– Sou um madrugador e geralmente dou um passeio antes do café. Eu mal tinha começado a andar hoje cedo quando a carruagem do médico me alcançou. Ele me disse que a velha sra. Porter tinha enviado um menino com uma mensagem urgente. Fui com ele. Quando chegamos lá, vimos aquela cena horrorosa. As velas e a lareira deviam ter se apagado muito tempo antes, e eles ficaram sentados ali, na escuridão, até que amanheceu. O médico disse que Brenda já devia estar morta há pelo menos seis horas. Não havia sinais de violência. Ela simplesmente estava caída no braço da cadeira, com aquela expressão no rosto. George e Owen cantavam trechos de canções e se contorciam como dois macacos. Oh, foi horrível ver aquilo! Eu não agüentei e o médico estava branco feito cera. Na verdade, ele caiu numa cadeira, como que desmaiado, e quase morreu também!...
– Notável! Realmente notável! – disse Holmes, levantando-se e pegando o chapéu. – Acho que talvez seja melhor irmos logo para Tredannick Wartha. Confesso que raramente ouvi um caso que, à primeira vista, me parecesse um problema tão fora do comum.
Nossas providências naquela primeira manhã não fizeram a investigação avançar muito. Mas, logo no início, houve um fato que deixou em mim a mais sinistra das impressões.
A estradinha que dava no local da tragédia era estreita e cheia de curvas. Quando estávamos indo para lá, ouvimos o barulho de uma carruagem vindo atrás de nós, e encostamos à beira do caminho para deixá-la passar. Quando passou por nós, consegui ver na janela um rosto horrível e deformado, com um sorriso malévolo, olhando para nós. Aquele olhar fixo e os dentes num esgar perverso passaram rapidamente, como uma visão medonha.
– Meus irmãos – gemeu Mortimer Tregennis, com os lábios brancos. – Eles os estão levando para o Hospício de Helston.
Olhamos com horror para a carruagem negra que desaparecia no caminho. Então continuamos em direção à casa maldita na qual eles tiveram esse destino trágico.
Era uma residência grande e clara, mais uma vila do que um chalé, com um jardim grande que, naquela atmosfera de Cornish, já estava cheio de flores da primavera.
Lá estava a janela da sala que dava para o jardim e através dela, de acordo com Mortimer Tregennis, deve ter vindo o mal que, pelo simples horror, num instante arruinara o juízo de seus irmãos. Holmes andou lentamente pelos canteiros e pela alameda, pensativo, antes de entrarmos na casa.
Ele estava tão absorto nos seus pensamentos que, eu me lembro, tropeçou num regador, derramando o conteúdo e molhando nossos pés e o caminho arenoso do jardim. Na casa, fomos atendidos pela velha empregada, sra. Porter, que, ajudada por uma criada jovem, cuidava das necessidades da família. Respondeu prontamente às perguntas de Holmes. Não ouvira nada durante a noite. Seus patrões estavam em excelente estado de espírito nos últimos tempos, e ela nunca os vira mais alegres e satisfeitos. De manhã, ao entrar na sala, desmaiara, horrorizada ao ver o quadro medonho em volta da mesa. Quando recobrou os sentidos, abriu a janela para deixar entrar o ar fresco da manhã, saiu pela estrada e mandou um rapaz que trabalha numa fazenda chamar o médico. A morta estava na cama dela, no segundo andar, caso quiséssemos vê-la. Foram necessários quatro homens fortes para colocar os dois irmãos dementes no carro do hospício. A velha criada não ficaria um dia a mais naquela casa e voltaria naquela mesma tarde para perto de sua família, em St. Ives.
Subimos as escadas e vimos a morta. A srta. Brenda Tregennis fora uma garota muito bonita, embora estivesse agora beirando a meia-idade. Seu rosto moreno, bem delineado, era bonito, mesmo depois de morta, mas ainda havia vestígios da convulsão de terror, sua última emoção humana. Fomos até a sala de jantar, onde ocorrera a tragédia. Na lareira ainda estavam as cinzas carbonizadas. Na mesa, os quatro candelabros e as velas totalmente consumidas, e as cartas de baralho ainda espalhadas. As cadeiras haviam sido encostadas nas paredes, mas as outras coisas estavam na mesma posição da noite anterior. Holmes andou pelo aposento, sentou-se nas várias cadeiras, colocando-as nas posições anteriores.
Do interior, verificou que parte do jardim era possível ver da janela; examinou o chão, o teto e a lareira. Mas em nenhum momento vi no rosto dele o brilho repentino dos olhos e a contração dos lábios que me teriam revelado que vira alguma luz naquela escuridão absoluta.
