– Onde está este conde Sylvius?
– Passei a manhã inteira muito perto dele. Você já me viu vestido de velha, Watson. Nunca estive mais convincente. Ele chegou a apanhar a sombrinha para mim, uma vez. “Com sua permissão, madame”, ele disse, com sotaque italiano, você sabe, e com a elegância do sulista, quando está disposto, mas a encarnação do demônio quando está com outra disposição de espírito. A vida está repleta de acontecimentos estranhos, Watson.
– Podia ter ocorrido uma tragédia.
– Bem, talvez. Eu o segui até a velha oficina de Straubenzee, nas Minories. Straubenzee fez a pistola de ar comprimido – um trabalho muito bonito, pelo que sei, e eu imagino que esta pistola está, neste momento, numa das janelas do outro lado da rua. Você viu o boneco? Naturalmente Billy o mostrou a você. Bem, ele pode receber a qualquer momento uma bala em sua bonita cabeça. Ah, Billy, o que é?
O rapaz entrou na sala com um cartão numa bandeja. Holmes olhou para o cartão, com as sobrancelhas erguidas, e um sorriso divertido.
– O homem, ele próprio. Eu dificilmente esperaria isto. Segure a rede com firmeza, Watson! Um homem ousado. Você deve ter ouvido falar de sua fama de caçador de animais grandes. Seria realmente um final glorioso para a excelente ficha de esportista dele, se ele me acrescentasse a sua coleção. Isto é uma prova de que ele sente os meus pés bem perto dos seus calcanhares.
– Chame a polícia.
– Provavelmente chamarei. Mas não agora. Quer olhar com cuidado pela janela, Watson, e ver se há alguém parado na rua?
Watson olhou discretamente.
– Sim, há um sujeito mal-encarado perto da porta.
– Deve ser Sam Merton – o fiel mas um tanto presunçoso Sam. Onde está o cavalheiro, Billy?
– Na sala de estar, senhor.
– Traga-o aqui quando eu tocar a campainha.
– Sim, senhor.
– Se eu não estiver na sala, deixe-o entrar assim mesmo.
– Sim, senhor.
Watson esperou até que a porta fosse fechada e então virou para o seu amigo.
– Escute aqui, Holmes, isto é simplesmente impossível. Ele é um homem desesperado jogando a sua última cartada. Ele pode ter vindo para matá-lo.
– Eu não me surpreenderia.
– Insisto em ficar com você.
– Você seria um obstáculo.
– No caminho dele?
– Não, meu caro companheiro – no meu caminho.
– Bem, não posso deixá-lo sozinho.
– Sim, você pode, Watson. E você fará isso, pois nunca deixou de jogar o jogo. Tenho certeza de que irá jogá-lo até o fim. Este homem veio pelos seus próprios interesses, mas pode ficar pelos meus interesses. – Holmes tirou seu bloco de anotações e escreveu algumas linhas. – Tome um táxi até a Scotland Yard e entregue isto a Youghal, do C.I.D. Volte com a polícia. A prisão do sujeito será imediata.
– Eu farei isto com alegria.
– Até você voltar terei tempo suficiente para descobrir onde está a pedra. – Holmes tocou a campainha. – Acho que sairemos pelo dormitório. Esta segunda saída é extremamente útil. Prefiro ver meu tubarão sem que ele me veja, e, como você deve se lembrar, tenho minha maneira própria de fazê-lo.
Portanto, foi para uma sala vazia que, um minuto depois, Billy levou o conde Sylvius. O famoso atirador, desportista e homem de sociedade era um sujeito enorme, moreno, com um formidável bigode negro que ocultava uma boca cruel, de lábios finos, coroada por um nariz longo e curvo como o bico de uma águia. Ele estava bem-vestido, mas sua gravata brilhante, seu alfinete ofuscante e anéis deslumbrantes produziam um efeito exagerado. Quando a porta se fechou, ele olhou em volta com olhos ferozes e assustados, como alguém que suspeita de uma armadilha a cada passo. Então ele levou um susto ao ver a cabeça impassível e a gola do roupão que apareciam por cima da poltrona junto à janela. A princípio sua expressão foi de puro assombro. Em seguida, a luz de uma esperança terrível brilhou em seus escuros olhos de assassino. Ele deu mais uma olhada em volta para ver se não havia testemunhas, e então, na ponta dos pés, com a bengala grossa meio levantada, aproximou-se da figura silenciosa. Ele estava se agachando para o salto e o golpe finais quando uma voz fria e mordaz, vinda da porta aberta do dormitório, o cumprimentou.
