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– Poderia, mas não costuma fazer isso. Ele reclama muito dos preços que cobram... Além disso, não gosto daquele homem de perna-de-pau, de cara feia e fala estrangeira. O que é que ele anda querendo sempre por aqui?

– Um homem de perna-de-pau? – disse Holmes um tanto surpreso.

– Sim, senhor, um sujeito moreno, com cara de macaco, que procurou o meu marido várias vezes. Foi ele que apareceu ontem à noite. Mas não é só isso: o meu marido sabia que ele vinha, porque já tinha a lancha preparada. Digo-lhe tudo, meu senhor, porque estou preocupada com essas coisas.

– Mas, minha cara sra. Smith – disse Holmes, dando de ombros – está se assustando à toa. Como a senhora

pode dizer que foi o homem da perna-de-pau que veio ontem à noite? Como pode ter tanta certeza?

– Pela voz, senhor. Eu o reconheci pela voz grossa e tenebrosa. Bateu na janela – mais ou menos às três horas – e disse: “Salta, camarada, é hora de render a guarda.” O meu velho acordou o Jim, que é o meu filho mais velho, e foram os dois sem me dizer nada. Eu ouvia perfeitamente a perna-de-pau batendo nas pedras.

– E o homem estava só?

– Não sei. Mas não ouvi mais ninguém.

– Pois sinto muito, porque eu queria a lancha. Tenho ouvido muitos elogios a respeito dela. Deixeme lembrar o nome...

– A Aurora, meu senhor.

– Não é uma lancha velha, verde, muito larga, com uma lista amarela?

– Claro que não. É a mais elegante que anda pelo rio. Está pintada de novo, é preta, com duas listas vermelhas.

– Obrigado. Espero que tenha logo notícias do sr. Smith. Eu vou descer o rio e se vir a Aurora, direi ao sr. Smith que a senhora está preocupada. Chaminé preta, não foi o que disse?

– Não, senhor. Preta com uma faixa branca.

– Ah, é verdade, os lados é que são pretos. Bom dia, sra. Smith. Ali está um barqueiro com uma canoa, Watson. Vamos tomá-la para atravessar o rio.

Quando nos sentamos no banco da canoa, Holmes disse:

– O melhor sistema com este tipo de gente é não mostrar que a informação é importante para você. Se eles desconfiam que tem importância, fecham-se como uma ostra e não há jeito de tirar-lhes mais nada. Se ficar ouvindo a contragosto, como aconteceu, dirão tudo o que quisermos saber.

– O nosso itinerário agora parece claro – eu disse.

– O que é que faria, então?

– Tomaria uma lancha e iria pelo rio atrás da Aurora.

– Meu amigo, isto seria uma empreitada colossal. Ela pode ter ido parar em qualquer cais em um dos lados do rio, daqui até Greenwich. Depois da ponte há um verdadeiro labirinto de desembarcadouros. Levaria dias e dias até descobri-los, se tentássemos sozinhos.

– Chame a polícia, então.

– Não quero. Eu só chamarei Athelney Jones no último momento. Ele não é má pessoa e não gostaria de fazer nada que possa prejudicá-lo profissionalmente. Mas quero resolver o caso por minha conta, agora que já fomos tão longe.

– Poderíamos ao menos pedir informações aos guardas dos cais.

– Seria pior, bem pior. Nossos homens ficariam sabendo que estavam sendo perseguidos de perto e podiam sair do país. É o que estão procurando fazer, mas enquanto pensarem que estão seguros, não terão pressa. A energia de Jones será útil para divulgar informações para a imprensa. Assim, os fugitivos pensarão que a polícia está na pista errada.

– Então, o que vamos fazer? – perguntei quando desembarcamos perto da penitenciária de Millbank.

– Pegar este cabriolé, ir para casa tomar nosso breakfast e dormir uma hora. Está escrito que passaremos em claro esta noite outra vez. Pare numa agência dos correios, cocheiro. Ficaremos com Toby, porque ele ainda pode ser útil.

