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Tive meu presente de Nataclass="underline" por uma fenda nas tábuas que vedam a janela, posso perceber o campo todo branco de neve e algumas árvores negras iluminadas pela lua cheia. Parece um daqueles cartões-postais típicos do Natal. Sacudidas pelo vento, as árvores despiram seu manto de neve e, por isso, podem ser vistas bem distintamente. Destacam-se como grandes manchas escuras sobre o fundo branco. É Natal para toda gente, até mesmo para uma parte do presídio. Para os sentenciados em custódia, a administração fez um esforço: tivemos o direito de comprar duas barras de chocolate. Digo bem, duas barras e não dois tabletes. Esses dois pedaços de chocolate de Aiguebelle foram meu réveillon de 1931.

Um, dois, três, quatro, cinco… A repressão judicial me transformou num pêndulo, a ida e a vinda numa cela compõem todo o meu universo. É matematicamente calculado. Nada, absolutamente nada, deve ser deixado na cela. É preciso impedir a qualquer custo que o condenado possa ter uma distração. Se eu for surpreendido olhando pela fenda da tábua da janela, sofrerei severo castigo. Aliás, acho que eles têm razão, pois não é verdade que sou para eles apenas um morto-vivo? Que direito me poderia arrogar para gozar de uma visão da natureza?

Voa uma borboleta azul-claro com uma pequena risca negra; zumbe uma abelha um pouco adiante, perto da janela. Que será que esses bichos vêm buscar neste lugar? Parecem estar enlouquecidos por este sol de inverno, ou estão com frio e querem abrigar-se na prisão. Uma borboleta, no inverno, é uma ressuscitada. Como não morreu? E essa abelha, por que saiu da sua colméia? Para se aproximar de uma prisão é preciso ser muito caradura. Felizmente, o vigilante não tem asas, do contrário os bichinhos não viveriam muito tempo.

Esse Tribouillard é um sádico horroroso e percebo que alguma coisa vai me acontecer com ele. Infelizmente não me enganei. Um dia depois da visita daqueles encantadores insetos, dou parte de doente. Não agüento mais, me abafo na minha solidão, preciso ver uma cara, ouvir uma voz, mesmo desagradável, mas sempre uma voz, preciso ouvir alguma coisa.

Nu em pêlo no frio glacial do corredor, frente ao muro, meu nariz a quatro dedos de distância, eu era o penúltimo de uma fila de oito, aguardando minha vez de ser atendido pelo médico. Eu queria ver gente… pois bem, consegui! Fomos surpreendidos pelo vigilante no momento em que murmurava algumas palavras ao ouvido de Julot, alcunhado “o homem do martelo”. A reação do ruivo selvagem foi terrível. Com um murro atrás do pescoço, quase me matou e, como eu não havia visto de onde vinha o golpe, bati o nariz contra o muro. O sangue jorra e, depois de me levantar, pois eu havia caído, me sacudo todo e procuro compreender o que me aconteceu. Esboço um gesto de protesto, mas o brutamontes, que só esperava isso, joga-me novamente ao chão com um pontapé na barriga e começa a me chicotear com seu nervo de boi. Julot não pode suportar isso. Pula em cima do vigilante, inicia-se uma luta terrível e, como Julot está por baixo, os guardas assistem impassíveis à batalha. Acabo de me levantar e ninguém presta atenção em mim. Olho em volta, para ver se encontro algo utilizável como arma. De repente, avisto o médico inclinado sobre a sua poltrona, procurando observar, da sala de consulta, o que se passa no corredor, e ao mesmo tempo vejo a tampa de uma marmita que se levanta sob a pressão do vapor. Essa grossa marmita esmaltada está colocada sobre o fogareiro a carvão que aquece a sala do médico. O vapor deve servir certamente para purificar o ar.

