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– Aí está por que eu fiz isso – ele disse.

O retrato mostrava o busto e o rosto de uma mulher lindíssima. Holmes inclinou-se para olhar.

– Brenda Tregennis – disse.

– Sim, Brenda Tregennis – repetiu o visitante. – Eu a amei durante anos. E durante anos ela me amou. Este é o segredo de minha reclusão em Cornish, que tem intrigado todo mundo. Esse amor me trouxe para perto da única coisa no mundo que eu queria. Não podia me casar com ela, porque tenho uma esposa que me abandonou há muito tempo e, mesmo assim, pelas leis deploráveis da Inglaterra, não pude me divorciar. Brenda esperou durante anos. Eu também. E esperamos para ter este final trágico.

Um suspiro profundo fez estremecer aquela figura enorme e ele apertou a garganta sob a barba. Depois, com esforço, conseguiu controlar-se e continuou.

– O vigário sabia do nosso segredo. Ele poderá dizer-lhe que ela era um anjo na terra. Foi por isso que me telegrafou e eu voltei. Que me importavam as malas e a África quando fiquei sabendo do que acontecera com o meu amor? Aí está o elo que faltava para explicar a minha ação, sr. Holmes.

– Prossiga – pediu Holmes.

O dr. Sterndale tirou do bolso um pacotinho e o colocou na nossa frente. No papel do embrulho estava escrito “”, com uma etiqueta vermelha embaixo, indicando tratar-se de veneno. Empurrou-o em minha direção.

– Sei que o senhor é médico. Já ouviu falar desta planta?

– Raiz pé do diabo. Não, nunca ouvi.

– Isto não desmerece seu conhecimento profissional – ele continuou – porque eu acho que, com exceção de um exemplar num laboratório de Budapeste, não existe outro espécime na Europa. Ainda não está devidamente catalogado na farmacopéia ou nos tratados sobre toxicologia. A raiz tem o formato de um pé, meio humano, meio animal, como o de um bode, daí o nome extravagante dado por um missionário botânico. É usado como veneno para castigos pelos curandeiros de algumas regiões da África Ocidental, e guardado como segredo entre eles. Consegui esta amostra no distrito de Ubangi, em circunstâncias muito especiais.

Abriu o pacote enquanto falava e mostrou um montinho de um pó castanho-avermelhado, parecido com rapé.

– E daí, senhor? – perguntou Holmes, incisivo.

