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— Não, mas o sujeito não teria se desfeito dela se funcionasse.

— Esfregue — pediu Conina. — Mal não pode fazer.

— Eu não esfregaria — avisou Creosoto.

Nijel suspendeu a lâmpada com cuidado. A peça tinha uma aparência estranhamente lisa, como se alguém houvesse se disposto a criar uma lâmpada que agisse depressa.

Ele esfregou-a.

O resultado não foi nada espetacular. Houve um clique fraco e um sopro de fumaça perto dos pés de Nijel. Depois, apareceu uma linha na praia, a alguns metros da fumaça. Ela se estendeu rapidamente para delinear um quadrado na areia, que sumiu.

Um vulto surgiu do chão, deteve-se e resmungou.

Trazia um turbante, um bronzeado aristocrático, um pequeno medalhão de ouro, short brilhoso e modernos sapatos de corrida com biqueira recurva.

Disse:

— Quero esclarecer algumas coisas. Onde estou?

Conina foi a primeira a se recuperar.

— Numa praia — respondeu.

— Tudo bem — disse o gênio. — O que estou perguntando é em que lâmpada, em que mundo.

— Você não sabe?

O gênio tirou a lâmpada das mãos de Nijel.

— Ah, esse negócio velho — disse. — Só divido as despesas. E tenho direito a duas semanas em agosto, mas é claro que nem sempre dá para escapar.

— São muitas lâmpadas? — perguntou Nijel.

— Estou meio sobrecarregado — confirmou o gênio. — Aliás, ando pensando em variar um pouco com anéis. Anel é o boom do momento. Desculpe, pessoal, o que posso fazer por vocês?

A última frase foi pronunciada com aquela voz especial que usamos para parodiar a nós mesmos, na vã esperança de que nos faça parecer menos idiotas.

— A gente… — começou Conina.

— Eu quero uma bebida — interrompeu Creosoto. — E você tem de dizer que meu desejo é uma ordem.

— Ah, ninguém mais diz isso — contestou o gênio, e fez surgir um copo.

Em seguida, dirigiu a Creosoto um sorriso fulgurante que durou uma pequena porcentagem de segundo.

— Queremos que você nos leve a Ankh-Morpork — afirmou Conina.

O gênio pareceu confuso. Ele fez surgir um livro grosso[19], e consultou-o.

— Parece uma ótima idéia — disse, afinal. — Vamos almoçar juntos na terça-feira, tudo bem?

— Fazer o quê?

— Estou um pouco apressado, agora.

— Você está um pouco…?, — começou Conina.

— Ótimo — considerou o gênio, e olhou para o próprio pulso.

— Ei, é essa hora mesmo?

Ele sumiu.

Os três miraram a lâmpada, em silêncio meditativo, até que Nijel perguntou:

— O que terá acontecido com aqueles sujeitos gordos, de calças largas, que diziam “Ouço e Obedeço, Ó Mestre”?

Creosoto resmungou qualquer coisa. Havia acabado de tomar a bebida. Era água com borbulhas, e tinha gosto de ferro quente.

— Não vou admitir isso — rosnou Conina.

Ela pegou a lâmpada e esfregou o objeto, como se lamentasse não ter uma pedra nas mãos.

O gênio reapareceu num lugar diferente, ainda a alguns metros da explosão fraca e da obrigatória nuvem de fumaça.

Ele trazia um aparelho recurvo e brilhoso na orelha, e parecia ouvi-lo atentamente. Olhou apressado para o rosto enfurecido de Conina e, mexendo as sobrancelhas e agitando a mão livre com urgência, deu um jeito de sugerir que, no momento, encontrava-se inconvenientemente preso a assuntos desagradáveis que, infelizmente, impediam-no de dar atenção a ela naquele instante. Mas que, tão logo se desvencilhasse daquela pessoa inoportuna, ela poderia ter certeza de que seu desejo, que sem dúvida era um desejo de brilho e esplendor, seria uma ordem.

— Vou arrebentar a lâmpada — avisou ela, em voz baixa.

O gênio abriu-lhe um sorriso rápido e falou, rispidamente, para o aparelho que mantinha preso entre o queixo e o ombro:

— Ótimo — disse. — Excelente. Está fechado. Pede para o seu pessoal ligar para o meu. Manteremos contato, certo? Tchau.

Ele abaixou o negócio.

— Imbecil — murmurou.