Então, num reflexo rápido, agarro a marmita pelas alças, queimo as mãos mas não largo e, de uma só vez, atiro a água fervente na cara do vigilante, que não me havia visto, tão ocupado estava em espancar Julot. Um grito espantoso sai da garganta do puto. Foi atingido em cheio. Ele se rola no chão. Como está vestido com três pulôveres de lã, é obrigado a tirá-los com dificuldade, um depois do outro. Quando arranca o terceiro, a pele vem junto. A gola da malha é estreita e, no esforço de fazê-la passar, a pele do peito, parte da do pescoço e toda a das faces se despregam e vêm coladas à malha. Também ficou queimado o seu único olho; está cego. Por fim, levanta-se, hediondo, sanguinolento, em carne viva, e Julot aproveita para lhe dar um tremendo pontapé nos testículos. O gigante desmorona, põe-se a vomitar e a babar. Ganhou o que merecia. Quanto a nós, não perdemos nada por esperar.

Os dois outros vigilantes que assistiram à cena não têm peito bastante para nos atacar. Tocam o alarma para chamar reforços. Chegam guardas por todos os lados e as porretadas caem sobre nós como chuva de pedras. Tenho a sorte de perder logo a consciência, o que não me deixa sentir os golpes.

Quando acordo, estou no segundo subsolo, completamente pelado, numa cafua inundada de água. Recobro lentamente os sentidos. Minha mão percorre meu corpo dolorido. Tenho pelo menos doze ou quinze galos na cabeça. Que horas são? Não sei. Aqui não há nem dia nem noite, não há luz nenhuma. Ouço batidas contra o muro, vindas de longe.

Pã, pã, pã… Esses golpes são a campainha do “telefone”. Tenho de bater duas pancadas na parede, se quiser receber a comunicação. Mas bater com quê? Na escuridão, não vejo nada que me possa servir. Com os punhos é impossível, os golpes não repercutiriam bastante. Aproximo-me do lado onde presumo que se encontre a porta, porque lá está um pouco menos escuro. Dou de cara numas grades que eu não havia visto. Às apalpadelas, percebo que a cafua está fechada por uma porta distante de mim mais de 1 metro, porta essa que a grade em que estou encostado me impede de atingir. Assim, quando alguém entra na cela de um preso perigoso, está livre de ser tocado por ele, que se encontra como numa gaiola. Pode-se então falar com o prisioneiro, molhá-lo, atirar-lhe comida ou insultá-lo sem risco. Mas a vantagem é que não se pode bater nele sem correr perigo, pois para isso seria preciso abrir a grade.

As batidas na parede se repetem de vez em quando. Quem será que me quer falar? Esse camarada merece uma resposta, pois ele corre risco se for descoberto. Andando pela cela, quase que quebro a cabeça tropeçando numa coisa dura e redonda. É uma colher de pau. Lanço mão dela e me preparo para responder. Espero, com a orelha encostada à parede. Pã, pã, pã, pã, pã-stop, pã, pã. Eu respondo: pã, pã. Estes dois golpes querem dizer àquele que está chamando: pode ir, peguei a comunicação. Os golpes começam: pã, pã, pã… as letras do alfabeto desfilam rapidamente… a b c d e f g h i j k l m n o p, stop. Ele pára na letra p. Dou um golpe com força: pã. Assim, ele sabe que anotei a letra p. Depois vêm um a, um p, um i, etc. Ele me diz: “Papi, como vai? Você está muito machucado? Eu estou com um braço quebrado”. É Julot.

Telefonamos durante mais de duas horas, sem nos preocuparmos que nos descubram. Ficamos alucinados pela vontade de trocar frases. Digo a ele que nada tenho quebrado, que minha cabeça está cheia de galos, mas que não tenho ferimentos.

Ele me viu sendo arrastado, puxado por um pé, e me diz que em cada degrau minha cabeça batia, caindo do precedente. Ele não chegou a perder os sentidos. Acredita que Tribouillard ficou gravemente queimado, que, em virtude da lã, os ferimentos são profundos e ele vai sofrer algum tempo.

Três golpes muito rápidos e repetidos me avisam que há perigo. Paro de bater. De fato, dentro de alguns instantes, a porta se abre e alguém grita:

– No fundo da cela, seu bastardo. Em posição de sentido! – é o novo vigilante quem fala. – Eu me chamo Batton (Porrete); é o meu próprio nome. Você vê que é o nome certo.

Com uma grande lanterna da marinha, ele ilumina o calabouço e o meu corpo nu.

– Tome lá roupa para vestir. Não se mexa daí. Aqui tem pão e água. Não coma tudo de uma vez, porque você não vai receber mais nada antes de 24 horas. (*)