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Chegando lá, esbarrei com um policial que estava saindo, e a única forma de escapar de suas suspeitas foi fingir que estava totalmente embriagado.

“Foi assim que Enoch Drebber encontrou seu fim. Tudo que me restava a fazer era dar o mesmo castigo a Stangerson, para que pagasse seu débito com John Ferrier. Sabia que estava hospedado no Hotel Halliday e fiquei perambulando pelos arredores o dia inteiro, mas ele não apareceu. Deve ter suspeitado de algo, quando Drebber não compareceu ao encontro. Stangerson era esperto e nunca afrouxava a guarda. Se pensava, porém, que me manteria afastado, ficando dentro do hotel, estava completamente enganado. Logo descobri qual a janela de seu quarto. Na manhã seguinte, usando uma das escadas que eram deixadas na passagem atrás do hotel, subi até lá mal o dia clareava. Despertei-o, avisando que tinha chegado a hora dele responder pela vida que havia tirado tanto tempo atrás. Descrevi-lhe a morte de Drebber e ofereci a ele a mesma escolha das pílulas envenenadas. Em lugar de aceitar a oportunidade de salvação que eu lhe oferecia, saltou da cama e voou em meu pescoço. Para defender-me, apunhalei-o no coração. Daria no mesmo, em qualquer caso, porque a Providência não iria permitir que aquela mão culpada pegasse outra que não fosse a pílula envenenada.

“Tenho pouco mais a dizer, e ainda bem, porque estou no fim de minhas forças. Continuei trabalhando por mais um dia ou dois, esperando juntar o dinheiro suficiente para voltar à América. Estava parado no estacionamento quando um menino maltrapilho perguntou se havia um cocheiro lá chamado Jefferson Hope e dizendo que um cavalheiro precisava de um carro na Baker Street, 221 B. Fui até lá sem suspeitar de nada e tudo o que sei é que, no momento seguinte, este jovem aqui punha algemas em meus pulsos, com eficiência nunca vista. Esta é toda minha história, cavalheiros. Podem me considerar um assassino, mas, em minha opinião, sou um instrumento da justiça como vocês também o são.”

Tão emocionante fora a narrativa daquele homem e tão impressionante seu comportamento que havíamos permanecido calados e absortos. Até mesmo os detetives profissionais, acostumados como eram a todos os aspectos do crime, demonstraram estar vivamente interessados na história de Jefferson Hope. Quando concluiu, ficamos alguns momentos num silêncio quebrado apenas pelo ruído do lápis de Lestrade no papel, que dava os retoques finais em seu relato taquigrafado.

- Há apenas um ponto sobre o qual eu gostaria de ter um esclarecimento - disse, por fim, Sherlock Holmes. - Quem era o cúmplice que se apresentou para recuperar a aliança quando publiquei o anúncio?

O prisioneiro piscou o olho para meu amigo de modo jocoso.

- Posso contar-lhe meus segredos – respondeu -, mas não ponho outras pessoas em encrenca. Vi seu anúncio e pensei que tanto poderia ser uma cilada quanto, de fato, ser a jóia que buscava. Meu amigo dispôs-se a ir ver. Penso que não vai deixar de admitir que ele se saiu muito bem.

- Sem dúvida! - exclamou Holmes com ênfase.

- Agora, senhores - observou o inspetor com gravidade -, vamos cumprir com as formalidades legais. Na quinta-feira, o prisioneiro será levado a tribunal e a presença dos senhores será exigida. Até lá, eu serei responsável por ele.

Tocou uma sineta enquanto falava e Jefferson Hope foi conduzido por dois guardas, enquanto meu amigo e eu deixamos o posto policial e pegamos um carro em direção a Baker Street.

Capítulo 7

Conclusão

Tínhamos sido todos convocados a comparecer perante os magistrados na quinta-feira. Mas, quando esse dia chegou, não havia mais necessidade de nosso testemunho. Um juiz mais alto tomara o assunto em suas mãos, e Jefferson Hope fora intimado a um tribunal que o julgaria com absoluta justiça. Na mesma noite após sua captura, o aneurisma estourou e, pela manhã, ele foi encontrado estirado sobre o piso da cela, com um plácido sorriso estampado no rosto. Era como se, em seus momentos finais, recapitulando a vida que levara, tivesse concluído que fora útil e que cumprira sua missão.

