O coronel Emsworth não estava em seu quarto, mas veio depressa ao receber o recado de Ralph. Ouvimos seus passos pesados e rápidos no corredor. Ele abriu a porta com violência e entrou apressadamente, com sua barba eriçada, as feições contraídas, o velho mais terrível que eu já vira. Pegou nossos cartões, rasgou-os e sapateou sobre os pedaços.
– Eu já não lhe disse, seu intrometido dos infernos, que o senhor deve ficar longe desta propriedade? Nunca mais ouse mostrar sua cara maldita por aqui. Se o senhor entrar aqui de novo sem minha autorização, estarei no meu direito de usar de violência. Eu o matarei, senhor. Por Deus, eu o farei. Quanto ao senhor – ele disse, virando-se para mim – faço-lhe a mesma advertência. Eu conheço a sua profissão desprezível, mas o senhor deve empregar seus supostos talentos em algum outro lugar. Não há oportunidade para eles aqui.
– Não posso ir embora – disse meu cliente com firmeza –, antes de ouvir do próprio Godfrey que ele não está preso.
Nosso anfitrião involuntário tocou a campainha.
– Ralph – ele disse –, telefone para a polícia da comarca e peça ao inspetor para enviar dois policiais. Diga-lhe que há ladrões na casa.
– Um momento – eu disse. – O senhor deve estar ciente, sr. Dodd, de que o coronel Emsworth está em seus direitos, e que não temos autorização legal para estar dentro desta casa. Por outro lado, ele deveria reconhecer que a sua atitude é inteiramente motivada pela amizade que o senhor tem pelo filho dele. Acho que, se me for permitido conversar cinco minutos com o coronel, conseguirei mudar sua opinião sobre o assunto.
– Eu não mudo tão facilmente o meu modo de pensar – disse o velho soldado. – Ralph, faça o que eu lhe disse. Diabo, o que é que você está esperando? Telefone para a polícia!
– Nada disso – eu disse, encostando-me na porta. – Qualquer interferência da polícia provocaria a catástrofe que o senhor teme. Tirei do bolso o meu caderno de anotações e rabisquei uma palavra numa folha solta. – Isto – eu disse, enquanto o entregava ao coronel Emsworth – foi o que nos trouxe aqui.
Ele olhou fixamente para o que estava escrito, e seu rosto perdeu toda a expressão, menos a de espanto.
– Como é que o senhor sabe? – ele perguntou com a respiração ofegante, sentando-se pesadamente em sua cadeira.
– Faz parte da minha profissão saber as coisas. Esse é o meu negócio.
Ele ficou sentado, refletindo, a mão magra puxando a barba emaranhada. Depois fez um gesto de resignação.
– Bem, se os senhores querem ver Godfrey, podem vê-lo. Eu não tive culpa, vocês me obrigaram. Ralph, diga ao sr. Godfrey e ao sr. Kent que dentro de cinco minutos estaremos lá.
Cinco minutos depois, atravessamos o jardim e chegamos diante da casa misteriosa. Um homenzinho de barba estava em pé à porta, e seu rosto tinha uma expressão de grande espanto.
– Isto é muito inesperado, coronel Emsworth – ele disse. – Isto vai atrapalhar nossos planos.
– Não posso evitá-lo, senhor Kent. Fomos obrigados. O sr. Godfrey pode nos receber?
– Sim; ele está esperando lá dentro. – Ele virou-se e nos conduziu até um quarto grande, mobiliado de maneira simples. Um homem estava de pé, com as costas viradas para a lareira, e ao avistá-lo, meu cliente saltou para a frente com as mãos estendidas.
– Ora, Godfrey, meu velho, isto é esplêndido!
– Não me toque, Jimmie. Fique afastado. Sim, você pode me olhar espantado. Eu não me pareço mais com Emsworth, o bonito cabo dos lanceiros do Esquadrão B, não é?
Sua aparência era realmente estranha. Podia-se ver que ele havia sido um homem bonito, com feições bem definidas, queimadas pelo sol africano, mas sobre esta superfície mais escura havia curiosas manchas esbranquiçadas, que tinham descorado sua pele.
