– Nada de golpes, Josiah Amberley. As coisas devem ser feitas com honestidade e em ordem. E agora, Barker?
– Tenho uma carruagem na porta – disse o nosso taciturno companheiro.
– São algumas poucas centenas de metros até a estação. Iremos juntos. Você pode ficar aqui, Watson. Estarei de volta dentro de meia hora.
O velho negro tinha a força de um leão naquele seu corpo imenso, mas ficou impotente nas mãos dos dois detetives experientes. Fazendo um rebuliço e se contorcendo, ele foi arrastado para a carruagem, e eu fiquei na minha solitária vigília na casa agourenta. Mas Holmes voltou antes do previsto e veio em companhia de um jovem e elegante inspetor de polícia.
– Deixei Barker cuidar das formalidades – disse Holmes. – Você ainda não conhecia Barker, Watson. Ele é o meu odiado rival que mora na praia do Surrey. Quando você falou de um homem alto, moreno, não me foi difícil completar o retrato. Ele tem vários casos bem-sucedidos, não tem, inspetor?
– Ele realmente interferiu algumas vezes – o inspetor respondeu com reserva.
– Os métodos que ele usa sem dúvida são irregulares, como os meus próprios. As irregularidades às vezes são úteis, não é? Você, por exemplo, sendo obrigado a avisar que tudo o que o acusado disser pode ser usado contra ele, jamais poderia ter blefado com este velhaco, obrigando-o a fazer praticamente uma confissão.
– Talvez não. Mas teríamos chegado lá de qualquer maneira, sr. Holmes. Não pense que não tínhamos nossas próprias opiniões a respeito deste caso, e que não teríamos agarrado o homem. O senhor perdoará por nos sentirmos melindrados quando o senhor entra no caso com métodos que não podemos usar, e assim roubando-nos o crédito.
– Não haverá esse roubo, MacKinnon. Garanto-lhe que daqui por diante vou sumir, e quanto a Barker, ele não fez nada, a não ser aquilo que eu lhe disse.
O inspetor pareceu bastante aliviado.
– É muita generosidade de sua parte, sr. Holmes. Elogios ou censuras podem significar pouco para o senhor, mas para nós é muito diferente quando os jornais começam a fazer perguntas.
– Perfeitamente. Mas eles farão perguntas de qualquer maneira, portanto seria conveniente ter as respostas. O que você dirá, por exemplo, quando o repórter inteligente e ousado lhe perguntar quais foram exatamente os detalhes que despertaram as suas suspeitas e finalmente deram-lhe uma certa convicção quanto aos fatos reais?
O inspetor pareceu intrigado.
– Acho que ainda não obtivemos fatos reais, sr. Holmes. O senhor afirmou que o prisioneiro, na presença de três testemunhas, praticamente confessou ao tentar se suicidar, que havia assassinado a mulher e o amante dela. Que outros fatos o senhor tem a apresentar?
– O senhor tomou providências para uma busca?
– Há três policiais a caminho.
– Então o senhor logo obterá o mais óbvio de todos os fatos. Os corpos não podem estar longe. Examine os porões e o jardim. Não levará muito tempo para escavar os lugares prováveis. Esta casa é mais velha do que os canos d’água. Deve haver um poço abandonado em algum lugar. Tente a sua sorte lá.
– Mas como é que o senhor soube disto, e como isto foi feito?
– Vou mostrar-lhe primeiramente como isto foi feito e depois darei a explicação que lhe é devida e mais ainda ao meu paciente amigo aqui, cuja ajuda tem sido inestimável desde o início. Mas antes vou dar-lhes uma idéia da mentalidade do homem. É uma mentalidade muito pouco comum, tanto assim que acho mais provável que o seu destino seja o Broadmoor do que a forca. Ele tem, em alto grau, o tipo de mente que associamos mais à natureza medieval italiana do que à mentalidade britânica moderna. Ele era um avarento infeliz que fez sua mulher tão desgraçada por causa da sua mesquinhez, que ela se tornou presa fácil para qualquer aventureiro. Esse aventureiro apareceu em cena na pessoa deste médico jogador de xadrez. Amberley sobressaía-se no xadrez – um indício de mente ardilosa. Como todos os avarentos, ele era um homem ciumento, e seus ciúmes transformaram-se em loucura furiosa. Certo ou errado, ele suspeitou de um amor ilícito. Decidiu se vingar, e planejou tudo com inteligência diabólica. Venham cá!
