- Amo.
- Mas não queres casar comigo?
- Eu quero. Mas... não posso.
- Não estou a perceber. O que se passa?
Ele estudava-a, confuso. E Kelly sabia que no momento em que contasse a Mark a traumática experiência por que passara ele nunca mais a quereria voltar a ver.
- Eu... eu nunca poderei ser uma verdadeira mulher para ti.
- O que queres dizer com isso?
Esta era a coisa mais difícil que Kelly alguma vez tivera que dizer.
- Mark, nós nunca poderíamos ter relações sexuais. Quando eu tinha oito anos, fui violada. - Ela olhava para as impávidas árvores, enquanto contava a sua sórdida história ao primeiro homem que alguma vez amara. - Eu não estou interessada em sexo. Só a idéia me deixa enojada. Assusta-me. Eu... eu sou meia mulher. Eu não sou normal.
Kelly respirava com dificuldade, tentando não chorar.
Sentiu as mãos de Mark nas suas. .
- Lamento tanto, Kelly. Deve ter sido devastador.
Kelly ficou silenciosa.
- O sexo é muito importante num casamento - disse ele.
Kelly anuiu, mordendo o lábio. Sabia o que ele ia dizer a seguir.
- É claro. Por isso percebo perfeitamente porque não vais querer...
- Mas não é a essência do casamento. O casamento é passar a nossa vida com alguém que se ama, ter alguém com quem falar, alguém com quem partilhar os bons e os maus momentos.
Ela ouvia, sem saber que dizer, com medo de acreditar no que estava a ouvir.
- No fim, o sexo desaparece, Kelly, mas não o verdadeiro amor. Eu amo-te pelo teu coração e pela tua alma. Quero passar o resto da minha vida contigo. Posso perfeitamente viver sem sexo.
Kelly tentou manter a voz calma.
- Não, Mark. Eu não posso permitir.
- Porquê?
- Porque um dia ias arrepender-te. Acabarias por te apaixonar por outra pessoa que te pudesse dar... aquilo que eu não posso e deixar-me-ias... E isso ia destruir-me.
Mark estendeu os braços e abraçou-a, apertando-a contra o peito. - Sabes porque é que eu jamais seria capaz de te deixar? Porque tu és a minha melhor parte. Nós vamo-nos casar.
Kelly olhou para Mark nos olhos.
- Mark, tens consciência daquilo em que te vais meter?
- Acho que devias dizer isso de outra maneira - disse ele sorrindo.
Kelly riu e abraçou-o.
- Oh, meu amor, tens a certeza que...?
- Claro que tenho a certeza - disse ele, feliz. - E tu, que dizes?
Ela sentia as lágrimas escorrerem-lhe pela cara. - Eu digo... sim!
Mark enfiou o anel de esmeraldas no dedo dela. Ficaram abraçados por muito tempo.
- Quero que venhas amanhã de manhã comigo ao salão e que conheças algumas das modelos com quem trabalho.
- Pensei que isso era proibido.
- As regras agora mudaram.
Mark riu.
- Vou falar com um juiz meu amigo parai nos casar no domingo que vem.
Na manhã seguinte, quando Kelly e Mark chegaram ao salão, Kelly apontou para o céu.
- Parece que vai chover. Toda a gente fala do tempo, mas ninguém faz nada a seu respeito.
Mark virou-se para ela e olhou-a de forma estranha. Kelly viu a expressão no rosto dele.
- Oh, desculpa. Isto que eu disse é um clichê, não é?
Mark não respondeu.
Quando Kelly entrou, havia uma meia dúzia de modelos nos vestiários.
- Tenho um anúncio a fazer. Vou casar no domingo e vocês estão todas convidadas.
A sala ficou imediatamente cheia de conversa animada.
- É com o famoso jovem que não nos apresentavas?
- É alguém que nós conhecemos?
- Como é que ele é?
- É como um Cary Grant, versão mais nova - respondeu Kelly orgulhosamente.
- Uau! E nós podemos conhecê-lo?
- Claro. Ele está aqui. - Kelly abriu a porta. - Entra, querido.
Mark entrou no salão e o silêncio instalou-se. Uma das modelos olhou para Mark e perguntou por entre dentes:
- Isto é uma brincadeira?
- Deve ser.
Mark Harris tinha menos uns trinta centímetros do que Kelly, era um homem de aspecto normal, sem nada de especial, com uma escassa cabeleira que começava a ficar grisalha.
Quando o choque inicial passou, as modelos avançaram para cumprimentar os noivos.
