- Muito bom! - disse Holmes em tom encorajador. - De fato, Gregson, você fez progressos. Você vai longe!
- É, sem falsa modéstia, eu conduzi tudo muito bem - respondeu com orgulho o detetive. - O rapaz prestou depoimento espontaneamente. Disse que, após ter seguido Drebber por algum tempo, este percebeu o que acontecia e tomou um carro para se ver livre dele.
Voltando, então, para casa, encontrou um colega da Marinha e deram um longo passeio juntos. Quando perguntei onde vivia esse colega, ele não conseguiu dar uma resposta satisfatória. Tudo se encaixa perfeitamente. O que me diverte é pensar em Lestrade, que saiu atrás da pista falsa. Temo que ele não consiga ir muito longe. Mas, vejam só, é o próprio Lestrade que está aqui, em carne e osso.
De fato, era mesmo Lestrade. Subira as escadas enquanto conversávamos e entrava, agora, na sala.
Não se via, porém, a segurança e a boa aparência que, habitualmente, o caracterizavam. Seu rosto estava perturbado e suas roupas sujas e desalinhadas. Era evidente que tinha víndo com a intenção de consultar Sherlock Holmes, mas ao perceber a presença do colega ficara embaraçado. Parou no meio da sala, mexendo nervosamente o chapéu e sem saber o que fazer.
- Este caso é dos mais extraordinários – disse por fim - e dos mais incompreensíveis que já vi.
- Ah, você acha assim, não é, Lestrade! - exclamou Gregson, triunfante. - Achei que chegaria a essa conclusão. Conseguiu encontrar Joseph Stangerson?
- O secretário, Joseph Stangerson - disse Lestrade com gravidade -, foi assassinado no Hotel Halliday, às seis horas desta manhã.
Capítulo 7
Uma luz nas trevas
A informação trazida por Lestrade era tão grave e tào inesperada que ficamos pasmos os três. Gregson ergueu-se de sua cadeira e engoliu o resto de seu uísque com água. Fiquei olhando em silêncio para Sherlock Holmes. Seus lábios estavam comprimidos e suas sobrancelhas franzidas.
- Stangerson também! - murmurou. - A trama se complica.
- Já estava bastante complicada antes – grunhiu l.estrade, pegando uma cadeira. - Parece que interrompi um conselho de guerra ou algo assim.
- Você... está mesmo certo dessa informação que nos deu? - gaguejou Gregson.
- Eu acabo de vir do quarto dele - disse Lestrade. - Fui o primeiro a descobrir o que aconteceu.
- Estávamos ouvindo o ponto de vista de Gregson sobre o caso - observou Holmes. - Importa-se de nos contar o que viu e o que fez?
- Não faço objeções - respondeu Lestrade, sentando-se. - Confesso com franqueza que, na minha opinião, Stangerson estava envolvido na morte de Drebber. Este último acontecimento mostrou que eu estava completamente errado. Centrado numa idéia única, procurei descobrir o que tinha sido feito do secretário. Foram vistos juntos na estação Euston, em torno das oito e trinta da noite do dia três. Às duas da manhã, Drebber foi encontrado em Brixton Road. A questão com a qual eu me debatia era descobrir o que ele fizera entre oito e trinta e a hora do crime, e o que havia feito depois. Telegrafei a Liverpool, dando uma descrição do homem e recomendando que controlassem os barcos americanos. Então, eu me pus a trabalhar, visitando hotéis e pensões nos arredores de Euston. Minha teoria era que, se Drebber e seu companheiro tivessem se separado, o previsível era que este último se alojasse em algum lugar perto da estação para passar a noite e voltar para lá na manhã seguinte.
- Eles devem ter, antecipadamente, combinado um ponto de encontro - observou Holmes.
- Exato. Passei a noite de ontem investigando sem nenhum resultado. Esta manhã comecei muito cedo e, às oito horas, já estava no Hotel Halliday, na Little George Street. Quando perguntei se um Sr. Stangerson estava hospedado lá, de imediato responderam afirmativamente.
