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- O último elo! - gritou, exultante. - Meu caso está completo!

Os dois detetives o olharam com espanto.

- Tenho, agora, em minhas mãos - disse, confiante, meu companheiro -, todos os fios desse emaranhado. Há, é claro, detalhes a serem esclarecidos, mas não tenho dúvidas a respeito dos fatos principais, a partir do momento que Drebber deixou Stangerson na estação até a descoberta do corpo desse último. É como se eu tivesse visto tudo com meus próprios olhos. Vou dar-lhes uma prova do que sei. Você pegou essas pílulas?

- Tenho-as aqui - disse Lestrade, mostrando uma caixinha branca. - Eu as peguei e, também, a carteira e o telegrama, para deixá-los em segurança no posto policial. Recolhi as pílulas por acaso, porque, sinceramente, não dei nenhuma importância a elas.

- Deixe que eu veja - pediu Holmes. – Doutor - disse, virando-se para mim -, agora, me diga se são pílulas comuns.

Não eram, sem dúvida. De cor cinza-pérola, eram pequenas, redondas e quase transparentes quando olhadas contra a luz.

- A julgar pela leveza e transparência, devem ser solúveis em água - observei.

- Exato - respondeu Holmes. - E agora você poderia buscar aquele pobre cachorrinho, doente há tanto tempo, que a senhoria queria que você pusesse fim a suas dores ontem?

Fui lá embaixo e voltei com o cachorro nos braços.

A respiração difícil e o olhar vidrado do terrier indicavam que ele não estava longe do fim. De fato, o focinho branco anunciava que ele havia transposto os limites previstos de existência canina.

Coloquei-o sobre uma almofada no tapete.

- Vou, agora, dividir uma dessas pílulas em duas - disse Holmes e, tirando o canivete do bolso, transformou as palavras em ação. - Uma das metades devolvemos à caixa para futuras investigações. A outra metade vou pôr neste copo de vinho com uma colher de chá de água. Percebem que nosso amigo doutor está certo, pois a pílula se dissolve logo.

- Isso pode ser muito interessante - disse Lestrade com o tom ressentido de quem suspeita que caiu no ridículo. - No entanto não consigo ver em que se relaciona com a morte do Sr. Joseph Stangerson.

- Calma, amigo, calma! Verá em seguida que tem tudo a ver. Vou, agora, misturar um pouco de leite para a mistura ficar mais agradável e verão que o cachorro vai bebê-la sem demora.

Enquanto falava, verteu o conteúdo do copo de vinho em um pires e colocou-o frente ao terrier, que, rapidamente, o lambeu todo. A seriedade de Sherlock Holmes nos impressionou tanto que sentamos todos em silêncio, olhando o animal com atenção e esperando algum efeito surpreendente. No entanto nada acontecia. O cachorro continuava deitado sobre a almofada, respirando com dificuldade, mas, segundo parecia, nem melhor nem pior do que estava antes de beber a mistura.

Holmes havia tirado o relógio e, como passavam os minutos sem que se visse qualquer resultado, uma expressão de profundo pesar e desapontamento surgiu em seu rosto. Mordeu os lábios, tamborilou os dedos na mesa e mostrou todos os sinais de impaciência. Estava tão abalado que, com sinceridade, senti pena dele.

Os dois detetives, porém, sorriam sutilmente, nada aborrecidos com a situação.

- Não pode ser coincidência! - exclamou, saltando da cadeira e caminhando nervoso de um lado para outro da sala. - É impossível que seja uma mera coincidência. As mesmas pílulas de que suspeitei no caso de Drebber são encontradas após a morte de Stangerson. E são inócuas? O que significa? É claro que o meu raciocínio inteiro não pode ser falso. É impossível! E, no entanto, este pobre cachorro sequer piorou. Ah, já sei! Já sei!

Com um grito agudo de alegria, correu até a caixa, partiu a outra pílula em duas partes, dissolveu-a, acrescentou leite e deu ao terrier. A língua do infeliz animal mal parecia ter tocado na mistura e seus membros começaram a se agitar em convulsão. Logo caiu rígido e sem vida como se tivesse sido fulminado por um raio.

Sherlock Holmes deu um longo suspiro e enxugou o suor da testa.