– Não o quebre, conde! Não o quebre!
O assassino cambaleou para trás, com uma expressão de espanto no rosto. Por um instante ele ergueu novamente a bengala carregada, como se fosse desviar sua violência do boneco para o original; mas havia alguma coisa naqueles olhos cinzentos decididos e naquele sorriso de zombaria que fez com que abaixasse a mão.
– É uma coisa bonitinha – disse Holmes, aproximando-se do boneco. – Tavernier, o modelador francês, o fez. Ele é tão bom em trabalhos de cera quanto seu amigo Straubenzee em pistolas de ar comprimido.
– Pistolas de ar comprimido, senhor! O que quer dizer?
– Ponha seu chapéu e sua bengala na mesinha. Obrigado! Por favor, sente-se. O senhor se incomodaria de tirar o seu revólver também? Oh, muito bem, se prefere sentar-se sobre ele. Sua visita realmente é bastante oportuna, porque eu queria muito conversar alguns minutos com o senhor.
O conde franziu a testa, as sobrancelhas espessas e ameaçadoras.
– Eu também gostaria de trocar algumas palavras com você, Holmes. É por isso que estou aqui. Não nego que pretendia atacá-lo há pouco.
Holmes balançou a perna sobre a quina da mesa.
– Eu imaginei que você estava com essa idéia – ele disse. – Mas por que estas atenções pessoais?
– Porque você se afastou de seu caminho para me importunar. Porque você pôs seus homens na minha pista.
– Meus homens! Garanto-lhe que não!
– Tolice! Eu mandei que os seguissem. Dois podem jogar este jogo, Holmes.
– É uma questão sem muita importância, mas o senhor talvez possa, por gentileza, tratar-me de senhor quando fala comigo. O senhor deve compreender que, com a minha rotina de trabalho, eu acabaria sendo tratado com intimidade por metade da coleção de velhacos, e o senhor deve concordar que as exceções são odiosas.
– Bem, sr. Holmes.
– Excelente! Mas garanto que o senhor está enganado quanto aos meus supostos agentes.
O conde Sylvius deu uma gargalhada insolente.
– Outras pessoas também podem observar tão bem quanto o senhor. Ontem foi um velho temerário. Hoje, uma senhora de idade avançada. Eles me espionaram o dia inteiro.
– Na verdade, senhor, isto é um elogio. O velho barão Dowson disse-me, na noite antes de ser enforcado, que, no meu caso, o que a lei ganhou o palco perdeu. E agora o senhor dá às minhas insignificantes caracterizações o seu amável elogio!
– Era o senhor, o senhor mesmo?
Holmes deu de ombros.
– O senhor pode ver ali no canto a sombrinha que tão gentilmente me entregou, no Minories, antes que começasse a suspeitar.
– Se eu soubesse, o senhor talvez nunca...
– Tivesse visto este humilde lar novamente. Eu estava ciente disto. Todos nós temos a lamentar oportunidades desperdiçadas. Como costuma acontecer, o senhor não sabia, de modo que aqui estamos!
As sobrancelhas hirsutas do conde ficaram mais franzidas sobre os seus olhos ameaçadores.
– O que o senhor diz só piora as coisas. Não foram os seus agentes, mas o senhor mesmo representando e bisbilhotando. O senhor então admite que estava me seguindo. Por quê?
– Ora, conde. O senhor costumava matar leões na Argélia.
– E daí?
– Mas por que fazia isso?
– Por quê? Como passatempo, por ser excitante, pelo perigo!
– E, sem dúvida, para livrar o país de uma praga?
– Exatamente!
– São essas também as minhas razões, em resumo.
O conde ergueu-se de um salto, e sua mão, involuntariamente, moveu-se em direção ao bolso traseiro.
– Sente-se, senhor, sente-se. Havia outro motivo mais prático. Eu quero aquele diamante amarelo!