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— Você vai ouvir muito, se não for o rabo — respondeu Conina, dando-lhe um pontapé.

Ouviu-se um longínquo ruído metálico rangente, feito panela gemendo de dor. A estátua estremeceu. Seguiram-se algumas pancadas fortes no interior da parede, e Offler, o Deus Crocodilo, moveu-se pesadamente para o lado. Havia uma passagem atrás dele.

— Meu avô criou essa parte para os tesouros mais interessantes — comentou Creosoto. — Ele era muito… — procurou a palavra certa — criativo.

— Se vocês acham que eu vou entrar aí… — começou Rincewind.

— Afastem-se — pediu Nijel, com altivez. — Eu vou primeiro.

— Pode haver armadilhas… — advertiu Conina.

Ela olhou para o xerinfe.

— Ah, provavelmente, ó gazela do paraíso — respondeu. — Não entro aí desde que tinha 6 anos. Acho que existiam umas pedras em que a gente não podia pisar.

— Não se preocupem — garantiu Nijel, dando uma olhada no túnel escuro. — Não há armadilha que eu não consiga localizar.

— Muita experiência na área? — resmungou Rincewind.

— Bom, conheço o capítulo catorze de cor. Tinha ilustrações — informou Nijel, e se enfiou nas sombras.

Os demais aguardaram, durante vários minutos, no que teria sido um silêncio medonho, não fossem os grunhidos abafados e baques ocasionais que vinham do túnel. Por fim, a voz de Nijel ecoou a distância.

— Não tem absolutamente nada — disse. — Vasculhei tudo. É firme como pedra. Talvez tenha emperrado.

Rincewind e Conina entreolharam-se.

— Ele não sabe a primeira regra sobre armadilhas — observou a moça. — Quando eu tinha 5 anos, meu pai me obrigou a andar por um túnel que ele havia improvisado, só para me ensinar…

— Ele chegou lá, não chegou? — cortou Rincewind.

Houve um barulho como de um dedo molhado roçando em vidro, mas mil vezes amplificado, e o chão tremeu.

— Seja como for, não temos muita escolha — acrescentou, e se meteu na passagem.

Os outros o seguiram. Muitas pessoas que conheciam Rincewind consideravam-no uma espécie de canário de duas patas[18], e achavam que, se Rincewind ainda não tinha fugido, então havia esperança.

— E engraçado — notou Creosoto. — Eu, roubando meu próprio depósito de tesouros. Se eu me pegar, posso me jogar na cova das serpentes.

— Mas também pode ter misericórdia — sugeriu Conina, correndo os olhos paranóicos pela parede de pedras empoeiradas.

— Ah, não. Acho que eu teria de me ensinar uma lição, como um exemplo para mim mesmo.

Ouviu-se um clique acima. Uma pequena laje escorregou para o lado, e um gancho de metal enferrujado desceu devagar. Outra laje desprendeu-se da parede e bateu no ombro de Rincewind. Quando ele se virou, o gancho prendeu um cartaz amarelado em suas costas e voltou para o teto.

— O que aconteceu? O que foi que ele fez? — gritou Rincewind, tentando ler as próprias costas.

— Está escrito “Me dê um chute” — respondeu Conina.

Uma parte da parede ergueu-se ao lado do mago apavorado. Uma bota enorme, na extremidade de uma complicada série de juntas de metal, vibrou e se espatifou no chão. Os três contemplaram-na em silêncio. Então Conina disse:

— Estamos lidando com uma mente doentia.

Com cuidado, Rincewind desprendeu o cartaz e atirou-o longe. Conina passou por ele e avançou pelo túnel com um misto de prudência e irritação. Quando uma grande mão de metal se estendeu do nada, mexendo-se amistosamente, ela não se dignou a apertá-la, mas apenas seguiu a fiação até um par de eletrodos oxidados, numa grande jarra de vidro.

— Seu avô tinha senso de humor? — indagou ela.

— Ah, tinha. Adorava uma boa risada — lembrou Creosoto.

— Que ótimo — disse Conina.

Com cuidado, ela tateou uma laje que, aos olhos de Rincewind, não parecia diferente de nenhuma das outras. Com um rangido triste, um espanador de penas saiu da parede, na altura das axilas.