- Eu deveria ter tido mais confiança - disse. - Já deveria saber, a estas alturas, que, quando um fato parece ser contrário a uma longa seqüência de dedução, demonstra, invariavelmente, ter alguma outra interpretação. Das duas pílulas na caixa, uma era do veneno mais terrível e a outra completamente inocente. Devia ter percebido isso antes mesmo de ver a caixa.

Esta última afirmação me pareceu tão surpreendente que eu mal acreditava que ele estivesse em seu juízo perfeito. Mas ali estava o cachorro morto para provar que suas conjeturas estavam corretas. Aos poucos, a nebulosidade se afastava de forma gradual de minha mente e eu começava a ter uma vaga, mas ainda sombria percepção da verdade.

- Tudo isso parece-lhes estranho – continuou Holmes - porque, no início das investigações, não deram importância à única pista real que havia diante dos olhos. Tive a grande sorte de captá-la e tudo o mais que aconteceu só confirmou minha suposição inicial e, sem dúvida, deu logicidade a toda a seqüência.

Assim, aquelas coisas que os deixavam perplexos, tornando o caso ainda mais confuso, serviam para esclarecer e fortificar minhas conclusões. É um erro confundir estranheza com mistério. O crime mais comum pode ser o mais misterioso, porque não apresenta características novas ou especiais capazes de fornecer outras deduções. Este assassinato teria sido infinitas vezes mais difícil de revelar se o corpo da vítima simplesmente tivesse sido encontrado na rua sem nenhum desses outré{10} e das características sensacionais que o tornaram tão notável. Esses detalhes estranhos, em lugar de tornarem o caso mais difícil, acabaram fazendo-o mais fácil.

Gregson, que ouvira todo esse discurso com considerável impaciência, não conseguiu mais se conter.

- Ouça aqui, Sr. Sherlock Holmes - disse. - Estamos prontos a reconhecer que é um homem inteligente e que tem seus próprios métodos de trabalho. Mas, agora, queremos algo mais do que sermões e teoria. A questão é apanhar o culpado. Expus minha versão e parece que estava errado. Charpentier não poderá ser acusado do segundo crime. Lestrade foi atrás de seu homem, Stangerson, e parece que ele está errado também. O senhor soltou insinuações aqui, sugestões ali, e parece saber mais do que nós. Chegou o momento em que nos sentimos com direito a perguntar-lhe diretamente o que sabe a respeito. Pode dizer quem é o culpado?

- Não posso deixar de reconhecer que Gregson está certo, senhor - observou Lestrade. - Nós dois tentamos, mas não tivemos sucesso. O senhor mencionou mais de uma vez, desde que cheguei, que tinha todas as coincidências necessárias. Seguramente, não irá ocultá-las por mais tempo.

- Qualquer atraso na captura do assassino - comentei - pode significar tempo para que cometa novas atrocidades.

Embora pressionado por todos, Holmes parecia indeciso. Continuou a caminhar de um lado a outro da sala, com a cabeça baixa e as escuras sobrancelhas cerradas, como costumava ficar quando mergulhado em seus pensamentos.

- Não haverá mais assassinatos - disse, finalmente, parando de modo abrupto e olhando para nós. - Não se preocupem com isso. Perguntaram se eu sei o nome do assassino. Eu sei. O que em si não significa muito, se comparado com a possibilidade de pôr as mãos nele. Isso eu espero fazer em breve. Tenho grandes esperanças de consegui-lo a minha maneira, mas é coisa que exige um cuidado especial, porque terei que tratar com um homem astuto e desesperado, apoiado, conforme tive ocasião de provar, por outro tão esperto quanto ele. Enquanto esse homem não imaginar que alguém está na pista, haverá alguma possibilidade de apanhá-lo. Mas, se ele tiver a mais leve suspeita, mudará de nome e desaparecerá num instante entre os quatro milhões de habitantes desta cidade grande. Sem querer ofendê-los, devo dizer que considero esses homens melhores que a força policial, e por essa razão não solicitei a ajuda de vocês. Se eu fracassar, é claro que serei o responsável por essa omissão. Já estou preparado para isso. No momento, posso prometer que, quando tiver condições de entrar em contato, sem com isso comprometer meus planos, eu o farei.