– Vou contar-lhe, sr. Holmes, tudo que realmente aconteceu, porque parece que o senhor já sabe tanto que é, logicamente, do meu interesse que saiba de tudo. Já lhe expliquei o meu relacionamento com a família Tregennis. Pelo amor à irmã, eu era amigo dos irmãos. Houve um desentendimento entre eles a respeito de dinheiro, o que fez Mortimer afastar-se deles; mas supunha-se que tudo estivesse resolvido, e eu me encontrei com ele depois, como o fizera antes com os outros. Ele era um sujeito astucioso, sutil e vingativo, e várias coisas fizeram com que eu suspeitasse dele, mas não tinha motivo para uma briga de fato. Um dia, há apenas duas semanas, ele foi até meu chalé e eu lhe mostrei algumas de minhas curiosidades africanas. Entre outras coisas, mostrei-lhe este pó e falei das suas estranhas propriedades, que ele estimula os centros nervosos do cérebro que controlam a emoção do medo, e que o nativo infeliz que é submetido à provação pelo curandeiro da tribo fica louco ou morre. Contei-lhe também que a ciência européia é incapaz de detectá-lo. Como ele conseguiu a erva eu não sei, já que não saí da sala, mas sem dúvida foi quando eu estava abrindo os armários e procurando coisas nas caixas que ele deu um jeito de pegar um pouco da raiz pé do diabo. Lembro que ele fez perguntas sobre a quantidade e o tempo necessários para produzir efeito, mas eu nem sonhava que ele pudesse ter motivos pessoais para perguntar. Não pensei mais no assunto até receber o telegrama do vigário em Plymouth. O bandido pensava que eu estaria em alto-mar quando recebesse a notícia, e que eu ficaria perdido na África durante anos. Mas voltei imediatamente. Ao ouvir os detalhes, claro que percebi que meu veneno fora usado. Vim falar com o senhor para saber se havia alguma outra explicação possível. Mas não poderia haver. Eu sabia que o assassino era Mortimer Tregennis; pelo amor ao dinheiro, e talvez com a idéia de que, se seus irmãos enlouquecessem, ele poderia assumir sozinho a tutela dos bens, usou contra eles o pó venenoso, deixando dois irmãos loucos e matando a irmã, a única mulher que amei na vida. Ali estava o crime dele. Qual deveria ser o seu castigo? Deveria apelar para a justiça? Onde estavam as minhas provas? Como eu poderia fazer um júri composto de aldeões acreditar numa história tão fantástica? Eu poderia ou não. Mas não podia dar-me ao luxo de arriscar. Minha alma clamava por vingança. Já lhe disse antes, sr. Holmes, que passei grande parte da minha vida longe da lei, e que me acostumei a praticá-la por mim mesmo. Agora era a ocasião. Decidi que o mesmo destino que ele infligira aos outros deveria ser dado a ele também. Isto, ou então eu faria justiça com minhas próprias mãos. Não existe na Inglaterra ninguém que dê menos valor à própria vida do que eu agora. Já lhe disse tudo. O senhor conhece o resto. Como o senhor mesmo contou, saí bem cedo de minha cabana depois de uma noite insone. Eu já havia previsto minhas dificuldades para acordá-lo, de modo que apanhei algumas pedras do montinho que o senhor mencionou, e as usei para jogar na janela. Ele desceu e deixou-me entrar pela janela da sala. Eu o acusei do crime e disse que estava ali no papel de juiz e carrasco. Aquele trapo humano afundou-se na cadeira, paralisado ao ver o meu revólver. Acendi o lampião, coloquei o pó ali e fiquei do lado de fora da janela, pronto para cumprir minha ameaça de matá-lo caso tentasse sair da sala. Ele morreu em cinco minutos. Meu Deus! O modo como ele morreu! Mas meu coração estava duro como uma pedra, porque ele sentiu tudo o que minha amada Brenda tinha sentido antes dele. Esta é a minha história, sr. Holmes, e talvez, se amasse uma mulher, faria o mesmo. De qualquer maneira, estou nas suas mãos. Pode fazer o que achar melhor. Como já disse, não existe ninguém que tema a morte menos do que eu.

Holmes permaneceu sentado em silêncio durante algum tempo.

– Quais eram seus planos? – perguntou, finalmente.

– Pretendia embrenhar-me na África Central. Meu trabalho lá ainda está pela metade.

– Vá e  faça a outra metade – disse Holmes. – Eu, pelo menos, não posso impedi-lo.

O dr. Sterndale levantou-se, uma figura imensa, curvou a cabeça solenemente num cumprimento e saiu.

Holmes acendeu o cachimbo e me entregou a bolsa do fumo.

– Uma fumaça não-venenosa seria uma mudança bem-vinda. Acho que você concorda, Watson, que este é um final em que não devemos interferir. Nossas investigações foram independentes, e nossa ação também deve ser. Você denunciaria o homem?

– Claro que não – respondi.

– Nunca amei, Watson, mas se o fizesse e a mulher que eu amasse tivesse um fim assim, eu agiria da mesma forma que o nosso destemido caçador de leões. Quem sabe? Bem, Watson, não vou ofender sua inteligência contando-lhe o óbvio. As pedras no peitoril da janela foram, é claro, o ponto de partida das minhas investigações. Não havia nada igual no jardim da paróquia. Somente quando minha atenção foi atraída para o dr. Sterndale e sua cabana é que achei pedras iguais. O lampião aceso em plena luz do dia e os restos do pó eram elos sucessivos de uma seqüência lógica. E agora, caro Watson, acho que devemos tirar o assunto da cabeça e voltar, com a consciência limpa, ao estudo das raízes dos caldeus que, seguramente, podem ser encontradas no ramo cornualhês da língua celta.

seu último caso

Um epílogo de Sherlock Holmes

Eram nove da noite de 2 de agosto – o mais terrível agosto da história do mundo. Podia-se pensar que a cólera de Deus já se abatera violentamente sobre um mundo degenerado, porque havia um silêncio apavorante e dava uma sensação de expectativa no ar abafado e sufocante. O sol já havia se posto há bastante tempo, mas uma fímbria vermelho-sangue, como uma ferida aberta, era visível no oeste distante. Acima, as estrelas brilhavam, intensamente, e embaixo, havia as luzes vacilantes das embarcações ancoradas na baía.