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Ao chegar ao muro que cercava o jardim, Toby foi andando pela sua sombra, ganindo, e finalmente parou num canto onde havia uma faia nova que o cobria. No canto formado pelas duas paredes, tinham sido tirados vários tijolos, as fendas estavam desgastadas e com as bordas arredondadas, como se tivessem sido usadas como escada. Holmes subiu e, pegando o cão, atirou-o para o outro lado.

– Olhe a marca da mão do perna-de-pau – ele mostrou quando eu subi. Veja a leve mancha de sangue na cal branca. Foi uma sorte que não tenha chovido forte desde ontem. O cheiro vai se conservar na estrada, apesar da dianteira de 28 horas que eles têm sobre nós.

Eu confesso que tinha minhas dúvidas quando pensei no tráfego movimentado no caminho para Londres neste intervalo. Mas meus receios logo desapareceram. Toby, sem hesitar nem desviar-se, ia andando no seu bamboleio característico. Era óbvio que o cheiro desagradável do alcatrão se sobrepunha a todos os outros.

– Não pense que o êxito da minha investigação depende do fato de o sujeito ter ou não pisado nessa substância; o que sei agora me permitiria rastreá-los de muitas outras maneiras. Este é o mais rápido e, já que a sorte o colocou nas nossas mãos, seria condenável desprezá-lo. Entretanto, impediu que o caso fosse o belo problema intelectual que prometia ser.

– Garanto-lhe, Holmes, que fico maravilhado com os meios que você usa para obter resultados neste caso, ainda mais do que no assassinato de Jefferson Hope. Este aqui parece mais profundo e inexplicável. Como você pôde, por exemplo, descrever com tanta segurança o homem da perna-de-pau?

– Ah, meu rapaz, é a própria simplicidade. Não quero ser teatral. É tudo claro e nítido. Dois oficiais que comandam a guarda dos degredados ficam sabendo de um segredo importante a respeito de um tesouro enterrado. Um inglês chamado Jonathan Small desenha um mapa para eles. Deve lembrar que vimos o nome no mapa do capitão; ele assinou em seu próprio nome e nos de seus sócios, O sinal dos quatro, como ele o chama de modo um tanto dramático. Ajudados por este mapa, os oficiais, ou um deles, descobrem o tesouro e o trazem para a Inglaterra, deixando, vamos supor, de cumprir alguma das condições. E então por que Jonathan não foi buscar o tesouro? A resposta é óbvia. O mapa tem a data da época em que Morstan teve mais contato com os degredados. Jonathan Small não pegou o tesouro porque ele e seus sócios eram degredados, e não podiam sair.

– Mas isto é pura especulação.

– É mais do que isso. É a única hipótese que pode explicar os fatos. Vamos ver pelo desenrolar dos acontecimentos. O major Sholto vive em paz durante alguns anos, feliz com a posse do tesouro. Então recebe uma carta da Índia que o deixa muito assustado. O que era?

– Uma carta dizendo que os homens que ele enganara haviam sido libertados.

– Ou tinham fugido. Esta hipótese é muito mais provável, porque ele devia saber quando a pena terminaria. Não teria sido uma surpresa para ele. O que fez então? Pôs-se em guarda contra o homem da perna-de-pau, um homem branco; note, porque ele quase matou um comerciante branco que pensou ser o outro. Só havia o nome de um homem branco no mapa, os outros são de indianos e maometanos, não há outro branco. Portanto, podemos garantir que o homem da perna-de-pau é Jonathan Small. Você acha que este raciocínio é falho?

– Não. É claro e conciso.