- Mas que notícia maravilhosa. Estamos encantadas e felizes por ti. Tenho certeza de que serão muito felizes.
Quando os cumprimentos terminaram, Kelly e Mark saíram. Enquanto avançavam pelo corredor, Mark perguntou:
- Achas que elas gostaram de mim?
- Claro que gostaram - respondeu Kelly a sorrir. - Como é que alguém pode não gostar de ti... - Oh! - Parou de repente.
- O que foi?
- Eu estou na capa de uma revista de moda que acabou de sair. Quero que a vejas. Já volto.
Kelly dirigiu-se aos vestiários. Quando deitava a mão à porta, ouviu as vozes lá dentro:
- Kelly vai mesmo casar com aquele?
Kelly parou e ficou a ouvir.
- Deve ter enlouquecido.
- Eu já a vi rejeitar alguns dos homens mais giros do mundo e dos mais ricos. O que é que ela vê neste?
Uma das modelos que tinha estado calada falou:
- E muito simples - disse.
- O quê?
- Não se riam - e hesitou.
- Diz lá.
- Vocês nunca ouviram a frase: "Ver com os olhos do amor"?
Ninguém riu.
O casamento teve lugar no Ministério da Justiça em Paris e todas as modelos foram damas de honra. Lá fora, na rua, juntara-se uma grande multidão de gente que ouvira falar do casamento da modelo Kelly. Os paparazzi estavam lá todos.
Sam Meadows foi o padrinho de Mark.
- Onde vão passar a lua de mel? - perguntou.
Mark e Kelly olharam um para o outro. Nem sequer tinham pensado nisso.
Mark pensou num nome ao acaso:
- Eeer... Saint Moritz...
- Saint Moritz - corroborou Kelly pouco à vontade.
Nenhum deles estivera antes em Saint Moritz e a vista era de cortar a respiração, uma vista sem fim sobre as majestosas montanhas e os luxuriantes vales.
O Badrutt Palace Hotel fora construído numa encosta. Mark telefonara antes para fazer a reserva e o gerente dava-lhes agora as boas-vindas.
- Boas tardes, senhora e senhor Harris. Tenho a suíte de lua-de-mel preparada.
Mark interrompeu:
Desculpe, seria possível... hum... mandar colocar duas camas duplas no quarto?
- Duas camas? - perguntou o gerente sem se perturbar.
- Eer... isso mesmo.
- Mas com certeza.
- Muito obrigado. - Mark virou-se para Kelly: - Aqui à volta há imensas coisas para ver - e tirou uma lista do bolso. - O Museu Engadine, a pedra Druida, a fonte de São Maurício, a torre inclinada...
Quando Mark e Kelly ficaram a sós na suite, Mark perguntou:
- Querida, eu não quero que fiques numa situação desconfortável. Só estamos a fazer isto para evitar que as pessoas façam comentários. Vamos passar o resto da nossa vida juntos. E aquilo que vamos partilhar é muito mais importante do que qualquer coisa física. Eu só quero estar contigo e quero-te a meu lado.
Kelly lançou os braços ao pescoço dele e abraçou-o.
- Eu... eu nem sei o que dizer.
- Não digas nada - respondeu ele a sorrir.
Jantaram no rés-do-chão e em seguida regressaram à suite. No quarto tinham sido colocadas duas camas de casal.
- Atiramos uma moeda ao ar?
- Não, podes ficar com a que quiseres - e Kelly sorriu.
Quando Kelly saiu da casa de banho, quinze minutos mais tarde, já Mark estava na cama.
Kelly aproximou-se e sentou-se na borda da cama.
- Mark , tens a certeza de que isto vai resultar contigo?
- Nunca na minha vida estive tão seguro de uma coisa como desta.
Boa noite, minha bela querida.
- Boa noite.
Kelly deitou-se na cama a pensar, a reviver a noite que mudara toda a sua vida. Chiu! Não faças barulho! Mas, se alguma vez contares alguma coisa sobre isto à tua mãe, eu volto e mato-a. O que aquele monstro lhe fizera destruíra a sua vida. Matara algo dentro dela e fizera com que passasse a ter medo do escuro... medo dos homens... medo de amar. Ela dera àquele homem poder sobre ela. Eu não o vou permitir. Nunca mais. Todas as emoções que reprimira durante aqueles anos que se seguiram, toda a paixão que sentira crescer explodiram dentro de si. Kelly olhou para Mark e, de repente, sentiu uma desesperada necessidade de o ter. Atirou a roupa da cama para trás caminhou até à cama dele.