– “Bem, senhor”, ela disse com uma voz que parecia o vento vindo de um iceberg, “seu nome me é familiar. Sei que o senhor veio nos visitar para difamar meu noivo, o barão Gruner. Foi só porque o meu pai pediu que eu o recebo, e advirto-o de antemão que nada que o senhor disser poderá me influenciar.”
– Tive pena dela, Watson. Naquele instante pensei nela como teria pensado numa filha. Não costumo ser eloqüente. Uso a cabeça, não o coração. Mas realmente argumentei com ela, com todo o ardor de que minha natureza é capaz. Descrevi-lhe a terrível situação da mulher que só descobre o caráter de um homem depois que é sua esposa – uma mulher que tem de se sujeitar a ser acariciada por mãos sanguinárias e lábios lascivos. Não lhe poupei coisa alguma – a vergonha, o medo, a agonia, a desesperança de tudo. As minhas palavras apaixonadas não conseguiram trazer qualquer colorido àquelas faces de marfim ou um brilho de emoção àqueles olhos ausentes. Pensei no que o canalha havia dito a respeito da influência pós-hipnótica. Podia-se realmente acreditar que ela estava vivendo acima da Terra, em algum sonho extático. Mas não havia nada de vago em suas respostas.
– “Eu o ouvi com paciência, sr. Holmes”, ela disse. – O efeito sobre a minha mente é exatamente o que estava previsto. Sei que Adelbert, meu noivo, teve uma vida tumultuada, que lhe acarretou ódios amargos e a mais injusta das desonras. O senhor é apenas o último de uma série de pessoas que me contaram calúnias a seu respeito. Possivelmente está bem-intencionado, embora eu saiba que é um agente pago e que estaria tão disposto a agir a favor do barão como contra ele. Mas, de qualquer modo, quero que compreenda de uma vez por todas que eu o amo e que ele me ama, e que a opinião do mundo inteiro não significa mais para mim do que o chilrear daqueles pássaros do lado de fora da janela. Se a sua natureza nobre, alguma vez, por um instante, degradou-se, pode ser que eu tenha sido especialmente enviada para conduzi-la ao seu verdadeiro nível elevado. Eu não estou sabendo”, aqui ela olhou minha acompanhante, “quem é esta jovem senhora.”
– Eu estava prestes a responder quando a moça começou a falar como um turbilhão. Se alguma vez você viu fogo e gelo face a face, eram aquelas duas mulheres.
– “Eu vou lhe dizer quem sou!”, ela gritou, saltando da cadeira, a boca retorcida pela emoção. “Sou sua última amante. Sou uma entre as cem que ele tentou, usou, arruinou e atirou na pilha de refugos, como fará com você também. Sua pilha de refugos mais parece um túmulo e talvez assim seja melhor. Eu lhe direi, mulher tola, se vier a se casar com este homem, ele será como a morte para você. Pode ser um coração dilacerado, ou talvez, um pescoço quebrado, mas ele o fará, de uma maneira ou de outra. Não é por amor a você que estou falando. A mim não importa que você viva ou morra. É por ódio, para contrariá-lo e para devolver-lhe tudo o que me fez. Mas tanto faz e você não precisa me olhar deste jeito, minha fina senhorita, pois poderá tornar-se inferior a mim antes de terminar com ele.”
– “Prefiro não discutir esses assuntos”, disse a senhorita de Merville friamente. “Deixe-me dizer, de uma vez por todas, que estou ciente dos três incidentes na vida do meu noivo, nos quais ele se enredou com mulheres astuciosas, e que eu estou certa de seu arrependimento sincero por qualquer mal que ele possa ter praticado.”
– “Três incidentes!”, gritou minha companheira. “Sua tola! Sua tola de uma figa!”
– “Sr. Holmes, peço-lhe que dê esta entrevista por encerrada”, disse a voz gelada. “Recebendo-o e ouvindo-o, obedeci à vontade de meu pai, mas não sou obrigada a ouvir os delírios desta pessoa.”
