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Talvez o soro de antropóide fosse melhor. Como lhe expliquei, usei o sangur de cara preta, porque havia um espécime disponível. O sangur, naturalmente, é um rastejador e um trepador, enquanto o antropóide caminha ereto e é mais aparentado em todos os aspectos.

Rogo-lhe que tome todas as precauções possíveis para que não haja revelações prematuras do processo. Tenho outro cliente na Inglaterra, e Dorak é meu intermediário para ambos.

Agradeceria seus relatórios semanais.

Com toda a estima,

H. Lowenstein

Lowenstein! O nome fez com que eu me lembrasse de um recorte de jornal que falava de um obscuro cientista que estava se aventurando por um caminho desconhecido, em busca do segredo do rejuvenescimento e do elixir da vida. Lowenstein de Praga! Lowenstein, com o maravilhoso elixir de energia, proibido de exercer a profissão porque se recusava a revelar a sua fonte. Em poucas palavras, disse aquilo de que me recordava. Bennett apanhara um manual de zoologia na estante. – “Sangur” – ele leu – “o grande macaco de cara preta das encostas do Himalaia, o maior e o mais humano dos macacos trepadores.” Há muitos outros detalhes. Bem, sr. Holmes, graças ao senhor, é evidente que descobrimos a origem do mal.

– A verdadeira origem – disse Holmes – está, naturalmente, naquele caso de amor extemporâneo que deu ao nosso impetuoso professor a idéia de que ele só poderia conseguir o que queria transformando-se num jovem. Quando alguém tenta sobrepor-se à natureza, fica sujeito a perdê-la. O tipo mais desenvolvido de homem pode voltar à vida animal se abandonar a estrada reta do destino. – Ele ficou sentado pensativo, durante alguns minutos, com o frasco na mão, olhando para o líquido transparente ali dentro. – Quando eu tiver escrito a este homem e dito a ele que eu o considero criminalmente responsável pelos venenos que põe em circulação, não teremos mais problemas. Mas isto pode se repetir. Outros podem descobrir uma maneira melhor. Existe perigo aí, um perigo muito real para a humanidade. Pense, Watson, que os materialistas, os sensuais, os mundanos, todos iriam prolongar suas vidas sem valor. Os espiritualistas não recusariam a convocação para alguma coisa mais elevada. Seria a sobrevivência dos menos adequados. Em que espécie de cloaca o nosso mundo não se transformaria? – De repente o sonhador desapareceu, e Holmes, o homem de ação, saltou da cadeira. – Acho que não há nada mais a dizer, sr. Bennett. Os vários acontecimentos agora se encaixarão facilmente no plano geral. O cão, naturalmente, percebeu a mudança muito mais depressa do que o senhor. O seu olfato lhe garante isso. Foi o macaco, não o professor, que Roy atacou, assim como foi o macaco que implicou com Roy. Para a criatura, subir pela parede foi um prazer, e acho que foi por acaso que o passatempo o levou até a janela de sua filha. Há um trem cedo para a cidade, Watson, mas acho que antes disso teremos tempo para uma xícara de chá no Chequers.

a aventura da juba do leão

É muito estranho que me tivesse aparecido, depois que me aposentei, um caso mais complicado e estranho do que qualquer outro que enfrentei em minha longa carreira profissional, e que esse caso tivesse ocorrido, como ocorreu, na minha porta. Isso aconteceu depois que me recolhi à minha casinha, em Sussex, quando já estava inteiramente dedicado àquela vida tranqüila em contato com a natureza que eu tanto almejara durante os longos anos passados na melancólica Londres. Nesse período de minha vida, o bondoso Watson ficou quase inteiramente fora do alcance de minha vista. Uma visita ocasional nos fins de semana era o máximo que nos víamos. Portanto, tenho que ser o meu próprio cronista. Mas se ele estivesse comigo, como ele teria valorizado este acontecimento e o meu triunfo final sobre cada dificuldade! No entanto, como ele não estava, tenho que contar minha história de maneira simples, mostrando, com minhas palavras, cada passo na difícil estrada que se estendia à minha frente enquanto eu investigava o mistério da juba do leão.

