Aquela hora não custou muito a passar. Nos encolhemos na sombra, aproximando-nos mais um do outro quando ouvimos a porta da rua abrir e fechar. Em seguida ouvimos o ruído metálico de uma chave, e o americano estava dentro do quarto. Ele fechou a porta silenciosamente, atrás dele, olhou em volta com atenção, para verificar se não havia perigo, tirou seu sobretudo e aproximou-se da mesa central como quem sabe exatamente o que tem a fazer e como fazê-lo. Ele arrastou a mesa para um lado, rasgou o quadrado do tapete onde ficava a mesa, enrolou-o, e em seguida, retirando um pé-de-cabra do bolso interno, ajoelhou-se e trabalhou com vigor sobre o assoalho. Naquele momento ouvimos o barulho de tábuas que deslizavam e, um minuto depois, abriu-se um buraco no piso. Evans, o Matador, riscou um fósforo, acendeu o toco de uma vela e desapareceu de nossas vistas.
Evidentemente, chegava a nossa vez. Holmes bateu no meu pulso, dando-me um sinal, e juntos nos arrastamos na direção da abertura no assoalho. Apesar de nos movermos com cuidado, o velho assoalho deve ter rangido sob os nossos pés, pois a cabeça do americano surgiu de repente no espaço aberto, espreitando ansiosamente em volta. Seu rosto virou-se para nós, e seus olhos denotavam raiva e frustração, suavizando-se, aos poucos, num sorriso envergonhado, quando percebeu que duas pistolas estavam apontadas para a sua cabeça.
– Ora, ora – ele disse calmamente, enquanto se arrastava até a superfície. – Acho que dois são demais para mim, sr. Holmes. Adivinhou meu jogo, suponho, e me tomou por um bobalhão desde o início. Bem, senhor, eu me entrego, o senhor me derrotou e...
Num instante ele havia tirado um revólver do peito e disparado dois tiros. Senti um súbito chamuscar quente, como se um ferro em brasa tivesse sido comprimido contra minha coxa. Ouvi um baque quando a pistola de Holmes desceu sobre a cabeça do homem. Eu o vi estirado no chão, com sangue escorrendo pelo rosto, enquanto Holmes procurava mais armas. Depois os braços resistentes do meu amigo ampararam-me e levaram-me até uma cadeira.
– Você não está ferido, Watson? Por Deus, diga que você não está ferido.
Valia um ferimento – valia muitos ferimentos – conhecer a dimensão da lealdade e do amor que estavam por trás daquela máscara fria. Os olhos claros e duros ficaram sombrios por um instante, e os lábios firmes estavam tremendo. Durante um minuto, o único, vislumbrei um grande coração, bem como uma grande inteligência. Todos os meus anos de serviços humildes sinceros culminaram naquele momento de revelação.
– Não foi nada, Holmes. É apenas um arranhão.
Ele tinha cortado minha calça com o seu canivete.
– Você tem razão – exclamou ele com um suspiro de alívio. – É bem superficial. – Seu rosto virou uma pedra enquanto ele olhava com raiva para o nosso prisioneiro, que estava se sentando atordoado. – Por Deus, isto também é bom para você. Se tivesse matado Watson, você não sairia vivo deste quarto. Agora, senhor, o que tem a dizer em sua defesa?
Ele não tinha nada a dizer em sua defesa. Apenas deitou-se e fez uma cara de poucos amigos. Apoiei-me no braço de Holmes, e juntos olhamos para baixo, para dentro do pequeno porão que havia sido revelado pelo alçapão secreto. Ele estava ainda iluminado pela vela que Evans levava para baixo. Demos com os olhos em uma porção de máquinas enferrujadas, grandes rolos de papel, uma confusão de garrafas, e, cuidadosamente arrumados sobre uma pequena mesa, vários pacotes pequenos muito bem-feitos.
– Uma tipografia, um equipamento de falsário – disse Holmes.
– Sim, senhor – disse o nosso prisioneiro, cambaleando, enquanto se levantava e, depois, deixando-se cair numa cadeira. – O maior falsário de que Londres teve notícia. Aquela máquina de Prescott e aqueles pacotes sobre a mesa eram duas mil notas de Prescott, valendo 100 cada, e prontas para serem passadas em qualquer lugar. Sirvam-se, senhores. Chamem isto de pacto secreto e deixem-me dar o fora.
Holmes deu uma gargalhada.
– Nós não fazemos coisas desse tipo, sr. Evans. Neste país não existe esconderijo seguro para o senhor. Matou esse homem, Prescott, não?