— Vou mesmo arrebentar a lâmpada — advertiu Conina.

— Que lâmpada é essa? — perguntou o gênio, às pressas.

— Quantas você tem? — quis saber Nijel. — Sempre achei que os gênios só tivessem uma.

Exausto, o gênio explicou que, na verdade, possuía várias lâmpadas. Havia uma lâmpada pequena mas bem montada, onde ele passava a semana. Outra, um tanto notável, no campo, uma lamparina rústica cuidadosamente restaurada, num imaculado distrito produtor de vinho próximo a Quirm. E, mais recentemente, ele comprara um conjunto de lâmpadas abandonadas na região portuária de Ankh-Morpork, que tinha grande potencial para virar o equivalente oculto de um complexo de escritórios e bar, quando o pessoal mais antenado descobrisse o local.

Os três ouviram admirados, como peixes que de repente se deparassem com uma palestra sobre como voar.

— Quem é o seu pessoal, para quem o outro pessoal tem de ligar? — perguntou Nijel, que estava impressionado, embora não soubesse por que nem pelo quê.

— Na verdade, ainda não tenho pessoal — admitiu o gênio, e fez uma careta com os lábios. — Mas vou ter.

— Todos quietos! — exigiu Conina. — E você nos leve a Ankh-Morpork.

— Se eu fosse você, eu levaria — opinou Creosoto. — Quando a boca da moça vira uma caixa de correio, é melhor fazer o que ela manda.

O gênio hesitou.

— Não sou muito bom em transporte — advertiu.

— Aprenda — ordenou Conina, jogando a lâmpada de uma mão para a outra.

— Telecinesia é uma dor de cabeça — insistiu o gênio, em desespero. — Por que não almoçamos…

— Chega! — irritou-se Conina. — Só preciso de duas pedras grandes.

— Tudo bem, tudo bem. Dêem as mãos. Vou fazer o possível, mas talvez seja um grande erro…

Uma vez, os astrofilósofos de Krull conseguiram provar, de maneira definitiva, que todos os lugares são um só, e que a distância entre eles não passava de ilusão. Mas a notícia foi um grande constrangimento para os filósofos pensantes, porque não explicava, entre outras coisas, as placas de trânsito. Após anos de brigas, tudo foi entregue a Yin Gha No, discutivelmente o maior filósofo do Disco (Ele sempre discutia, afirmando que era), que depois de muito pensar proclamou que, embora fosse verdade que todos os lugares eram um só, esse lugar era muito grande.

E, assim, restabeleceu-se a ordem psíquica. A distância, no entanto, é um fenômeno completamente subjetivo, e os seres mágicos podem ajustá-la para a sua conveniência.

Não são necessariamente bons nisso.

Rincewind estava sentado nos escombros enegrecidos da biblioteca, tentando entender o que havia de errado com eles.

Bem, para começar, tudo. Era impensável que a biblioteca pudesse ser queimada. Tratava-se do maior acúmulo de magia do Disco. Aquele era o sustentáculo da magia dos magos. Todos os feitiços já usados estavam escritos ali, em algum lugar. Queimá-los era, era, era…

Não havia cinzas. Muita madeira queimada, muitas correntes, muita pedra escurecida, muita bagunça. Mas milhares de livros não queimam facilmente. Eles teriam deixado pedaços de capa e uma enorme quantidade de cinzas. E não havia nada disso.

Rincewind mexeu no entulho com a ponta do pé. Só havia uma porta de entrada para a biblioteca. Havia os porões — dava para ver a escada que levava até eles, entupida de lixo —, mas seria impossível esconder todos os livros lá embaixo. Tampouco se poderia transportá-los por telecinesia. Eles resistiriam àquele tipo de magia. Qualquer pessoa que tentasse algo assim acabaria usando o cérebro em cima do chapéu.

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19

Era jeidimito, auxílio inestimável para todos aqueles cujo ofício envolvia o arcano e o hermético. Continha uma lista de tudo que não existia e não era importante em nenhum aspecto. Algumas páginas só podiam ser lidas depois da meia-noite ou sob iluminação estranha e improvável. Havia a descrição de constelações subterrâneas e vinhos até então não fermentados. Para o ocultista verdadeiramente moderno, que podia bancar a versão com capa de pele de aranha, havia até um suplemento mostrando o metrô de Londres com as três estações que nunca se ousa mostrar nos mapas públicos.