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— Eu posso usar a fonticeria — afirmou Abrim.

O mago rosnou e arremessou uma bola de fogo, que explodiu inofensivamente a alguns centímetros do sorriso medonho do vizir.

O ar de perplexidade instaurou-se no rosto do mago. Ele tentou mais uma vez, enviando raios fumegantes de magia em direção ao coração de Abrim. Abrim os aparou.

— Você tem duas opções — anunciou o vizir. — Junta-se a mim ou morre.

Foi a essa altura que Rincewind se deu conta de um ruído baixo próximo ao seu ouvido. Tinha uma ressonância metálica.

Ele deu meia-volta e experimentou a desagradável e familiar sensação de que o Tempo desacelerava à sua volta.

Morte parou de passar a pedra de amolar na lâmina da foice e cumprimentou-o com a cabeça, como entre profissionais.

Então pôs um dedo de osso sobre os lábios, ou melhor, sobre o lugar onde deveriam ficar os lábios, caso os tivesse.

Todo mago vê Morte, mas não necessariamente quer vê-lo.

Os ouvidos de Rincewind estalaram, e o espectro desapareceu.

Abrim e o outro mago estavam cercados por uma coroa de magia aleatória, e era evidente que aquilo não surtia nenhum efeito sobre o vizir. Rincewind voltou para o mundo dos vivos a tempo de vê-lo estender o braço e agarrar o mago pelo colarinho de péssimo gosto.

— Você não me vence — disse ele, com a voz do chapéu. — Há 2 mil anos junto forças para atingir meus objetivos. Posso colher meu poder do seu. Renda-se, ou não terá nem tempo de se arrepender.

O mago se agitou e, infelizmente, deixou o orgulho falar mais alto do que a cautela.

— Nunca! — respondeu.

— Então morra! — disse Abrim.

Rincewind já tinha visto muitas coisas estranhas na vida, a maioria das quais com extrema relutância, mas jamais testemunhara alguém ser, de fato, morto pela magia.

Os magos não matavam pessoas comuns porque: a) raramente as notavam, b) isso não era de bom-tom, e c) quem é que plantaria, cozinharia e tudo o mais? E matar um colega mago com a magia era impossível, por causa das camadas de feitiços preventivos que qualquer mago cauteloso sempre mantinha em torno de si.[17]

Algumas pessoas acham que é paranóia, mas não é. O paranóico só acha que todo o mundo está atrás dele. O mago sabe disso.

O mago baixote usava o equivalente psíquico de um metro de aço temperado, e aquilo derretia como manteiga sob a ação de um maçarico. Evaporava, desaparecia.

Se existem palavras para descrever o que aconteceu ao mago em seguida, elas estão encerradas em algum dicionário hediondo da biblioteca da Universidade Invisível. Talvez seja melhor deixar isso para a imaginação. Qualquer pessoa capaz de imaginar o tipo de forma que Rincewind viu se contorcer dolorosamente, durante alguns segundos antes de sumir, deve ser candidata à famosa camisa de lona branca com mangas fechadas.

— Que assim pereçam todos os inimigos — disse Abrim.

Ele voltou a mirar o alto da torre.

— Lanço o desafio — continuou. — Segundo a Doutrina, quem não me enfrentar deve me seguir.

Houve um silêncio longo e pesado, provocado por muitas pessoas que ouviam com atenção. Por fim, do alto da torre, uma voz hesitante perguntou:

— Em que parte da Doutrina?

— Eu personifico a Doutrina.

Ouviram-se cochichos distantes e, então, a mesma voz:

— A Doutrina já era. A fonticeria está acima da Dou…

A frase acabou num grito, porque Abrim suspendeu a mão esquerda e mandou um raio fino de luz verde na direção exata de quem falava.

Foi mais ou menos nesse instante que Rincewind se deu conta de que conseguia mexer os membros. O chapéu havia temporariamente perdido o interesse nos três. Ele olhou de esguelha para Conina. Num acordo tácito e imediato, cada qual pegou um braço de Nijel, deu meia-volta, saiu correndo e só parou quando havia deixado vários muros para trás. Rincewind corria esperando que alguma coisa lhe atingisse a nuca, a qualquer momento. Talvez o mundo.