– Sim, senhor, e peguei cinco anos por isso, embora ele é que tivesse me provocado. Cinco anos – quando eu deveria ter recebido uma medalha do tamanho de um prato de sopa. Ninguém seria capaz de distinguir uma nota Prescott de uma nota do Banco da Inglaterra, e se eu não tivesse acabado com ele, ele teria inundado Londres com o seu dinheiro. Eu era a única pessoa no mundo que sabia onde ele fazia esse dinheiro. O senhor se admira de que eu quisesse o lugar? E se admira de que, ao encontrar esse louco, esse estúpido, esse caçador de insetos, com esse nome esquisito, acocorado bem em cima dele e nunca desocupando os quartos, admira-se de que eu tentasse fazer o máximo para obrigá-lo a sair da frente? Talvez eu tivesse sido mais esperto se tivesse dado cabo dele. Teria sido muito fácil, mas, sou um cara de coração mole, que não consegue começar a atirar, a não ser que o outro cara também tenha uma arma. Mas diga-me, sr. Holmes, o que foi que eu fiz de errado? Eu não usei essas máquinas. Eu não feri esse cadáver ambulante. Do que é que o senhor me acusa?
– Apenas de tentativa de homicídio, que eu sabia – disse Holmes. – Mas isso não é serviço nosso. Eles farão isso na próxima etapa. Neste momento, o que queremos é apenas a sua encantadora pessoa. Por favor, Watson, ligue para a Scotland Yard. Eles ficarão surpresos.
Portanto, estes são os fatos a respeito de Evans, o Matador, e de sua notável invenção dos três Garridebs. Soubemos mais tarde que nosso pobre amigo nunca se refez do choque de seus sonhos desfeitos. Quando o seu castelo no ar desmoronou, enterrou-o sob as ruínas. Soubemos que ele estava numa clínica em Brixton. Foi um dia alegre, na Scotland Yard, quando a tipografia de Prescott foi descoberta, pois, embora eles soubessem de sua existência, nunca haviam sido capazes, depois da morte do homem, de descobrir onde ela estava. Evans realmente havia prestado um grande serviço e permitiu que vários detetives dormissem mais profundamente o sono merecido, pois o falsário é uma classe à parte e um perigo público. Eles teriam contribuído de bom grado para aquela medalha do tamanho de um prato de sopa que o criminoso havia mencionado, mas um tribunal insensível teve uma opinião menos favorável, e o assassino voltou para aquelas trevas das quais acabara de sair.
o problema da ponte thor
Em algum lugar nos cofres do banco Cox e Co., em Charing Cross, existe um baú de metal, todo amassado e desgastado pelas viagens, destes usados para documentos oficiais, com o meu nome, John H. Watson, M.D., do Exército Indiano, pintado na tampa. Ele está abarrotado de papéis, sendo quase todos registros de casos em que explicamos problemas curiosos que o sr. Sherlock Holmes investigou em diversas ocasiões. Algumas dessas investigações, e não as menos interessantes, foram completos fracassos obtusos, e sendo assim, dificilmente poderiam ser narradas, já que não se obteve uma explicação final. Um problema sem solução pode interessar ao estudante, mas dificilmente deixaria de aborrecer o leitor casual. Entre essas histórias inacabadas, está a do sr. James Phillimore, que depois de entrar de novo em casa para apanhar o guarda-chuva, nunca mais foi visto sobre a face da terra. Não menos interessante é a história de uma pequena
embarcação a vela, Alicia, que, navegando numa manhã de primavera, entrou numa pequena área de neblina e jamais saiu, nunca mais se ouviu falar dela ou de sua tripulação. Um terceiro caso digno de nota é o de Isadore Persano, um conhecido jornalista e duelista que foi encontrado morto com os olhos fixos numa caixa de fósforos que continha um verme estranho, desconhecido da ciência. Além desses casos insondáveis, há alguns que envolvem segredos particulares de família numa extensão que causaria consternação em altas esferas, se fosse possível imaginar que eles pudessem ser publicados. Não preciso dizer que essa quebra de confiança é impensável e que esses registros serão separados e destruídos, agora que o meu amigo tem tempo para dedicar suas energias a esse assunto. Ainda restam muitos casos, de maior ou menor interesse, que eu poderia ter publicado antes se não temesse cansar o público, o que poderia refletir-se na reputação do homem que eu respeitava acima de todos. Participei de alguns desses casos e posso falar como testemunha ocular, enquanto em outros eu nem estava presente, ou o meu papel foi tão pequeno que, se eu o narrasse, seria como se fosse narrado por uma terceira pessoa. A narrativa que se segue foi tirada de minha experiência própria.