– Onde está a dificuldade?
– Na minha imaginação, talvez. Bem, deixe isso pra lá, Watson. Vamos fugir deste enfadonho mundo de trabalho diário e ouvir música. Carina canta esta noite no Albert Hall, e nós ainda temos tempo para nos vestir, jantar e nos alegrar.
De manhã, levantei-me cedo, mas algumas migalhas de torradas e duas cascas de ovos vazias indicaram que meu amigo levantara-se mais cedo ainda. Encontrei um bilhete rabiscado sobre a mesa.
CARO WATSON
Há um ou dois pontos que eu gostaria de esclarecer com o sr. Josiah Amberley. Depois que eu tiver feito isso, poderemos desistir do caso – ou não. Eu só lhe pediria para estar disponível por volta das 15 horas, porque talvez eu precise de você.
S. H.
Não vi Holmes o dia inteiro, mas na hora marcada ele voltou, grave, preocupado e distante. Nessas ocasiões era melhor deixá-lo sozinho.
– Amberley já esteve aqui?
– Não.
– Ah! Eu o estou aguardando.
Ele não ficou desapontado, porque pouco depois o velho chegou com uma expressão muito intrigada e preocupada.
– Recebi um telegrama, sr. Holmes. Não consigo entender. – Ele entregou o telegrama a Holmes, que o leu em voz alta.
Venha imediatamente, sem falta. Posso dar-lhe informações quanto à sua recente perda.
– Elman. O Vicariato.
– Despachado de Little Purlington às 14:10h – disse Holmes. – Little Purlington fica em Essex, eu acho, não muito longe de Frinton. Bem, é claro que o senhor partirá imediatamente. Este telegrama, evidentemente, é de uma pessoa responsável, o vigário do lugar. Onde está a minha lista telefônica? Sim, aqui está ele, J. C. Elman, M. A., morando em Moosmoor, esquina de Little Purlington. Veja o horário dos trens, Watson.
– Às 17:20h sai um da estação de Liverpool Street.
– Excelente. O melhor que você faz é ir com ele, Watson. Ele pode precisar de ajuda ou de conselho. Evidentemente chegamos a uma crise neste assunto.
Mas nosso cliente não parecia nem um pouco ansioso por partir.
– É completamente absurdo, sr. Holmes – ele disse. – O que esse homem pode saber a respeito do que aconteceu? É perda de tempo e de dinheiro.
– Ele não lhe teria telegrafado se não soubesse de alguma coisa. Telegrafe imediatamente avisando que o senhor está a caminho.
– Acho que não irei.
Holmes assumiu o seu aspecto mais severo.
– Isto causaria a pior impressão tanto na polícia quanto em mim mesmo, sr. Amberley, se ao surgir uma pista tão óbvia o senhor se recusasse a segui-la. Nós sentiríamos que o senhor, realmente, não está levando a sério esta investigação.
Nosso cliente pareceu ficar horrorizado com a insinuação.
– Ora, é claro que eu irei, se o senhor vê a coisa desta maneira – ele disse. – À primeira vista, parece absurdo supor que este pároco saiba alguma coisa, mas se o senhor acha...
– Eu realmente acho – disse Holmes com ênfase, e assim foi decidida nossa viagem. Holmes puxou-me de lado antes de sairmos da sala e deu-me um conselho que mostrou que ele considerava o assunto importante. – O que quer que você faça, cuide para que ele realmente vá – ele disse. – Se ele abandonar a viagem ou voltar, vá à central telefônica mais próxima e mande-me dizer somente a palavra fugiu. Providenciarei aqui para que este telefonema me alcance onde eu estiver.
Little Purlington não é um lugar fácil de se chegar, porque fica num ramal. Minha lembrança da viagem não é muito agradável, porque a temperatura estava elevada, o trem vagaroso e o meu companheiro, mal-humorado e calado, quase não falou, a não ser para fazer uma observação ocasional e mordaz sobre a inutilidade de nosso procedimento. Quando finalmente chegamos à pequena estação, ainda percorremos 3 quilômetros de charrete até o vicariato, onde um clérigo grande, solene e um tanto pomposo nos recebeu em seu gabinete de trabalho. Nosso telegrama estava diante dele.