– Com uma imprecação, a srta. Winter precipitou-se para a frente, e se eu não a segurasse pelo pulso, teria agarrado pelos cabelos esta mulher encolerizada. Eu a puxei em direção à porta e tive a sorte de colocá-la de volta dentro do táxi sem uma cena, pois ela estava fora de si de raiva. De maneira controlada, eu mesmo estava furiosíssimo, Watson, porque havia algo indescritivelmente incômodo na calma indiferença, e na suprema autocomplacência daquela mulher que tentávamos salvar. Portanto agora, mais uma vez, você sabe exatamente em que pé estamos, e é evidente que preciso planejar alguma nova jogada, pois esta inicial não vai adiantar. Vou ficar em contato com você, Watson, pois é muito provável que você tenha de representar sua parte, mas talvez a próxima jogada seja mais deles do que nossa.
E foi. Eles deram o golpe, ou melhor, ele deu, porque jamais pude acreditar que a senhorita de Merville tivesse conhecimento disso. Acho que eu seria capaz de mostrar-lhe exatamente onde eu estava quando meus olhos caíram sobre o título de uma notícia, e uma angústia atravessou minha alma. Foi entre o Grand Hotel e a estação de Charing Cross, onde um jornaleiro perneta exibia os jornais vespertinos. Isto foi apenas dois dias depois da última conversa. Ali, em letras grandes, estava o terrível cabeçalho.
ASSASSINO
ATACA
SHERLOCK
HOLMES
Creio que fiquei atordoado durante alguns minutos. Depois, lembro-me vagamente de ter apanhado um jornal, dos protestos do homem a quem eu não paguei, e, finalmente, de ficar parado na porta de uma farmácia enquanto procurava o parágrafo fatídico. Que dizia o seguinte:
“Soubemos, com pesar, que o senhor Sherlock Holmes, o famoso detetive particular, foi vítima, esta manhã, de uma tentativa de homicídio que o deixou bastante machucado. Não temos detalhes precisos, mas parece que o fato ocorreu por volta de meio-dia, na Regent Street, em frente ao Café Royal. Ele foi atacado por dois homens armados com pedaços de pau e o sr. Holmes levou pancadas na cabeça e no corpo, ficando com ferimentos que os médicos consideram muito graves. Ele foi levado para o hospital de Charing Cross e depois insistiu em ser conduzido para os seus aposentos em Baker Street. Parece que os bandidos que o atacaram eram homens bem-vestidos, que escaparam dos transeuntes que assistiram à cena passando por dentro do Café Royal e pela Glasshouse Street, que fica atrás do Café. Não há dúvida de que eles pertencem à fraternidade criminosa que tantas vezes teve ocasião de lastimar a energia e o talento do homem agora ferido.”
Não preciso dizer que mal acabara de dar uma olhada na notícia e já saltava para dentro de um coche, seguindo para Baker Street. Encontrei sir Leslie Oakshott, o famoso cirurgião, no hall, e sua carruagem esperando no meio-fio.
– Nenhum perigo imediato – foi o que ele informou. – Dois cortes no couro cabeludo e algumas escoriações graves. Foram necessários muitos pontos. Ele recebeu injeção de morfina, e o repouso é essencial, mas uma visita de alguns minutos não está totalmente proibida.
Com esta permissão, entrei silenciosamente no quarto em penumbra. O paciente estava acordado, e escutei meu nome num sussurro rouco. A veneziana estava quase toda fechada, mas um raio de sol entrava obliquamente, incidindo na cabeça enfaixada do homem ferido. Uma mancha vermelha tinha molhado as ataduras brancas. Sentei-me a seu lado e inclinei a cabeça.
– Tudo bem, Watson. Não fique tão assustado – murmurou ele numa voz muito fraca. – Não é tão mau quanto parece.
– Graças a Deus!
– Como você sabe, sou um hábil esgrimista. Coloquei muitos deles em posição de defesa. O segundo homem é que foi demais para mim.
– O que posso fazer, Holmes? É claro que foi aquele maldito sujeito que os mandou. Irei arrancar-lhe o couro, se me ordenar.
– Meu velho e bom Watson! Não podemos fazer nada até que a polícia ponha as mãos neles. Mas sua fuga foi bem preparada. Podemos estar certos disso. Espere um pouco. Tenho meus planos. A primeira coisa é exagerar meus ferimentos. Eles irão procurá-lo para saber notícias. Exagere, Watson. Diga que serei um felizardo se conseguir viver esta semana – concussão, delírio – o que você quiser! Você não pode exagerar demais.