Creosoto, que sonhava com a inspiração de um poema magistral sobre a vida e a filosofia, e sobre como elas parecem melhor depois de uma taça de vinho, estava de mãos atadas por possuir tanto talento poético quanto uma hiena.

É um mistério por que os deuses permitem que esse tipo de coisa continue.

Na verdade, o lampejo de inspiração necessário para explicar essas coisas clara e precisamente já aconteceu, mas a criatura que o recebeu — um passarinho — jamais conseguiu tornar clara a proposição, mesmo depois de exaustivas mensagens cifradas no alto de garrafas de leite. Por estranha coincidência, um filósofo que vinha devotando noites insones ao mesmo mistério acordou, naquela manhã, com uma nova idéia maravilhosa de como pegar alpiste nos recipientes.

O que nos leva à questão da magia.

Nos sombrios confins do espaço interestelar, uma única partícula de inspiração vem se movimentando alheia ao seu destino, o que não tem muita importância, porque seu destino é atingir, dentro de poucas horas, uma minúscula área da mente de Rincewind.

Já seria um destino cruel mesmo se o centro criativo de Rincewind fosse de um tamanho decente, mas o carma da partícula havia lhe conferido a proeza de acertar um alvo em movimento do tamanho de uma pequena uva passa, várias centenas de anos-luz distante. A vida pode ser bem difícil para uma pequena partícula subatômica num universo tão grande.

Se ela der conta do recado, no entanto, Rincewind terá uma idéia filosófica séria. Se não der, um tijolo próximo terá um insight importante, com o qual não estará nem um pouco aparelhado para lidar.

O palácio do xerinfe, conhecido como Rhoxie, ocupava a maior parte do centro de Al Khali que já não era ocupada pelo bosque. Quase tudo que se ligava a Creosoto era envolto em lendas, e dizia-se que o palácio abobadado e cheio de colunas possuía mais cômodos do que qualquer homem conseguiria contar. Rincewind não sabia em que número estava.

— E magia, não é? — perguntou Abrim, o vizir.

Ele cutucou Rincewind na altura das costelas.

— Você é mago — continuou. — Diga o que ele faz.

— Como sabe que sou mago? — alarmou-se Rincewind.

— Está escrito no seu chapéu — informou o vizir.

— Ah.

— E você estava com ele no barco. Meus homens viram.

— O xerinfe emprega traficantes de escravos? — surpreendeu-se Conina. — Não me parece nada simples.

— Ah não, eu é que emprego os traficantes de escravos. Afinal, sou vizir — justificou Abrim. — É o que se espera de mim.

Ele analisou a menina, depois acenou para dois guardas.

— O atual xerinfe é muito literário — disse. — Eu, por outro lado, não sou. Levem-na ao harém, embora — ele rolou os olhos e soltou um suspiro irritado — eu tenha certeza de que sua única sina lá será o tédio e, talvez, dor de garganta.

Virou-se para Rincewind.

— Não diga nada — ordenou. — Não mexa as mãos. Não tente nenhum ato súbito de magia. Estou protegido por amuletos poderosíssimos.

— Espere aí… — começou Rincewind.

Mas Conina interveio:

— Tudo bem. Eu sempre quis saber como era um harém.

Rincewind ficou abrindo e fechando a boca sem produzir nenhum som. Por fim, conseguiu perguntar:

— Jura?

Ela mexeu a sobrancelha. Provavelmente, era algum tipo de sinal. Rincewind achou ter entendido, mas sentimentos estranhos se agitavam nas profundezas do seu ser. Eles não chegariam a torná-lo corajoso, mas estavam-no deixando enfurecido. Em velocidade acelerada, o diálogo por trás de seus olhos seguia assim:

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15

Embora, possivelmente, mais rápido. E com capacidade para levar apenas catorze pessoas.