Minha casa de campo está situada na encosta meridional das colinas, com uma ampla vista do Canal. Nesse ponto o litoral é inteiramente formado de penhascos calcários, de onde só se pode descer por uma única trilha extensa, tortuosa, íngreme e escorregadia. Lá embaixo, no fim da trilha, estendem-se centenas de metros de cascalho e seixos, mesmo quando a maré está alta. Mas aqui e ali, existem curvas e enseadas que formam esplêndidas piscinas, que se enchem em cada maré alta. Esta praia maravilhosa estende-se por alguns quilômetros de cada lado, com exceção do ponto onde a pequena enseada e a aldeia de Fulworth interrompem o contorno.

Minha casa fica isolada. Eu, minha velha governanta e minhas abelhas temos toda a propriedade só para nós. Contudo, a uns 800 metros de distância fica o conhecido estabelecimento de ensino de Harold Stackhurst, o Gables, um prédio grande onde dezenas de jovens são preparados para diversas profissões, com um corpo docente composto de muitos professores. O próprio Stackhurst, em seu tempo, foi um conhecido remador da Universidade de Oxford e um humanista de conhecimentos muito amplos. Ele e eu ficamos bons amigos desde que cheguei à costa, e ele era o único homem que mantinha comigo relações tão cordiais que nos permitiam visitar um ao outro, à noite, sem convite.

Quase no fim de julho de 1907, houve um temporal violento, com o vento soprando canal acima, carregando as águas até a base dos penhascos e deixando uma lagoa com a mudança da maré. Na manhã a que me refiro, o vento havia diminuído, e toda a natureza estava recém-lavada e fresca. Era impossível trabalhar num dia tão encantador, e eu dei um passeio antes do café para aproveitar o ar agradável da manhã. Eu caminhava pela trilha que ia dar na descida íngreme para a praia. Quando estava andando, ouvi um grito atrás de mim, e lá estava Harold Stackhurst acenando alegremente para mim.

– Que bela manhã, sr. Holmes! Achei que deveria convidá-lo para sair.

– Vejo que pretende ir nadar.

– Novamente com as suas brincadeiras – ele riu, apalpando seu bolso saliente. – Sim, McPherson saiu cedo, e espero poder encontrá-lo lá.

Fitzroy McPherson era o professor de ciências, um jovem bonito e forte, cuja vida havia sido prejudicada por um problema no coração após uma febre reumática, mas ele era um atleta nato, e se destacava em todas as competições esportivas que não exigissem dele um grande esforço. No verão e no inverno ele nadava, e como eu também sou um nadador,  quase sempre ia junto com ele.

Neste momento avistamos o homem de quem falávamos. Sua cabeça aparecia acima da borda do penhasco onde a trilha termina. Depois, todo o seu corpo apareceu no cume, cambaleando como um bêbado. No instante seguinte, ele jogou as mãos para cima, e com um grito terrível caiu com o rosto no chão. Stackhurst e eu corremos – devia ser uma distância de uns 50 metros – e o viramos de costas. Era óbvio que ele estava morrendo. Aqueles olhos fundos e vidrados e as faces horrivelmente pálidas não podiam significar outra coisa. Por um instante, seu rosto readquiriu um sopro de vida e ele sussurrou duas ou três palavras com um ar ansioso de advertência. Saíram ligeiras e indistintas, porém para o meu ouvido, as últimas palavras que brotaram dos lábios dele, num grito agudo, foram “a juba do leão”. Eram totalmente despropositadas e ininteligíveis, mas eu não poderia dar-lhes qualquer outro sentido. Então ele ergueu-se um pouco do chão, jogou os braços para o alto e caiu de lado. Estava morto.

Meu companheiro ficou paralisado de terror, mas eu, como se pode imaginar, estava com todos os sentidos alertas. E havia necessidade, porque logo ficou evidente que estávamos diante de um caso extraordinário. O homem estava vestido apenas com seu sobretudo, calças e um par de sapatos de lona desamarrados. Quando ele caiu, o sobretudo, que tinha sido simplesmente jogado em volta dos ombros, escorregou, expondo seu tronco. Nós o olhamos com espanto. Suas costas estavam cobertas por traços vermelho-escuros, como se ele tivesse sido terrivelmente açoitado com um fino chicote metálico. O instrumento com o qual este castigo lhe havia sido infligido era evidentemente flexível, porque os horríveis vergões compridos e vermelhos acompanhavam a curvatura de seus ombros e do tórax. Havia sangue gotejando de seu queixo, porque ele mordera o lábio inferior no auge da agonia. Seu rosto contraído e retorcido mostrava como fora terrível essa agonia.