Kelly estivera tensa, à espera que Mark se atirasse a ela, mas ele fora sempre um verdadeiro cavalheiro. A sua timidez fazia com que ela se sentisse confiante. Era ela quem iniciava a maior parte das conversas e, fosse qual fosse o tema, Mark mostrava-se sempre culto e uma pessoa divertida.
Uma noite, Kelly disse:
- Mark, amanhã é a abertura de uma grande orquestra sinfónica.
Gostas de música clássica?
- Cresci com ela - respondeu ele.
- Excelente. Então vamos.
O concerto foi brilhante e a assistência entusiástica. Quando chegaram ao apartamento de Kelly, Mark disse:
- Eu... eu menti-te.
Eu devia imaginar, pensou Kelly. Ele é como os outros todos. Acabou E preparou-se para a resposta que ele lhe ia dar.
- Mentiste?
- Sim. Sabes, é que na realidade não gosto de música clássica.
Kelly mordeu o lábio para evitar desatar a rir às gargalhadas.
No dia seguinte, Kelly disse:
- Quero agradecer-te pela Angel. Ela é uma excelente companhia. - Assim como tu, pensou Kelly.
Mark tinha os maiores e mais brilhantes olhos azuis que alguma vez vira, e um atraente e cativante sorriso. Ela apreciava imenso a companhia dele e...
A água estava começar a ficar fria. Kelly desligou o chuveiro, secou-se com uma toalha, vestiu o robe dado pelo hotel e passou para o quarto.
- É toda sua.
- Obrigada.
Diane levantou-se e entrou na casa de banho. Parecia que tinha sido varrida por um vendaval. O chão estava encharcado e havia toalhas espalhadas por todo o lado. Zangada, Diane voltou ao quarto.
- A casa de banho está um nojo. Está habituada a que os outros venham atrás de si para limpar o que sujou?
- Sim, senhora Stevens - respondeu Kelly a sorrir. - Na realidade, eu cresci rodeada de criadas para tomarem conta de mim.
- Pois olhe que eu não sou uma delas.
- Tu não tinhas capacidade.
- Acho que seria melhor se nós... - respondeu Diane respirando fundo.
- Aqui não há nenhum "nós", senhora Stevens. Há você e eu. Ficaram a olhar uma para a outra, um longo momento. Em seguida, Diane, sem dizer mais nada, virou-se e voltou para a casa de de banho. Quinze minutos mais tarde, quando saiu, já Kelly estava deitada. Diane estendeu a mão para o interruptor para apagar a luz do tecto.
Não toque nisso! - Era um grito.
- O quê? - perguntou Diane, espantada.
- Deixe as luzes acesas.
- Tem medo do escuro? - perguntou, desdenhosa, Diane.
- Sim. Eu... Eu tenho medo do escuro.
- Porquê? Os seus pais contavam-lhe histórias do papão antes de ir para a cama? - troçou Diane.
Fez-se um longo silêncio e em seguida veio a resposta:
- Sim. É isso mesmo.
Diane deitou-se na cama, deixou-se ficar quieta um minuto e em seguida fechou os olhos.
Richard, meu querido. Nunca acreditei que se pudesse morrer de dor.
Mas agora sei que é possível. Preciso tanto de ti. Preciso de ti para me guiares.
Preciso do teu calor e do teu carinho. Eu sei que tu estás aqui, algures, eu sei.
Eu sinto-te. Tu és a dádiva que Deus me deu, mas, infelizmente, não foi por muito tempo. Boa noite, meu querido anjo da guarda. Por favor, nunca me abandones. Por favor...
Na sua cama, Kelly ouvia Diane a soluçar baixinho. Apertou os lábios com força. Cala- te. Cala-te. E as lágrimas começaram a rolar-lhe pelas faces.
CAPÍTULO 27
Na manhã seguinte, quando Diane acordou, Kelly estava sentada numa cadeira virada para a parede.
- Bom dia - disse Diane. - Conseguiu dormir alguma coisa?
Não obteve qualquer resposta.
- Temos de pensar no que vamos fazer a seguir. Não podemos ficar aqui para sempre.
Nada de resposta. Exasperada, disse alto:
- Kelly, está-me a ouvir?