– Por que uma lareira? – perguntou. – Eles sempre mantinham o fogo aceso nesta sala pequena, nas noites de primavera?
Mortimer Tregennis explicou que a noite estava fria e úmida. Por causa disso, eles acenderam a lareira depois que ele chegou.
– O que vai fazer agora, sr. Holmes? – ele perguntou.
Meu amigo sorriu e pôs a mão no meu braço.
– Eu acho, Watson, que devo voltar a me envenenar com o fumo, coisa que você tem condenado tão freqüentemente e com razão. Com sua permissão, cavalheiros, vamos voltar agora para o nosso chalé, porque eu acho que nenhuma novidade vai aparecer agora. Vou analisar os fatos, sr. Tregennis, e se me ocorrer algo, naturalmente comunicarei ao senhor e ao vigário. Até lá, desejo-lhes um bom dia.
Holmes quebrou seu longo silêncio muito tempo depois de termos voltado ao chalé de Poldhu. Sentara-se encolhido na sua poltrona, com o rosto magro e contemplativo envolto numa nuvem azul de seu cachimbo, as espessas sobrancelhas castanhas e a testa contraídas, os olhos vazios e distantes. Finalmente, deixou de lado o cachimbo e levantou-se.
– Assim não dá, Watson – disse, com uma risada. – Vamos dar uma caminhada pelos campos e procurar setas de pedra. Será mais fácil achá-las do que encontrar pistas para o nosso caso. Deixar o cérebro trabalhar sem alimentá-lo com material suficiente é o mesmo que exigir demais de um motor. Ele se reduz a pedaços. A brisa marinha, a luz do sol, e paciência, Watson... todo o resto virá.
– Agora, Watson – disse, enquanto contornávamos os rochedos –, vamos definir com calma a nossa posição. Vamos nos apegar ao pouco que já sabemos, de modo que, se houver fatos novos, estaremos prontos para encaixá-los nos devidos lugares. Em primeiro lugar, temos de admitir que nenhum de nós aceita este caso como intrusões diabólicas em assuntos humanos. Vamos começar tirando essas idéias da cabeça. Muito bem. Temos três pessoas que foram perversamente atingidas por um agente humano, consciente ou inconsciente. Isto é líquido e certo. E agora, quando ocorreu isso? Evidentemente, supondo que o relato do sr. Mortimer Tregennis seja verdadeiro, foi logo depois que ele saiu da casa. Este é um ponto muito importante. A suposição é que tenha ocorrido poucos minutos depois. As cartas ainda estavam na mesa. Já passara da hora em que eles costumavam dormir. Mesmo assim não mudaram de posição nem afastaram as cadeiras. Repito, portanto, que o fato ocorreu logo após a partida do irmão, e antes das 11 horas. Nosso próximo passo, logicamente, é verificar, até onde pudermos, os movimentos de Mortimer Tregennis depois que saiu da casa. Não há dificuldades quanto a isso, e eles não me parecem suspeitos. Você, que conhece meus métodos, também sabe que, derrubando o regador, consegui uma impressão mais nítida de suas pegadas do que conseguiria de outra forma. O caminho cheio de areia a imprimiu maravilhosamente. A noite de ontem estava úmida, como sabe, e não foi difícil – depois de ter conseguido o modelo – seguir suas pegadas no meio de outras e acompanhar seus movimentos. Parece que ele foi para a paróquia, andando rapidamente. Se Mortimer Tregennis saiu de cena e alguém de fora perturbou os jogadores, como poderemos descrever essa pessoa e que tipo de horror ela transmitiu? A sra. Porter pode ser descartada. Ela, evidentemente, é inofensiva. Existe alguma prova de que alguém tenha espiado pela janela do jardim e, de algum modo, provocado um efeito tão terrível naqueles que o viram a ponto de enlouquecerem? A única sugestão neste sentido vem do próprio Mortimer Tregennis, que afirmou que seu irmão mencionou algum movimento no jardim. Isto, sem dúvida, é extraordinário, já que a noite estava chuvosa, nublada e escura. Qualquer um que quisesse assustar aquelas pessoas seria obrigado a encostar a cara na vidraça para ser visto. Há um canteiro, de mais ou menos 1 metro, perto da janela, mas sem nenhuma marca de pé. Fica difícil imaginar como uma pessoa, do lado de fora, conseguiu causar uma impressão tão terrível no grupo, e não descobrimos um motivo plausível para um atentado tão estranho e complexo. Percebe as nossas dificuldades, Watson?