– Exatamente. Eu não saberia qual era The Haven, se eu não tivesse perguntado a um vagabundo que estava fumando na rua. Tenho minhas razões para mencioná-lo. Ele era alto, moreno, com um grande bigode, um homem de aparência um tanto militar. Ele indicou com a cabeça em resposta à minha pergunta e lançou-me um olhar de curiosidade, que um pouco mais tarde me voltou à lembrança.
– Eu mal havia atravessado o portão de entrada quando avistei o sr. Amberley descendo pelo caminho. Eu só o vira de relance esta manhã, e ele certamente deu-me a impressão de uma criatura estranha, mas quando o vi em plena luz, sua aparência era ainda mais anormal.
– É claro que eu o observei, e contudo estou interessado em saber a sua impressão – disse Holmes.
– Ele me pareceu um homem literalmente oprimido por preocupações. Suas costas estavam curvadas, como se ele carregasse um fardo pesado. Mas não era a criatura fraca que eu havia imaginado no início, porque seus ombros e o peito têm a estrutura de um gigante, embora sua figura vá se afunilando, terminando num par de pernas compridas e magras.
– O sapato esquerdo enrugado, o direito esticado.
– Não observei isto.
– Não, você não o faria. Observei sua perna artificial. Mas prossiga.
– Fiquei impressionado com os anéis encrespados de seu cabelo grisalho, que apareciam sob o chapéu de palha velho, seu rosto com uma expressão feroz e suas feições de traços muito marcados.
– Muito bem, Watson. O que ele disse?
– Ele começou a despejar a história de suas mágoas. Caminhamos juntos pelo passeio, e é claro que observei bem tudo em volta. Nunca vi um lugar tão malcuidado. O jardim estava completamente abandonado, dando a impressão de completa negligência, que permitiu que as plantas seguissem o caminho da natureza, e não o caminho da arte. Como uma mulher decente poderia tolerar esse estado de coisas, não sei. A casa também estava desmazelada até o último grau, mas o pobre homem parecia ciente disto e estava tentando remediar a situação, porque havia um grande pote de tinta verde no meio do saguão, e ele estava carregando uma broxa grossa na mão esquerda. Ele estivera trabalhando no madeirame.
– Ele me levou ao seu sujo refúgio, e tivemos uma longa conversa. Naturalmente ele estava desapontado pelo fato de você não ter ido. “Eu dificilmente esperava”, ele disse, “que um indivíduo tão humilde como eu, principalmente após o meu pesado prejuízo financeiro, pudesse obter a atenção total de um homem tão famoso como Sherlock Holmes.”
– Assegurei-lhe que a questão financeira não existia. “Não, é claro, com ele é arte pelo amor à arte”, ele disse, “mas mesmo do lado artístico do crime, ele poderia ter encontrado aqui algo para investigar. E a natureza humana, dr. Watson – a terrível ingratidão de tudo isto! Quando foi que eu recusei algum pedido dela? Alguma mulher já foi tão mimada? E aquele rapaz – ele poderia ter sido meu próprio filho. Ele tinha livre entrada em nossa casa. Entretanto, veja como eles me trataram! Oh, dr. Watson, este mundo é terrível, terrível!”
– Este foi o estribilho de suas queixas durante uma hora ou mais. Parece que ele não suspeitava de um amor ilícito. Eles moravam sós, a não ser por uma criada que vinha de manhã e ia embora às seis horas. Naquela noite, o velho Amberley, querendo agradar à sua mulher, havia adquirido dois lugares na galeria superior do Teatro Haymarket. No último momento ela queixou-se de dor de cabeça e não quis ir. Ele foi só. Parece não haver nenhuma dúvida quanto a esse fato, pois ele apresentou o bilhete que trouxera para a sua esposa e que não foi usado.
– Isto é estranho, muito estranho – disse Holmes, cujo interesse pelo caso parecia estar aumentando. – Por favor, continue, Watson. Acho sua narrativa interessantíssima. Você examinou pessoalmente este bilhete? Você por acaso não anotou o número?
– Acontece que anotei – respondi com orgulho. – Por acaso era o meu antigo número da escola, 31, e ficou gravado na minha cabeça.
– Excelente, Watson! Então a cadeira dele era 30 ou 32.
– Perfeitamente – respondi um tanto perplexo. – E na fila B.