Esta girou na cadeira: - Importa-se? Estou a meio de um mantra.
- Oh! Desculpe. Não fazia...
- Esqueça - e Kelly pôs-se de pé. - Já alguma vez lhe disseram que ressona?
Diane sentiu um pequeno choque. Recordou a voz de Richard a dizer-lhe, na primeira noite que dormiram juntos: Querida, sabias que ressonas ? Bom, melhor dizendo. Não é bem ressonar. O teu nariz entoa deliciosas melodias através da noite, quais músicas celestiais. E tomara-a nos braços e...
- Pois ressona - continuou Kelly. Dirigiu-se à televisão e ligou-a.
- Vamos ver o que se passa no mundo. - Começou a fazer zapping através dos vários canais e de repente parou. Um noticiário estava no ar e o apresentador era Ben Roberts.
- É Ben! - exclamou Kelly.
- E quem é Ben? - perguntou Diane com ar indiferente.
- Ben Roberts. É ele que faz os noticiários e as entrevistas. É o único entrevistador de quem realmente gosto. Ele e Mark eram grandes amigos. Um dia...
De repente parou.
Ben Roberts dizia: - ...notícia de última hora, Anthony Altieri, o alegado chefe da Máfia recentemente absolvido no julgamento por assassínio, morreu esta manhã de cancro.
Kelly virou-se para Diane:
- Ouviu aquilo? Altieri morreu.
Diane não sentia nada. Eram notícias de um outro mundo, de uma outra época. Olhou para Kelly e respondeu:
- Acho que será melhor que nos separemos. As duas juntas somos demasiado fáceis de detectar.
- Pois - disse Kelly secamente. - Somos da mesma altura.
- O que eu queria dizer é que...
- Eu sei o que queria dizer. Mas eu podia pintar a minha cara de branco e...
Diane olhava para ela sem perceber.
- O quê?
- Estava a brincar. Separarmo-nos é boa idéia. É quase como se fosse um plano, não é? - Kelly...
- Foi, sem dúvida, interessante conhecê-la, senhora Stevens.
- Vamos mas é sair daqui para fora - respondeu Diane.
O átrio estava apinhado de gente, com um enorme grupo de mulheres a chegarem e outras que partiam. Kelly e Diane aguardaram na fila.
Lá fora a olhar para o átrio, Harry Flint viu-as e escondeu-se. Pegou no celular.
- Chegaram neste momento ao átrio.
- Óptimo. Carballo já aí está?
- Já.
- Façam exactamente como eu vos disse. Cubram a entrada do hotel em ambas as esquinas para que elas fiquem encurraladas de todos os lados. Quero que desapareçam sem deixar rasto.
Kelly e Diane tinham finalmente chegado ao balcão da recepção.
O recepcionista sorriu-lhes:
- Espero que tenham tido uma boa estadia.
- Foi muito agradável, sim - respondeu Diane.
Quando se dirigiam para a saída, Kelly perguntou: - Sabe para onde vai, senhora Stevens?
- Não. Só quero ver-me livre de Manhattan. E você?
Eu só me quero ver livre de si.
- Eu vou voltar para Paris.
As duas puseram o pé na rua e, com atenção, olharam em volta. Havia o trânsito normal de peões e tudo parecia normal.
- Adeus, senhora Stevens - disse Kelly com uma ponta de alívio na voz.
- Adeus, Kelly.
Kelly virou à esquerda e começou a caminhar em direcção à esquina. Diane ficou parada por instantes a olhar para ela e em seguida virou para a direita e começou a andar em sentido contrário. Ainda mal tinham dado doze passos quando Harry Flint e Vince Carballo apareceram em pontas opostas do quarteirão. A expressão no rosto de Carballo era perigosa. Os lábios de Flint estavam virados num meio sorriso.
Os dois homens começaram a aproximar-se das mulheres, esgueirando-se por entre os peões. Diane e Kelly viraram-se uma para a outra em pânico. Tinham caído numa armadilha. Caminharam apressadamente de volta à porta do hotel, mas esta encontrava- se de tal forma apinhada de gente que não tinham possibilidade de entrar. Não tinham para onde ir. Os dois homens aproximavam-se.