– Bem, cavalheiros – ele perguntou, o que posso fazer pelos senhores?
– Viemos – expliquei – em resposta ao seu telegrama.
– Meu telegrama! Não mandei nenhum telegrama.
– Estou me referindo ao telegrama que o senhor enviou ao sr. Josiah Amberley, a respeito de sua esposa e seu dinheiro.
– Se isto é uma piada, senhor, é uma piada de mau gosto – disse o vigário, zangado. – Nunca ouvi falar de um cavalheiro com este nome e não telegrafei a ninguém.
Nosso cliente e eu nos olhamos espantados.
– Talvez haja algum engano – eu disse. – Será que existem dois vicariatos? Aqui está o telegrama, assinado Elman. Vicariato.
– Só há um vicariato, senhor, e apenas um vigário, e o telegrama é uma falsificação escandalosa, cuja origem certamente será investigada pela polícia. Enquanto isso, não vejo motivo para prolongar esta entrevista.
Assim o sr. Amberley e eu nos encontramos à beira da estrada, na aldeia que me parecia ser a mais primitiva da Inglaterra. Fomos até a agência telegráfica, mas ela já estava fechada. Mas havia um telefone na pequena Railway Arms, e por ele consegui entrar em contato com Holmes, que também se espantou com o resultado da viagem.
– Muito estranho! – disse a voz distante. – Bastante extraordinário! Receio, meu caro Watson, que esta noite não haja trem para você voltar. Condenei-o, involuntariamente, aos horrores de uma hospedaria rural. Mas, há sempre a natureza, Watson, a natureza e Josiah Amberley; você poderá ficar em contato íntimo com ambos. – Ouvi sua risada de zombaria enquanto ele desligava.
Ficou logo evidente que a fama de avarento do meu companheiro era muito merecida. Ele havia se queixado das despesas da viagem, insistira em viajar de terceira classe e agora estava botando a boca no mundo com suas objeções a uma conta de hotel. Na manhã seguinte, quando finalmente chegamos a Londres, era difícil dizer qual de nós dois estava de pior humor.
– O senhor deveria ir primeiro a Baker Street – eu disse. – O sr. Holmes pode ter novas instruções a dar.
– Se elas não valem mais do que as últimas, não serão de muita utilidade – disse Amberley com um olhar carrancudo. Mesmo assim ele continuou em minha companhia. Eu já havia avisado a Holmes, por telegrama, a hora de nossa chegada, mas encontramos uma mensagem à nossa espera, dizendo que ele estava em Lewisham e que nos aguardaria lá. Foi uma surpresa, mas foi uma surpresa ainda maior descobrir que ele não estava só na sala de estar do nosso cliente. Um homem impassível, de olhar severo, estava sentado ao seu lado, um homem moreno, de óculos de sol cinzentos, e um grande alfinete maçônico em sua gravata.
– Este é o meu amigo sr. Barker – disse Holmes. – Ele também está interessado no seu problema, sr. Josiah Amberley, embora estejamos trabalhando de modo independente. Mas nós dois temos a mesma pergunta a lhe fazer!
O sr. Amberley sentou-se pesadamente. Ele teve uma sensação de perigo iminente. Percebi isto pela expressão de seus olhos e pela contração de suas feições.
– Qual é a pergunta, sr. Holmes?
– Apenas esta: o que foi que o senhor fez com os corpos?
O homem ficou de pé num salto e deu um grito rouco. Ele agitou no ar as mãos ossudas. Sua boca estava aberta, e naquele instante ele parecia uma horrível ave de rapina. Num abrir e fechar de olhos, tivemos o vislumbre do verdadeiro Josiah Amberley, um demônio com uma alma tão deformada quanto o seu corpo. Quando ele caiu novamente em sua cadeira, bateu com a mão nos lábios, como para abafar a tosse. Holmes saltou sobre sua garganta como um tigre e torceu seu rosto em direção ao chão. Uma bala branca caiu por entre os seus lábios ofegantes.