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― O dinheiro será pago ― disse o Dom calmamente. ― E agora tiremos das circunstâncias o melhor que nos podem dar. Sobrinho, canta uma das tuas canções para estes senhores.

Astorre cantou para os bandidos, que ficaram encantados e o felicitaram, despenteando-lhe afetuosamente os cabelos. Foi um momento mágico para todos eles, aquele em que a doce voz da criança encheu a montanha com canções de amor.

De dentro da gruta, trouxeram mantas e sacos-de-dormir. Fissolini disse, dirigindo-se ao Don:

― Excelência, que deseja amanhã para o café? Talvez um peixe acabado de pescar. E depois spaghetti e vitela para o almoço? Estamos ao seu serviço.

― Agradeço-te ― respondeu o Don. ― Um pouco de queijo e fruta será o suficiente.

― Durmam bem ― desejou o bandido. O ar de infelicidade do garoto suavizou-lhe o coração. Fez uma festa na cabeça de Astorre. ― Amanhã dormirás na tua cama.

Astorre fechou os olhos e adormeceu instantaneamente, estendido no chão ao lado de Don Aprile.

― Não saias do pé de mim ― disse o Dom colocando um braço à volta do rapaz.

Astorre dormiu tão profundamente que o Sol, vermelho como uma brasa, ia já alto no céu quando um ruído o acordou. Pôs-se de pé e viu que no espaço diante da gruta havia pelo menos cinqüenta homens armados. Don Aprile, complacente, calmo e digno estava sentado num largo rebordo de rocha, a bebericar uma caneca de café. Viu o garoto e fez-lhe sinal para que se aproximasse.

― Queres café, Astorre? ― perguntou. E, apontado com um dedo o homem que estava de pé à sua frente, acrescentou: ― Este meu bom amigo, Bianco, veio salvar-nos.

Astorre viu um homem enorme que, apesar de ser desmedidamente gordo, usar terno e gravata e estar aparentemente desarmado, era mil vezes mais assustador do que Fissolini. Tinha cabelos encaracolados e brancos, grandes olhos rosados e irradiava poder. Mas foi como quisesse esconder esse poder quando falou com uma voz baixa e rouca.

― Don Aprile ― disse Octavio, Bianco ―, peço desculpa por ter demorado tanto, obrigando-o a dormir no chão, como um camponês. Vim logo que me deram a notícia. Sempre soube que o Fissolini era uma besta, mas nunca esperei que fizesse uma coisa destas.

Ouviu-se o som de marteladas, e alguns dos homens saíram do campo de visão de Astorre. Viu então dois rapazes, que pregavam duas traves para formar uma cruz. Depois, estendidos no solo no lado oposto da clareira em frente da gruta, avistou Fissolini e os seus dez bandidos, amarrados com arames e cordas e presos às árvores. Ali estavam, num confuso monte de braços e pernas entrelaçados, parecendo moscas em cima de um pedaço de carne.

― Don Aprile, qual deste patifes quer julgar primeiro? ― perguntou Bianco.

― Fissolini ― respondeu o Dom ― É ele o chefe.

Bianco arrastou Fissolini até junto de Don Aprile: o bandido continuava apertadamente amarrado, como uma múmia. Bianco e um dos seus soldados pegaram nele e obrigaram-no a manter-se de pé.

― Fissolini, como pudeste ser tão estúpido? ― disse então Bianco. ― Não sabias que o Don estava sob a minha proteção, ou senão tê-lo-ia raptado eu próprio? Pensaste que estavas a pedir emprestado um frasco de azeite? Ou um pouco de vinagre? Alguma vez entrei na tua província? Mas tu sempre foste casmurro, e eu sabia que isso havia de meter-te em sarilhos. Bom, uma vez que tens de morrer na cruz, como Jesus, pede perdão a Don Aprile e ao rapazinho, e eu serei misericordioso e dou-te um tiro antes de te espetarmos os pregos.

― Então? ― interveio o Dom dirigindo-se a Fissolini. ― Explica a tua falta de respeito.

Fissolini endireitou-se, numa atitude de orgulho.

