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No entanto logo tiveram uma prova de que ainda estavam dentro da jurisdição dos Santos. Haviam alcançado a parte mais agreste e mais isolada do passo, quando a jovem soltou um grito de pavor e apontou para o alto. Na rocha da qual se divisava a trilha, destacava-se, nítida e escura contra o céu, a figura de um sentinela solitário. Ele também havia percebido os viajantes e sua interpelação militar soou no silêncio da ravina:

- Quem vem lá?

- Viajamos para Nevada - respondeu Jefferson Hope, com a mão sobre o rifle que pendia da sela.

Podiam ver o guardião solitário, com o dedo na arma, observando-os como se não estivesse satisfeito com a resposta.

- Com permissão de quem? - perguntou.

- Dos Quatro Sagrados - respondeu Ferrier.

Sua experiência com os mórmons o havia ensinado que aquela era a autoridade mais alta à qual poderia se referir.

- Nove por sete! - gritou o sentinela.

- Sete por cinco! - respondeu Jefferson Hope de imediato, lembrando a contra-senha que ouvira no jardim.

- Passem e que o Senhor os acompanhe! - disse a voz mais acima.

Além daquele posto de sentinela, a trilha se alargava e os cavalos podiam prosseguir a trote. Olhando para trás, podiam ver o guarda solitário apoiado sobre sua arma. Compreenderam, então, que haviam ultrapassado o último posto do povo escolhido e que a liberdade os aguardava à frente.

Capítulo 5

os anjos vingadores

Durante toda a noite atravessaram intrincados desfiladeiros e caminhos irregulares salpicados de pedras.

Mais de uma vez se perderam, mas a familiaridade de Hope com as montanhas permitia que reencontrassem a trilha novamente. Quando rompeu a manhã, depararam-se com uma cena maravilhosa e de selvagem beleza. Em todas as direções, grandes picos nevados os cercavam, parecendo que espreitavam um sobre o outro até desaparecerem no horizonte longínquo. Tão escarpadas eram as encostas rochosas que os pinheiros e os lariços pareciam suspensos sobre a cabeça deles, dando a impressão de que bastaria uma simples rajada de vento para que despencassem sobre os passantes. Esse temor não era apenas uma ilusão, pois aquele vale estéril estava entulhado de árvores e rochas que haviam caído de modo similar. No exato momento em que passavam, uma enorme rocha despencou num estrondo rouco, ctespertando ecos nas gargantas silenciosas e assustando os cavalos extenuados, que se puseram a galope.

Quando o sol se levantou lentamente no horizonte oriental, os picos das gigantescas montanhas foram se iluminando um após o outro, como lâmpadas em um festival, até que ficassem todos rubros e brilhantes.

Esse magnífico espetáculo animou o coração dos três fugitivos, renovando-lhes as energias. Pararam junto a uma torrente impetuosa que brotava de uma ravina e deram de beber aos cavalos, participando de um rápido desjejum. Lucy e o pai gostariam de ter descansado um pouco mais, mas Jefferson Hope foi inexorável.

- A esta altura, já estão no nosso rastro - disse.

- Tudo vai depender de nossa velocidade. Uma vez em Carson, a salvo, poderemos descansar pelo resto de nossas vidas.

Durante o dia inteiro enfrentaram a travessia pelos desfiladeiros e, à tardinha, calcularam haver se distanciado uns cinqüenta quilômetros de seus inimigos. À noite, escolheram a base de uma saliência rochosa em que as pedras ofereciam certa proteção contra o vento gelado. Aconchegaram-se uns aos outros para que se aquecessem e aproveitaram umas poucas horas de sono. Antes que amanhecesse, contudo, puseram-se de pé e novamente a caminho. Não tinham visto nenhum sinal de perseguidores e Jefferson Hope começou a pensar que já estavam praticamente fora do alcance da terrível organização em cuja ira haviam incorrido. Não sabiam que distância alcançava aquela mão nem quão próxima estava de apanhá-los e aniquilá-los.

Por volta da metade do segundo dia de fuga, as poucas provisões que levaram começaram a escassear.