– É por isto que eu não quero visitas – ele disse. – Você, eu não me importo, Jimmie, mas teria sido melhor sem o seu amigo. Imagino que haja um bom motivo para isto, mas você me apanhou desprevenido.
– Eu queria me certificar de que estava tudo bem com você, Godfrey. Eu o vi quando você me olhou pela janela naquela noite, e eu não podia deixar o assunto de lado enquanto as coisas não ficassem esclarecidas.
– O velho Ralph me contou que você estava lá, e não pude deixar de dar uma espiada em você. Eu esperava que não me visse e tive de correr para o meu esconderijo quando ouvi a janela se abrir.
– Mas, pelo amor de Deus, o que está havendo?
– Bem, não é uma história longa – ele disse, acendendo um cigarro. – Você se lembra daquela luta de manhã em Buffelsspruit, nos arredores de Pretória, sobre a estrada de ferro oriental? Você soube que eu fui ferido?
– Sim, fiquei sabendo, mas nunca obtive detalhes a esse respeito.
– Três de nós se separaram dos outros. O país estava muito dividido, como você deve se lembrar. Havia o Simpson Careca, o Anderson e eu. Estávamos fazendo uma operação de limpeza, mas o irmão bôer estava escondido e apanhou os três. Os outros dois foram mortos. Uma bala para matar elefante atravessou o meu ombro. Mas me segurei no cavalo, e ele galopou alguns quilômetros até que eu desmaiei e caí da sela.
– Quando voltei a mim, estava anoitecendo; levantei-me, sentindo-me muito fraco e doente. Para minha surpresa, um pouco atrás de mim havia uma casa bem grande, com uma varanda ampla e muitas janelas. Estava um frio terrível. Você se lembra daquele frio entorpecedor que costumava fazer ao anoitecer, um frio mortal, arrasador, muito diferente de uma geada saudável. Bem, eu estava gelado até os ossos e minha única esperança seria chegar até aquela casa. Fiquei de pé cambaleando e fui me arrastando, quase sem saber o que estava fazendo. Tenho uma vaga lembrança de ter subido lentamente os degraus, de ter entrado por uma porta que estava aberta, chegado a um quarto grande com muitas camas, e de ter me jogado numa delas com um suspiro de satisfação. A cama não estava feita, mas isto não me preocupou de modo algum. Puxei as cobertas sobre o meu corpo que tiritava de frio e num instante estava dormindo profundamente.
– De manhã, quando acordei, tive a impressão de que estava entrando num pesadelo horrível, em vez de estar voltando a um mundo normal. O sol africano jorrava através das grandes janelas sem cortinas, e cada detalhe do dormitório grande e pobre, caiado de branco, se destacava de maneira desagradável e clara. Na minha frente estava um homem baixo, parecido com um anão, com uma cabeça imensa em forma de bulbo, tagarelando excitadamente em holandês e balançando duas mãos horríveis, que me pareciam esponjas marrons. Atrás dele havia um grupo de pessoas que parecia se divertir imensamente com a situação, mas senti um arrepio quando olhei para elas. Nenhum deles era um ser humano normal. Todos estavam retorcidos, ou inchados, ou desfigurados de alguma maneira estranha. O riso desses estranhos monstros era horrível de se ouvir.
– Parecia que nenhum deles sabia falar inglês, mas a situação devia ser esclarecida, pois a criatura de cabeça grande estava ficando muito zangada e, gritando como uma besta selvagem, pôs suas mãos deformadas em mim e me puxou para fora da cama, sem se importar com o sangue que espirrava da minha ferida. O pequeno monstro era forte como um touro, e não sei o que ele poderia ter feito comigo, se a algazarra não tivesse atraído até o quarto um homem mais velho, evidentemente uma autoridade. Ele disse algumas palavras ásperas em holandês, e o meu perseguidor recuou. Então ele se virou para mim, olhando-me com o maior espanto.