- Gregson e Lestrade ficarão furiosos com essa morte - observou Holmes, quando comentávamos o caso na noite seguinte. - Acabou-se a grande publicidade que esperavam ter.

- Não vejo que grande participação tiveram nessa captura - respondi.

- O que você traz neste mundo não tem nenhuma importância - replicou meu companheiro com amargura. - A questão é o que os outros acreditam que você fez. Não importa - continuou ele mais animado, após uma pausa. - Eu não perderia essa investigação por nada. Não houve caso melhor de que me lembre.

Apesar de simples, apresentou aspectos bastante instrutivos.

- Simples? ! - exclamei.

- Bem, na verdade, é difícil considerá-lo de outra forma - disse Sherlock Holmes, sorrindo diante de minha surpresa. - A prova de sua intrínseca simplicidade é que, apenas com a ajuda de algumas deduções bastante comuns, fui capaz de prender o criminoso em três dias.

- É, isso é verdade - concordei.

- Já comentei com você que um detalhe fora do comum funciona mais como uma orientação do que como um obstáculo. Para resolver problemas semelhantes, o fundamental é saber raciocinar de modo retrospectivo. É um procedimento de grande utilidade e muito fácil, apesar das pessoas recorrerem pouco a ele. Nos assuntos do dia-a-dia, o mais conveniente é raciocinar para frente e, assim, a outra forma de pensar acaba sendo negligenciada. Para cinqüenta pessoas que raciocinam sinteticamente, há apenas uma que raciocina de modo analítico.

- Confesso que não estou entendendo bem o que quer dizer - falei.

- Não esperava que o fizesse. Deixe ver se consigo ser mais claro. A maioria das pessoas, quando ouvem a descrição de uma seqüência de eventos, são capazes de dizer qual o provável resultado deles. Alinham mentalmente esses acontecimentos e deduzem o que virá a acontecer. Há poucas pessoas, no entanto, que, conhecendo um resultado, são capazes de desmontá-lo interiormente e recompor cada etapa do processo que levou a tal conclusão. É dessa faculdade que falo, quando me refiro a raciocinar retrospectivamente ou de forma analítica.

- Compreendo.

- Este foi um caso em que só se tinha o resultado e todo o resto ficou por nossa conta descobrir. Deixe eu tentar mostrar as diferentes etapas de meu raciocínio. Vamos começar pelo princípio. Como sabe, cheguei a casa a pé e com a mente livre de qualquer impressão. Naturalmente, comecei pelo exame da rua e lá, conforme já lhe expliquei, vi com clareza as marcas de um carro que, foi confirmado na investigação que fiz, havia estado na casa durante a noite. Tive certeza de que era um carro de aluguel, e não um particular, pela bitola estreita das rodas. O que costuma circular em Londres é bem mais estreito que a carruagem de um cavalheiro.

“Esse foi o primeiro ponto ganho. Caminhei, então, vagarosamente pela trilha do jardim, que era de solo argiloso, muito bom para guardar impressões. Sem dúvida aquilo pareceu a você apenas um lamaçal pisoteado, mas para meus olhos treinados cada marca tinha um significado. Não há ramo da ciência da investigação que seja tão importante e tão negligenciado quanto a arte de identificar pegadas. Por sorte, sempre me dediquei muito a isso e a prática constante fez com que se tornasse em mim uma segunda natureza. Notei as pesadas pegadas do agente policial, mas reparei também na dos dois homens que primeiro passaram pelo jardim. Era fácil dizer que eram anteriores, porque em alguns lugares suas pegadas haviam sido inteiramente apagadas pelas que vieram depois. Formei, então, o segundo elo de minha cadeia, que me dizia que os visitantes noturnos eram dois, um deles de estatura notável (conforme calculei pela largura de seus passos) e o outro elegantemente vestido, a julgar pela marca pequena e distinta deixada por suas botas.