– Prefiro não responder a esta pergunta. Isto realmente nada tem a ver com o assunto que o senhor está investigando. Mas responderei espontaneamente sobre qualquer coisa que tenha relação com isto.
Ela cumpriu a palavra, mas não disse nada que nos ajudasse na investigação. Ela não via motivo para pensar que seu noivo tivesse algum inimigo oculto, mas admitiu que tivera muitos admiradores apaixonados.
– Posso perguntar-lhe se o sr. Ian Murdoch era um deles?
Ela enrubesceu e pareceu confusa.
– Houve uma época em que pensei que fosse. Mas tudo mudou quando ele compreendeu quais eram as minhas relações com Fitzroy.
Novamente a sombra em volta desse homem estranho parecia estar tomando uma forma definida. Seus antecedentes precisavam ser examinados. Seus aposentos deveriam ser revistados secretamente. Stackhurst era um colaborador de boa vontade, porque em sua mente também estava se formando uma suspeita. Voltamos da visita a The Haven com a esperança de que uma das pontas desta meada embaraçada já estivesse em nossas mãos.
Passou-se uma semana. O inquérito não havia esclarecido o caso, e fora prorrogado até que se conseguissem novas provas. Stackhurst fizera uma investigação discreta a respeito de seu subordinado, e havia sido feita uma busca superficial em seu quarto, mas sem resultado. Pessoalmente, eu havia examinado tudo outra vez, física e mentalmente, mas sem nenhuma conclusão nova. Em todas as minhas crônicas, o leitor não encontrará nenhum caso que me conduzisse tão completamente ao limite da minha capacidade. Nem a minha imaginação conseguia conceber uma solução para o mistério. E então veio o incidente do cachorro.
Foi minha velha governanta quem primeiro ouviu a respeito do caso, por aquele estranho e primitivo telégrafo através do qual as pessoas humildes colhiam as notícias da zona rural.
– História triste esta, senhor, a respeito do cachorro do sr. McPherson – ela disse uma noite.
Eu não costumo incentivar conversas desse tipo, mas as palavras despertaram a minha atenção.
– O que aconteceu com o cachorro de McPherson?
– Está morto, senhor. Morreu de tristeza pelo seu dono.
– Quem lhe contou isto?
– Ora, senhor, todos estão comentando isto. Ele ficou terrivelmente abalado e não comeu nada durante uma semana. Então, hoje, dois moços do Gables o encontraram morto, lá embaixo na praia, senhor, no mesmo lugar onde o seu dono morreu.
– No mesmo lugar! – As palavras se destacaram nítidas na minha memória. Tive uma percepção vaga de que o assunto era fundamental. Que o cachorro tivesse morrido, estava de acordo com a natureza admirável e leal dos cachorros. Mas no mesmo lugar! Por que esta praia deserta teria sido fatal para o cachorro? Será que ele também tinha sido sacrificado por causa de alguma rixa vingativa? Seria possível? Sim, a percepção era vaga, mas alguma coisa já estava se estruturando em minha mente. Poucos minutos depois eu estava a caminho do Gables, e encontrei Stackhurst em seu escritório. A meu pedido, ele mandou chamar Sudbury e Blount, os dois estudantes que haviam encontrado o cachorro.
– Sim, ele estava bem na extremidade da piscina – disse um deles. – Deve ter seguido o rastro de seu falecido dono.
Vi o pequeno e fiel animal, um Terrier Airedale, sobre o tapete do hall. O corpo estava rígido, os olhos salientes e os membros contorcidos. Havia agonia em cada traço.
Do Gables desci para a piscina. O sol havia desaparecido e a sombra do grande penhasco projetava-se negra na água, que tinha um reflexo embaçado, como uma folha de chumbo. O lugar estava deserto e não havia sinal de vida, a não ser por dois pássaros marinhos circulando no alto e gritando. Na luz que se extinguia, segui com dificuldade o rastro do cachorro na areia, em volta da mesma pedra onde a toalha de seu dono havia sido colocada. Durante muito tempo fiquei ali refletindo enquanto as sombras ficavam mais negras em volta. Minha mente estava repleta de pensamentos que se sobrepunham velozmente. Você deve saber o que é ter um pesadelo em que você sente que procura alguma coisa importante e que sabe que está ali, embora esta coisa permaneça, por pouco, fora do seu alcance. Foi assim que eu me senti naquela noite, enquanto fiquei sozinho perto do local da morte. Depois, virei-me e fui caminhando lentamente na direção da minha casa.