Isso, no entanto, provocou pouco desconforto ao caçador, porque havia caça nas montanhas e, com freqüência, em ocasiões anteriores, ele dependera de seu rifle para prover a subsistência. Escolheu um recanto abrigado, empilhou uns galhos secos e fez uma boa fogueira para que seus companheiros pudessem se aquecer, uma vez que estavam a uns mil e quinhentos metros acima do nível do mar e o ar era frio e cortante naquelas alturas.

Hope prendeu os animais, deu adeus a Lucy, jogou a arma sobre os ombros e partiu em busca da caça que porventura se atravessasse em seu caminho. Voltando-se, viu o velho e a moça agachados perto do fogo aceso, enquanto os três animais permaneciam imóveis ao fundo. Depois, os rochedos se interpuseram, escondendo-os de sua vista.

Ele andou por uns três quilômetros, atravessando uma ravina após outra sem sucesso, embora, pelas marcas deixadas nas cascas das árvores, e também por outras indicações, julgasse haver numerosos ursos nas imediações. Finalmente, depois de duas ou três horas de busca infrutífera, quando, sem esperanças, já pensava em voltar, ergueu os olhos e viu algo que lhe encheu de satisfação.

Na borda de um penhasco inclinado, noventa ou cem metros acima, viu um animal semelhante a um carneiro, mas com um par de chifres gigantescos. O chifre-comprido - porque era assim que o animal se chamava - provavelmente cumpria a função de guardião de um rebanho invisível ao caçador. Por sorte, o animal ia em direção contrária e não o viu. Deitando-se de bruços, Hope apoiou o rifle sobre uma pedra e fez uma longa e cuidadosa pontaria antes de puxar o gatilho.

O animal saltou no ar, tropeçou por um instante na borda do precipício e rolou para o vale mais abaixo.

Era um animal muito pesado para ser carregado, e o caçador contentou-se em cortar-lhe um quarto e parte do flanco. Com o troféu sobre o ombro, apressou-se em voltar, pois a noite se aproximava. Mal começara a andar, no entanto, percebeu a dificuldade com que se defrontava. Na ansiedade em que estava, havia ultrapassado as ravinas conhecidas e, agora, não era fácil reencontrar o caminho que percorrera. O vale em que estava dividia-se e subdividia-se em muitas gargantas, tão parecidas entre si que era impossível distinguilas. Entrou por uma delas e andou um quilômetro e meio, ou um pouco mais, até chegar a uma corrente vinda das montanhas que, ele tinha certeza, nunca vira antes. Convencido de ter seguido o caminho errado, tentou outro, mas o resultado foi o mesmo.

Anoitecia rapidamente e já estava quase escuro quando, por fim, Hope encontrou-se em um desfiladeiro que lhe era familiar. Mesmo assim, não foi fácil manter-se no caminho certo, porque a lua ainda não havia aparecido e os altos penhascos das margens faziam a escuridão ainda mais profunda. Sobrecarregado com o que levava, cansado pelo esforço dispendido, ele cambaleava, animado pelo pensamento de que cada passo o aproximava de Lucy e, além disso, de que levava consigo o suficiente para garantir-lhes alimentação para o resto da jornada.

Finalmente atingiu a entrada do desfiladeiro onde deixara os companheiros. Mesmo na escuridão podia reconhecer o contorno dos penhascos que o cercavam.

Imaginou que Ferrier e Lucy deveriam estar aguardando-o com ansiedade, pois estivera ausente por umas cinco horas. Satisfeito, levou as mãos à boca, fazendo ecoar por todo o vale um forte “alô”, como sinal de que estava se aproximando. Parou, aguardando uma resposta. Nada ouviu além de seu próprio grito, que ecoou pelas ravinas tristes e silenciosas, voltando a seus ouvidos em repetições incontáveis. Gritou mais uma vez, mais alto do que na primeira e, de novo, não ouviu sequer um sussurro dos amigos que deixara pouco tempo atrás. Um terror vago e inominável apossou-se dele.