Holmes nos conduziu pelo corredor com tanta segurança como se tivesse morado na casa, e parou em frente à porta aberta do quarto-forte.
– Hum! Que cheiro forte de tinta! – exclamou o inspetor.
– Esta foi a nossa primeira pista – disse Holmes. – O senhor pode agradecer à observação do dr. Watson por isto, embora ele falhasse na dedução. Isto me botou na pista. Por que este homem estaria, numa ocasião dessas, enchendo a casa de odores fortes? Obviamente para encobrir outros cheiros que ele quisesse disfarçar – algum cheiro criminoso que despertasse suspeitas. Então veio a idéia de um quarto, como os senhores estão vendo aqui, com a porta de ferro e uma de madeira, um quarto hermeticamente fechado. Juntem esses dois fatos, e aonde eles nos conduzem? Eu só poderia confirmar isto examinando pessoalmente a casa. Eu já tinha certeza de que o caso era grave, porque havia examinado o quadro dos lugares vendidos na bilheteria do teatro Haymarket – outro alvo do dr. Watson – e verificado que nem a cadeira 30 nem a 32 da fila B da galeria superior haviam sido ocupadas naquela noite. Portanto, Amberley não estivera no teatro, e seu álibi caiu por terra. Ele cometeu um erro feio quando permitiu que o meu astuto amigo visse o número da cadeira comprada para a sua mulher. Então surgiu a pergunta: como eu poderia inspecionar a casa? Enviei um agente meu à aldeia mais impraticável que pude imaginar e fiz o homem ir lá, numa hora em que seria impossível para ele voltar no mesmo dia. Para evitar qualquer imprevisto, o dr. Watson o acompanhou. O nome do bondoso vigário tirei, naturalmente, da lista telefônica. Está claro para vocês?
– É magistral – disse o inspetor, numa voz reverente.
– Não havendo perigo de ser interrompido, passei a arrombar a casa. O arrombamento sempre foi para mim uma profissão alternativa, se eu tivesse querido adotá-la, e não tenho dúvida de que eu me tornaria um dos melhores. Observem o que descobri. Vocês estão vendo o cano de gás aqui, ao longo do rodapé. Muito bem. Ele sobe no canto da parede, e há uma torneira aqui. O cano corre para dentro do quarto-forte, como os senhores podem ver, e termina naquela rosácea de gesso, no centro do teto, onde fica escondido pela ornamentação. O final do cano é bem aberto. A qualquer momento, abrindo a torneira do lado de fora, o quarto poderia ficar cheio de gás. Com a porta de madeira e a de ferro fechadas e a torneira completamente aberta, eu não daria dois minutos de consciência a qualquer pessoa trancada naquele quarto. Com que estratagema diabólico ele os fez cair na armadilha não sei, mas uma vez dentro do quarto, eles estavam à sua mercê.
O inspetor examinou o cano com interesse. – Um dos nossos agentes mencionou o cheiro de gás – ele disse –, mas, naturalmente, na ocasião a janela e a porta estavam abertas, e havia o cheiro de tinta. Ele começara o trabalho de pintura no dia anterior, de acordo com a sua história. Mas, e depois, sr. Holmes?
– Bem, então ocorreu um incidente que para mim foi um tanto inesperado. Eu estava entrando pela janela da copa, ao amanhecer, quando senti uma mão na gola do meu casaco, e ouvi uma voz que dizia: “Agora, seu patife, o que é que você está fazendo aqui dentro?” Quando consegui virar a cabeça, deparei com os óculos coloridos do meu amigo e rival, o sr. Barker. Foi uma curiosa confraternização, e nós dois tivemos que rir. Parece que ele fora contratado pela família do dr. Ray Ernest para fazer algumas investigações, e havia chegado à mesma conclusão quanto a uma traição. Ele havia observado a casa durante alguns dias e reconheceu o dr. Watson como uma das pessoas mais obviamente suspeitas que visitaram o local. Ele dificilmente poderia ter prendido Watson, mas quando viu um homem subindo pelo lado de fora da janela da copa, acabou-se o seu impedimento. É claro que contei a ele em que pé estavam as coisas, e continuamos juntos a investigação.