– Agora ponha-se no lugar de Jonathan Small. Vamos olhar a questão do ponto de vista dele. Small vem para a Inglaterra com a dupla intenção de recuperar o que considerava seu direito e de vingar-se do homem que o enganara. Descobriu onde Sholto morava, e provavelmente estabeleceu ligações com alguém dentro da casa. Talvez o copeiro, esse Lal Rao, que não vimos. A sra. Bernstone não aprecia o seu caráter. Mas Small não conseguiu saber onde o tesouro estava escondido, porque ninguém sabia de nada, a não ser o major e um criado fiel, que tinha morrido. Um dia, Small fica sabendo que o major está para morrer. Desesperado, com medo de que ele morra levando consigo o segredo, arrisca-se a enfrentar o obstáculo dos guardas até chegar à janela do quarto do moribundo, e só não entra porque os dois filhos estavam presentes. Entretanto, louco de raiva do morto, entra no quarto naquela noite, vasculha os papéis na esperança de descobrir uma indicação qualquer sobre o tesouro e finalmente deixa como lembrança da sua visita a curta inscrição naquele papel. Esse ato certamente foi premeditado; ainda que tivesse assassinado o major, ele teria deixado o bilhete como um sinal de que não era um crime comum, mas, do ponto de vista dos quatro sócios, uma espécie de ato de justiça. Conceitos bizarros e extravagantes como este são muito comuns nos anais do crime, e costumam fornecer informações valiosas sobre o criminoso. Está seguindo o meu raciocínio?

– Perfeitamente.

– O que Jonathan podia fazer? Ele só podia continuar a vigiar secretamente as tentativas de encontrar o tesouro. É possível que saísse da Inglaterra e só voltasse de tempos em tempos. Então o sótão é descoberto e ele é logo avisado, o que indica que tinha um aliado dentro da casa. Jonathan, com a sua perna-de-pau, está totalmente impossibilitado de chegar ao quarto de Bartolomeu Sholto, que fica no alto. Traz consigo um cúmplice curioso, que vence a dificuldade, mas molha o pé descalço em alcatrão. Por isso vem o Toby, e uma caminhada de 10 quilômetros para um cirurgião a meio soldo, com um tendão de Aquiles arruinado.

– Mas foi o cúmplice e não Jonathan quem cometeu o crime.

– Exatamente. E contra a vontade de Jonathan, a julgar pelo modo como ele bateu com os pés quando entrou no quarto. Ele não tinha nada contra Bartolomeu e teria preferido que o cúmplice o tivesse amarrado e amordaçado. Não queria matá-lo; mas foi inevitável. O cúmplice não controlou os seus instintos ferozes e o veneno fez o seu trabalho. Jonathan deixou a sua lembrança, desceu o tesouro até o chão e foi atrás. Foi assim que as coisas aconteceram, até onde eu posso imaginar. Naturalmente, ele deve ter a aparência de um homem de meia-idade e deve estar queimado de sol, depois de servir num forno como as ilhas Andamãs. Pode-se calcular a altura pelo comprimento das passadas e sabemos que ele usa barba. Você deve lembrar-se de que foi um indivíduo peludo que impressionou Tadeu quando ele o viu à janela. Não sei se há mais alguma coisa.

– E o cúmplice?

– Ah, sim. Também não é um grande mistério. Mas dentro de pouco tempo você saberá tudo sobre isto. Como está agradável a manhã. Veja aquela nuvenzinha que flutua como uma pluma cor-de-rosa de algum gigantesco flamingo. Agora a orla vermelha do sol caminha para o nevoeiro de Londres. Ele brilha sobre muitas pessoas, mas aposto que nenhuma delas está empenhada numa missão mais estranha do que eu e você. Como nos sentimos pequenos com as nossas ambições e lutas insignificantes diante das grandes forças elementares da natureza! Como vai com o seu Jean-Paul?{5}

– Menos mal. Tenho-o estudado por Carlyle.

– Era como seguir o regato até o lago que lhe deu origem. Ele faz uma observação curiosa, mas profunda. Diz ele que a prova principal da verdadeira grandeza no homem é a compreensão da sua mesquinhez. Ele afirma, como vê, um poder de comparação e de apreciação que é, em si mesmo, uma prova de nobreza. Há muito alimento para o espírito em Richter. Você trouxe uma pistola?

– Tenho a minha bengala.