Eu havia acabado de chegar à parte mais alta do atalho, quando me lembrei de repente. Como um relâmpago, lembrei-me daquilo que eu havia tentado agarrar em vão com tanta ansiedade. Você deve saber, ou Watson escreveu em vão, que eu conservo um vasto depósito de conhecimentos diversificados mas não correlatos, catalogados sem método científico, mas disponíveis para as necessidades de meu trabalho. Minha mente é como um depósito cheio, com pacotes de todo tipo armazenados em tal quantidade que só consigo ter uma vaga idéia do que está lá dentro. Eu sabia que havia alguma coisa que poderia ter relação com este assunto. Era uma idéia ainda vaga, mas pelo menos eu sabia como poderia torná-la clara. Era monstruoso, incrível, mas era uma possibilidade. Eu faria o teste até o fim.
Na minha casa tem um grande sótão entulhado de livros. Foi ali que me enfurnei e pesquisei durante uma hora. No fim desse período saí com um livro pequeno, marrom e prateado. Virei ansiosamente as páginas até o capítulo de que me lembrava confusamente. Sim, era realmente uma história artificial e improvável, mas eu não descansaria até me certificar de que poderia realmente ter sido assim. Já era tarde quando fui me deitar, com a mente esperando ansiosamente pelo trabalho do dia seguinte.
Mas aquele trabalho sofreu uma interrupção inoportuna. Eu mal havia engolido o meu chá matinal e estava saindo para a praia, quando apareceu o inspetor Bardle, da polícia de Sussex – um homem decidido, corpulento e pesadão, de olhos pensativos, que agora tinham uma expressão muito preocupada.
– Sei da sua enorme experiência, senhor – ele disse. – Isto não é oficial, e não deve ser comentado. Mas, no caso de McPherson, sou francamente contra isto. A questão é: devo ou não prender alguém?
– Está se referindo ao sr. Ian Murdoch?
– Sim, senhor. Realmente não há mais ninguém quando se começa a pensar. Esta é a vantagem deste lugar isolado. Nós reduzimos a busca a um círculo muito pequeno. Se não foi ele quem fez isso, então quem foi?
– O que tem você contra ele?
Ele tinha as mesmas dúvidas que eu. Havia o caráter de Murdoch, e o mistério que parecia flutuar em volta dele. Seus acessos de fúria, como ficou demonstrado no incidente do cachorro. O fato de que ele tivera uma discussão com McPherson no passado, e de que havia algum motivo para se pensar que ele guardasse ressentimento pelas atenções que McPherson dispensava à senhorita Bellamy. Ele tinha as mesmas informações que eu, mas não sabia nada de novo, exceto que Murdoch parecia estar fazendo os preparativos para ir embora.
– Como ficaria a minha situação, se eu o deixasse escapar com todas essas provas contra ele? – O homem corpulento e fleumático estava muito preocupado.
– Analise, no seu caso – disse eu –, as lacunas principais. Na manhã do crime, ele pôde comprovar seu álibi. Ele havia estado com seus alunos até o último momento, e alguns minutos depois que McPherson apareceu, ele se aproximou de nós e vinha do lado oposto. Depois, lembre-se de que seria absolutamente impossível que ele, sem ajuda, pudesse ter cometido aquela atrocidade contra um homem tão forte quanto ele próprio.
– O que poderia ter sido aquilo, a não ser um açoite ou algum tipo de chicote?
– Você examinou as marcas? – perguntei.
– Eu as vi. O médico também.
– Mas eu as examinei muito atentamente com uma lente. Elas apresentam algumas peculiaridades.
– Que peculiaridades, sr. Holmes?
Fui até a minha escrivaninha e apanhei uma fotografia ampliada. – Este é o meu método em casos desse tipo – expliquei.