“- Sem dúvida, o senhor é o cavalheiro que ele aguarda - disseram. - Há dois dias que ele espera por alguém.”
“- Onde está ele agora? - perguntei.”
“- No andar de cima, dormindo. Pediu para ser acordado às nove.”
“- Vou subir e falar com ele logo - disse.”
- Achei que meu repentino aparecimento iria deixá-lo nervoso e poderia fazer com que deixasse escapar algo. O empregado dispôs-se a me mostrar o quarto: era no segundo andar e chegava-se a ele por um pequeno corredor. Ele indicou-me a porta e já estava para descer quando vi algo que fez com que eu me sentisse mal, apesar de meus vinte anos de experiência. Por baixo da porta, corria um pequeno filete vermelho de sangue que serpenteava pelo corredor, formando uma poça perto do rodapé da parede em frente. Gritei, fazendo o empregado voltar. Ele quase desmaiou quando viu o sangue. A porta estava fechada por dentro, mas nós arremessamos os ombros contra ela e a arrombamos.
A janela do quarto estava aberta e, junto dela, descomposto, jazia o corpo de um homem em roupa de dormir. Já estava morto há algum tempo, pois seus membros estavam frios e rígidos. Quando o desviámos, o empregado o reconheceu de imediato como sendo o mesmo homem que alugara o quarto sob o nome de Joseph Stangerson. A causa da morte fora uma profunda punhalada do lado esquerdo, que deve ter penetrado o coração. E agora vem a parte mais estranha do caso. O que você imagina que encontrei sobre o cadáver?
Senti um arrepio na pele e um pressentimento de horror, mesmo antes de Sherlock Holmes ter respondido.
- A palavra rache, escrita em letras de sangue - disse.
- Exato! - disse Lestrade com voz atemorizada.
Ficamos todos em silêncio por um tempo. Havia algo metódico e incompreensível nos feitos desse assassino desconhecido que tornava ainda mais assustadores seus crimes. Meus nervos, fortes o suficiente no campo de batalha, latejavam agora.
- O assassino foi visto - continuou Lestrade.
- O leiteiro, indo a caminho do trabalho, descia pelo beco que liga as cavalariças ao fundo do hotel. O menino notou que uma escada, geralmente deixada lá, estava erguida em direção a uma janela escancarada do segundo andar. Depois de passar, olhou para trás e viu um homem descendo por ela. Descia de modo tão calmo e explícito que o rapaz imaginou que fosse algum carpinteiro ou encanador a serviço do hotel. Não lhe deu muita atenção, embora pensasse que era muito cedo para que o indivíduo já estivesse trabalhando. Teve a impressão de que o homem era alto, tinha o rosto corado e vestia um longo casaco marrom. Deve ter permanecido algum tempo no quarto depois do assassinato, porque encontramos água manchada de sangue na bacia, onde ele deve ter lavado as mãos, e marcas nos lençóis, onde ele deliberadamente limpou seu punhal.
Olhei para Holmes, ao perceber que a descrição do assassino concordava exatamente com a que ele fizera. No entanto não havia sinal de alegria ou satisfação em seu rosto.
- Não encontrou alguma coisa no quarto que pudesse fornecer uma pista? - perguntou.
- Nada. Stangerson tinha a carteira de Drebber em seu bolso, mas parece que isso costumava acontecer, uma vez que ele era encarregado dos pagamentos. Havia oitenta e poucas libras nela, mas nada foi retirado. Sejam quais forem os motivos desses crimes tão extraordinários, pode-se dizer que roubo não é um deles. Não havia papéis ou anotações nos bolsos da vítima, exceto um único telegrama, datado em Cleveland, cerca de um mês atrás, contendo as palavras, “J. H. Está na Europa”. Não havia nome do remetente.
- Nada mais? - perguntou Holmes.
- Nada de importante. O romance que ele lia antes de dormir estava caído na cama e seu cachimbo estava em uma cadeira a seu lado. Um copo de água estava sobre a mesa e, no peitoril da janela, havia uma caixinha de unguento contendo duas pilulas.
Sherlock Holmes saltou de sua cadeira com uma exclamação de alegria.