Os três caíram no chão e ficaram ali, arfantes.

— Não precisavam fazer isso — murmurou Nijel. — Eu estava me preparando para cuidar dele. Como é que vou…

Houve uma explosão, e setas de fogo multicolorido zuniram pelo céu, soltando faíscas do prédio. Depois, ouviu-se um ruído semelhante a uma rolha imensa sendo tirada de uma garrafa pequena, e o estrépito de uma risada que, por algum motivo, não era nada agradável. O chão estremeceu.

— O que está acontecendo? — perguntou Conina.

— Guerra mágica — respondeu Rincewind.

— Isso é bom?

— Não.

— Mas você quer que a magia dos magos vença? — indagou Nijel.

Rincewind encolheu os ombros e agachou quando uma coisa grande passou zunindo pelo ar como uma perdiz.

— Nunca vi mago brigar! — exclamou Nijel.

O rapaz começou a subir nas pedras e soltou um grito quando Conina lhe agarrou a perna.

— Acho que não é boa idéia — observou ela. — Rincewind?

Sem ânimo, o mago sacudiu a cabeça e pegou um cascalho.

Jogou-o sobre o muro em ruína, onde o negócio virou um pequeno bule azul. Quebrou, ao bater no chão.

— Os feitiços reagem uns aos outros — explicou. — Não há como saber no que vão dar.

— Mas estamos seguros atrás desse muro? — perguntou Conina.

Rincewind animou-se um pouco.

— Estamos? — ele indagou.

— Eu estava perguntando — disse a moça.

— Ah. Não. Acho que não. Isso aqui é pedra comum. O feitiço certo e… bumba!

— Bumba?

— É.

— Devemos correr mais?

— Vale a pena tentar.

Chegaram a outro muro alguns segundos antes de uma bola de fogo amarelo cair onde haviam estado e transformar o chão numa coisa pavorosa. Toda a área em volta da torre era um tornado de lampejos.

— Precisamos de um plano — sugeriu Nijel.

— Podemos tentar correr de novo — propôs Rincewind.

— Isso não resolve nada!

— Resolve muita coisa — rebateu Rincewind.

— Que distância temos de percorrer para estarmos seguros? — quis saber Conina.

Rincewind passeou os olhos pelo muro.

— Uma pergunta filosófica interessante — disse. — Já andei muito e nunca estive seguro.

Conina suspirou e fitou o amontoado de pedras próximas. Olhou mais uma vez. Havia algo estranho ali, mas ela não conseguia precisar o quê.

— Posso atacá-los — propôs Nijel.

E olhou as costas de Conina.

— Não adiantaria-objetou Rincewind. — Nada funciona contra magia. Só magia mais forte. E a única coisa que vence magia mais forte é magia ainda mais forte. Aí, quando menos se espera…

— Bumba? — sugeriu Nijel.

— Já aconteceu uma vez — lembrou Rincewind. — Durou milhares de anos, até que não houvesse mais nenhum…

— Sabe o que é estranho naquele monte de pedras? — cortou Conina.

Rincewind olhou para o local. Apertou os olhos.

— O que, fora o fato de ele ter pernas? — perguntou.

Foram necessários vários minutos para desencavar o xerinfe. Ele ainda segurava uma garrafa de vinho, quase vazia, e piscou para os três com ar de vago reconhecimento.

— Negocinho… — disse ele e, depois de algum esforço, acrescentou: — forte, esse vinho. Parecia — continuou ele — que o palácio tinha caído em cima de mim.

— E caiu — confirmou Rincewind.

— Ah. Então foi isso.

Depois de várias tentativas, Creosoto fixou os olhos em Conina e se jogou para trás.

— Nossa — disse. — A moça, outra vez. Fantástico.

— Ei… — começou Nijel.

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17

A primeira coisa que o jovem mago aprende na Universidade — além de onde ficam o cabide de chapéus e o banheiro — é que precisa estar protegido a todo momento.