– Isto é bastante satisfatório. O que mais ele lhe contou?
– Ele mostrou seu quarto-forte, como ele o chama. É realmente um quarto-forte – como um banco –, com porta de ferro e uma de madeira – à prova de ladrão, como ele afirmou. Mas parece que a mulher tinha uma duplicata da chave, e os dois juntos tinham carregado umas 7 mil libras, em dinheiro e obrigações da dívida pública.
– Obrigações da dívida pública? Como eles poderiam vender estas obrigações?
– Ele disse que havia dado à polícia uma lista e esperava que elas não fossem vendáveis. Ele voltou do teatro mais ou menos à meia-noite e encontrou a casa saqueada, a porta e a janela abertas, e os dois já haviam fugido. Não deixaram nenhuma carta ou mensagem, e desde então ele também não recebeu uma palavra dela. Ele avisou imediatamente à polícia.
Holmes refletiu durante alguns minutos.
– Você disse que ele estava pintando. O que é que ele estava pintando?
– Bem, ele estava pintando o corredor. Mas já havia pintado a porta e todas as partes em madeira deste quarto que mencionei.
– Você não achou que era uma ocupação estranha nestas circunstâncias?
– “É preciso fazer alguma coisa para aliviar um coração dolorido.” Foi esta a explicação que ele deu. É esquisito, sem dúvida, mas ele é, evidentemente, um homem esquisito. Ele rasgou uma das fotografias de sua mulher na minha presença – rasgou-a furiosamente, numa tempestade de fúria. “Eu não quero nunca mais ver a sua maldita cara”, ele gritou.
– Mais alguma coisa, Watson?
– Sim, uma coisa que me impressionou mais do que qualquer outra. Eu fui para a estação Blackheath e apanhei o meu trem lá, e exatamente quando o trem estava partindo, vi um homem entrando rapidamente no vagão pegado ao meu. Você sabe que sou um bom fisionomista, Holmes. Sem dúvida nenhuma era o homem alto e moreno com quem falei na rua. Avistei-o uma vez na Ponte de Londres e depois o perdi de vista na multidão. Mas estou convencido de que ele estava me seguindo.
– Sem dúvida! Sem dúvida! – disse Holmes. – Um homem alto, moreno, com um bigode grande, você diz, com óculos de sol cinzentos?
– Holmes, você é um adivinho. Eu não disse isso, mas ele estava com óculos de sol cinzentos.
– E um alfinete de gravata maçônico?
– Holmes!
– Muito simples, meu caro Watson. Mas vamos tratar de coisas práticas. Devo admitir que o caso, que me parecia tão absurdamente simples que nem valia a pena eu perder meu tempo com ele, está assumindo rapidamente um aspecto muito diferente. É verdade que, embora em sua missão você tenha deixado passar todas as coisas importantes, até mesmo as coisas que se impuseram à sua atenção deram origem a graves reflexões.
– O que foi que eu deixei escapar?
– Não se ofenda, meu caro. Você sabe que sou muito impessoal. Ninguém teria feito melhor. Alguns, possivelmente não tão bem. Mas certamente você perdeu alguns pontos fundamentais. Qual é a opinião dos vizinhos sobre Amberley e sua mulher? Isto certamente é importante. E quanto ao dr. Ernest? Era ele o jovial Lothario que se poderia esperar? Com suas vantagens naturais, Watson, toda mulher é sua auxiliar e sua cúmplice. E a moça do correio, ou a mulher do quitandeiro? Posso imaginar você cochichando ternas banalidades no ouvido da moça no Blue Anchor, e recebendo em troca informações concretas. Tudo isto você deixou de fazer.
– Isto ainda pode ser feito.
– Já foi feito. Graças ao telefone e à ajuda da Scotland Yard, geralmente consigo obter aquilo de que necessito sem sair deste quarto. Na verdade, minha informação confirma a história do homem. Ele tem fama, no local, de ser um marido tão avarento quanto intratável e exigente. Que ele tinha uma grande soma de dinheiro naquele quarto-forte é verdade. Também é verdade que o jovem dr. Ernest, um homem solteiro, jogava xadrez com Amberley, e provavelmente fez-se de tolo com a mulher dele. Tudo isto parece muito simples, e seria possível pensar que não há mais para ser dito – mas – mas!