— Acho que eu teria gostado muito de conhecer o velho xerinfe — disse ela, com os dentes cerrados. — Mas não para cumprimentá-lo. Mago, é melhor você me dar uma ajuda aqui.

— O quê?

Conina apontou o vão entreaberto acima deles.

— Quero olhar lá em cima — avisou ela. — Junte as mãos para eu subir. Como é que você consegue ser tão inútil?

— Ser útil sempre me traz problema — murmurou Rincewind, tentando ignorar a pele quente a lhe roçar o nariz.

Era possível ouvi-la investigando o local.

— Como imaginei — observou.

— O que é? Um mar de lanças diabolicamente pontiagudas, suspensas no teto e prontas para despencar?

— Não.

— Uma grelha denteada para nos espetar…?

— Um balde — informou Conina, empurrando-o.

— De veneno?

— De cal. Só um monte de cal seco e velho.

Conina saltou para baixo.

— Esse era meu avô — orgulhou-se Creosoto. — Sempre espirituoso.

— Bem, para mim, chega — disse Conina, e apontou o fim do túnel. — Vamos, vocês dois.

Eles estavam a cerca de um metro do fim do túnel quando Rincewind sentiu algo se mexer no alto. Conina empurrou-o para o cômodo à frente. Ele rolou ao cair no chão, e alguma coisa agarrou-lhe o pé, ao mesmo tempo que um estrondo o ensurdeceu.

O teto inteiro — um bloco enorme de pedra, com um metro e meio de espessura — havia caído no túnel.

Rincewind engatinhou pela nuvem de poeira e, com um dedo trêmulo, examinou a inscrição na lateral da laje.

— “Ria dessa” — leu em voz alta.

E se recostou.

— É meu avô — alegrou-se Creosoto. — Sempre…

Ele se deparou com o olhar de Conina, que tinha a força de uma barra de chumbo, e sabiamente se calou.

Nijel surgiu da nuvem de poeira, tossindo.

— Ei, o que houve? — perguntou. — Está tudo bem? Não aconteceu nada disso quando eu vim.

Rincewind procurou uma resposta e não achou nada melhor que:

— Não?

A luz entrava no cômodo filtrada por minúsculas janelas gradeadas próximas ao teto. Não havia saída, a menos que se atravessasse as centenas de toneladas de pedra que bloqueavam o túnel, ou, para dizer de outra forma — que era a forma que Rincewind usaria —, eles estavam indubitavelmente presos. O mago relaxou um pouco.

Pelo menos, o tapete estava ali. Encontrava-se enrolado sobre uma laje erigida no meio do cômodo. Ao seu lado, havia uma pequena e lustrosa lâmpada de azeite e — Rincewind esticou o pescoço para ver melhor — um anel de ouro. Ele gemeu. Uma leve coroa octarina pairava sobre as três peças, indicando que eram mágicas.

Quando Conina desenrolou o tapete, inúmeros objetos caíram no chão, inclusive um arenque de bronze, uma orelha de madeira, algumas lantejoulas quadradas, grandes, e uma caixa de chumbo com uma bolha de sabão no interior.

— O que é essa tralha? — perguntou Nijel.

— Bem — respondeu Rincewind —, antes de tentarem comer o tapete, provavelmente eram traças.

— Nossa!

— É isso o que vocês não entendem — disse Rincewind, fatigado. — Vocês acham que a magia não passa de um troço que a gente pega e usa como uma… como uma…

— Pastinaga? — sugeriu Nijel.

— Garrafa de vinho? — propôs o xerinfe.

— Algo assim — respondeu Rincewind, vacilante. Mas logo se animou e prosseguiu: — Só que a verdade, a verdade…

— Não é essa?

— E mais como uma garrafa de vinho? — insistiu o xerinfe, esperançoso.

— A magia usa as pessoas — apressou-se em explicar Rincewind. — Ela nos afeta da mesma maneira como nós a afetamos. É impossível lidar com artigos mágicos sem que eles também nos afetem. Só achei melhor avisar.

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18

Ah, vá lá, você entendeu.