― O desrespeito não era para com a pessoa de Vossa Excelência. Não sabia que era tão importante e querido para os meus amigos. Esse cretino do Bianco bem podia manter-me informado. Excelência, cometi um erro e devo pagar. ― Interrompeu-se por um instante e então gritou a Bianco, com uma mistura de fúria e troça. ― Diz a esses tipos que parem de martelar. Estão a pôr-me surdo. E não consegues fazer-me morrer de medo antes de me matares! ― Fez nova pausa, voltou-se de novo para o Don e continuou: ― Castigue-me, mas poupe os meus homens. Limitaram-se a obedecer-me. Têm família. Destruirá uma aldeia inteira se os matar.

São homens responsáveis ― respondeu Don Aprile, sarcasticamente. ― Estaria a insultá-los se os não fizesse partilhar a tua sorte.

Nesse momento Astorre, mesmo no seu espírito infantil, compreendeu que aqueles homens estavam a falar de vida e de morte. Murmurou:

― Tio, não lhe faça mal.

O Don não deu qualquer indicação de o ter ouvido.

― Continua ― disse a Fissolini.

O bandido dirigiu-lhe um olhar interrogativo, simultaneamente orgulhoso e cansado.

― Não pedirei pela minha vida. Mas aqueles homens que ali estão são todos meus parentes de sangue. Se os matar, matará também as mulheres e os filhos. Três deles são meus genros. Confiaram totalmente em mim. Confiaram no meu discernimento. Se os poupar, obriga-los-ei, antes de morrer, a jurar-lhe lealdade eterna. E eles obeceder-me-ão. É alguma coisa, ter dez amigos leais. Não é como se fosse nada. Dizem-me que Vossa Excelência é um grande homem, mas não poderá ser verdadeiramente grande se não mostrar misericórdia. Não que deva fazer disso um hábito, claro, mas só desta vez. E sorriu a Astorre.

Para Don Raymonde Aprile, aquele era um momento por que já passara muitas vezes, e não tinha a mínima dúvida sobre a sua decisão. Nunca confiara no poder da gratidão, e não acreditava que fosse possível influenciar a livre vontade de qualquer homem, a não ser pela morte. Olhou impassivelmente para Fissolini e abanou a cabeça. Bianco deu um passo em frente.

Astorre aproximou-se do tio e olhou-o nos olhos. Tinha compreendido tudo. Ergueu uma mão para proteger Fissolini.

― Ele não nos fez mal ― protestou. ― Só queria o nosso dinheiro.

O Don sorriu, e perguntou:

― E isso é nada?

― Não. Mas ele tinha uma boa razão. Queria o dinheiro para alimentar a família. E eu gosto dele. Por favor, tio.

O Don sorriu novamente.

― Bravo ― disse.

Depois permaneceu silencioso por um longo momento, ignorando a mão de Astorre que lhe puxava o braço. E, pela primeira vez em muitos anos, sentiu o impulso de ser misericordioso.

Os homens de Bianco acenderam pequenos charutos, muito fortes, cujo fumo a brisa fresca das montanhas espalhou no ar do alvorecer. Um dos homens avançou e tirou do bolso do blusão de caça um charuto, que ofereceu ao Don. Com uma clareza infantil, Astorre compreendeu que aquilo não era apenas uma cortesia, mas um gesto de respeito. O Don aceitou o charuto e o homem acendeu-lho, protegendo a chama do fósforo com as mãos em concha.

O Don inalou lenta e deliberadamente o fumo do charuto. Depois disse:

― Não te insultarei oferecendo-te misericórdia. Mas vou fazer-te uma proposta de negócio. Reconheço que não tiveste malícia e que me tratas a mim e ao rapaz com todo o respeito. Eis o que te proponho. Viverás. Os teus camaradas viverão. Mas, enquanto viverem, estarão às minhas ordens.

Astorre sentiu um alívio imenso, e sorriu a Fissolini. Viu-o ajoelhar-se em terra e beijar a mão do Don. Notou que os homens armados que os rodeavam puxavam furiosamente o fumo dos charutos, e até Bianco, grande como uma montanha, estremecia de prazer.