Fomos ao correio de Great Peter Street, e Holmes mandou o seu telegrama.

– Para quem pensa que era? – perguntou quando retomamos nosso trajeto.

– Não tenho a menor idéia.

– Você se lembra do grupo da força policial de Baker Street que utilizei no caso Jefferson Hope?

– Lembro – eu disse rindo.

– Este é um caso em que o seu auxílio será inestimável. Se eles falharem, tenho outros recursos, mas quero experimentá-los primeiro. Aquele telegrama foi para o meu sujo tenentezinho Wiggins, e espero que ele chegue com o seu bando antes de acabarmos o breakfast.

Já passava das oito horas, e depois de todas as coisas excitantes daquela noite, eu esperava uma reação forte. Estava lento e cansado, com o espírito perturbado e o corpo moído. Não tinha o entusiasmo profissional que impulsionava o meu companheiro, nem podia encarar o caso como um problema abstrato, simples e intelectual. Até a morte de Bartolomeu, eu não tinha ouvido nada de bom sobre ele que me fizesse sentir antipatia pelos assassinos. Mas a questão do tesouro modificava o caso. Ele, ou parte dele, pertencia por direito à srta. Morstan. Enquanto houvesse uma possibilidade de recuperá-lo, eu dedicaria todo o meu esforço para conseguir isso. Na verdade, se eu o encontrasse, ele a colocaria fora do meu alcance para sempre.

Mas que amor seria esse, egoísta e inferior, se este pensamento me detivesse? Se Holmes trabalhava para encontrar os criminosos, eu tinha um motivo dez vezes mais forte para encontrar o tesouro de qualquer maneira.

Um bom banho em Baker Street e roupas limpas me reanimaram admiravelmente.

Quando voltei à sala, o breakfast já estava na mesa. Holmes servia o café.

– Está aqui – disse ele, rindo e mostrando um jornal aberto. – O enérgico Jones e o onipresente repórter se encarregaram de tudo. Mas você já está farto disto. É melhor que trate primeiro do seu presunto com ovos.

Tirei o jornal da mão dele e li a notícia curta intitulada “Caso misterioso no Alto Norwood...”

“Por volta da meia-noite de ontem”, dizia o Standard, “o sr. Bartolomeu Sholto, de Pondicherry Lodge, Alto Norwood, foi encontrado morto em seu quarto, em circunstâncias que indicam crime e traição. Até onde sabemos, nenhum vestígio de violência foi encontrado no corpo do sr. Bartolomeu, mas uma coleção valiosa de jóias da Índia que o morto herdara de seu pai desapareceu. A descoberta foi feita primeiro pelo sr. Sherlock Holmes e pelo dr. Watson, que tinham ido à casa do sr. Bartolomeu com o sr. Tadeu Sholto, irmão do morto. Por uma singular coincidência, o sr. Athelney Jones, o conhecido agente da força da polícia, estava em Norwood, no posto policial, e em meia hora chegava ao local.

“Sua habilidade, treinada e experiente, logo se concentrou na detenção dos criminosos, o que resultou na prisão do irmão, Tadeu Sholto, da governanta, sra. Bernstone, um copeiro hindu, Lal Rao, e o porteiro, McMurdo. É fora de dúvida que o ladrão ou ladrões tinham perfeito conhecimento do interior da casa. Com os seus conhecimentos técnicos e sua capacidade de observação rápida, o sr. Jones descobriu logo que os criminosos não podiam ter entrado pela porta nem pela janela, e, portanto, devem ter entrado pelo telhado da casa, e dali passaram por um alçapão para um quarto que se comunicava com o do morto. Este fato foi facilmente esclarecido e provou que o roubo foi premeditado. A ação rápida e enérgica dos representantes da lei demonstra a grande vantagem da presença, nessas ocasiões, de uma mente esclarecida e forte. Isto fornece um argumento àqueles que desejariam ver os nossos detetives mais descentralizados e em contato mais direto e efetivo com os casos que têm o dever de investigar.”